O que bebês reborns têm a ver com Enem? Entenda como esse fenômeno pode ampliar seu repertório para temas como consumo e mídia!

Vivemos em uma sociedade onde tudo — de bens materiais a sentimentos — pode ser embalado, promovido e vendido. A afeição, que parece algo tão íntimo e espontâneo, também entra nessa lógica? Quando objetos como os bebês reborns despertam laços emocionais profundos, será que estamos lidando com sentimentos verdadeiros ou com mais um reflexo da cultura do consumo?
Neste texto, a gente vai explorar como a arte desses bonecos hiper-realistas abre espaço para questões filosóficas e sociais. Bora?
O que são os bebês reborns?

São bonecas hiper-realistas que parecem bebês de verdade — têm peso, textura e até cabelinho implantado fio a fio. Mas não se engane: elas não são brinquedos comuns. Criadas artesanalmente, os reborns chamam atenção justamente pelo nível de realismo. E é aí que começa a nossa reflexão: quando a gente sente afeto por algo que imita a vida, esse sentimento é verdadeiro ou é algo moldado pelo consumo?
De hobby artístico a fenômeno comercial
Os bebês reborns surgiram nos anos 90, nos Estados Unidos, como uma espécie de arte entre entusiastas de bonecas. A ideia era restaurar bonecas antigas com o máximo de realismo possível. Mas a coisa cresceu: a internet ajudou essa comunidade a se espalhar e, em 2002, o primeiro reborn foi vendido no eBay. Hoje, existe todo um mercado em torno disso — com kits de criação, acessórios e preços que podem ultrapassar milhares de reais.
Mercantilização dos sentimentos: dá pra vender amor?
Você já parou pra pensar em como o amor e o cuidado aparecem no mercado? Dias dos Namorados, casamentos caríssimos, aplicativos de relacionamento… Tudo isso envolve sentimentos que, de certa forma, viraram produtos. Esse fenômeno é o que alguns estudiosos chamam de “mercantilização dos afetos”: quando a gente começa a expressar sentimentos por meio de compras e experiências vendidas.
Esse conceito descreve o processo pelo qual emoções humanas — como amor, cuidado, empatia e pertencimento — passam a ser apropriadas, moldadas e comercializadas dentro da lógica capitalista. Em vez de se manifestarem apenas em relações espontâneas ou intimidades não mediadas, esses sentimentos se tornam parte de sistemas de consumo: compramos flores no Dia dos Namorados, terceirizamos o cuidado em serviços de delivery emocional (como cartas personalizadas ou presentes-surpresa), pagamos por experiências afetivas em plataformas digitais e investimos financeiramente em símbolos que comprovam nosso afeto.

Esse fenômeno, discutido por autores como Eva Illouz e Arlie Hochschild, revela como até os aspectos mais subjetivos da vida humana — o amor, a conexão, o vínculo materno — se tornam passíveis de compra, venda e circulação no mercado. A mercantilização não anula o sentimento, mas o reformula: transforma sua expressão em algo mediado por produtos e serviços, alterando a forma como nos relacionamos e até como sentimos.
Os bebês reborns são um exemplo emblemático disso, ao condensarem, em um objeto, a possibilidade de criar e cultivar vínculos emocionais intensos — mesmo que esses vínculos surjam a partir de uma compra.
O que Marx e Baudrillard diriam sobre isso?

Para Karl Marx, o conceito de fetichismo da mercadoria explica como, no capitalismo, os produtos se tornam objetos de desejo que ocultam o trabalho humano por trás de sua produção.
Quando compramos algo — no caso, um bebê reborn — não estamos apenas adquirindo um objeto, mas nos envolvemos em um processo que obscurece sua origem material e o trabalho de fabricação envolvido. O apego emocional ao boneco pode, assim, ocultar todo o esforço e o valor de trabalho que foram necessários para sua criação.
O fetichismo cria uma ilusão de que o objeto tem valor intrínseco, quando, na verdade, esse valor é uma construção social que desvia nossa atenção das condições reais de sua produção.
Por outro lado, Jean Baudrillard, em sua teoria dos simulacros e simulações, argumenta que, na sociedade pós-moderna, as cópias (ou simulações) muitas vezes acabam substituindo a realidade original.
No caso dos bebês reborns, esses objetos, tão detalhados e cuidados, podem acabar criando um vínculo afetivo tão intenso que, para algumas pessoas, o bebê reborn se torna mais “real” do que um bebê biológico. Isso nos faz questionar: estamos vivendo em uma realidade onde a cópia, muitas vezes mais aperfeiçoada, mais acessível e mais controlada, pode se tornar mais valorizada do que o original? Baudrillard diria que estamos em um ponto onde a linha entre a realidade e a simulação se torna borrada, e o simulacro (o bebê reborn) é capaz de provocar uma sensação de autenticidade mais intensa do que o objeto “real” (o bebê biológico).
É errado sentir afeto por um objeto?
Em um primeiro momento, pode parecer estranho ou até inadequado criar um vínculo emocional com algo que é, essencialmente, uma cópia de um ser humano.
No entanto, essa prática se insere em um contexto mais amplo de como, na sociedade contemporânea, as emoções e os afetos estão sendo projetados e projetados em objetos. A linha entre o que é “real” e o que é “representação” se torna cada vez mais fluida, e o apego a um objeto pode, em muitos casos, representar uma tentativa legítima de buscar conforto e conexão.
No campo da psicologia, especialmente em contextos terapêuticos, a utilização de bebês reborns em tratamentos com idosos com demência, pessoas em luto ou indivíduos com transtornos de ansiedade tem se mostrado eficaz.
O toque, o cuidado e a presença de um objeto que simula um bebê podem gerar um senso de bem-estar real e até aliviar sintomas de solidão, ansiedade e dor emocional, sem que a pessoa tenha consciência do caráter artificial do objeto. Esse tipo de vínculo, embora não corresponda à interação com um ser humano, pode ser visto como uma forma de representação simbólica de cuidados e afeto que, para o indivíduo, tem um valor terapêutico.
Reborns e o desenvolvimento emocional
O uso de bebês reborns também tem se expandido para o universo infantil, com implicações significativas no desenvolvimento emocional das crianças.
Em especial, esses bebês são empregados para ajudar na preparação para a chegada de um irmão, oferecendo uma maneira simbólica de vivenciar e expressar o afeto e o cuidado necessários para lidar com a mudança familiar. Além disso, esses objetos têm sido incorporados em terapias com crianças autistas, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de empatia, habilidades de cuidado e a percepção de emoções, aspectos frequentemente desafiadores para indivíduos no espectro.
De acordo com pesquisas psicológicas, a teoria da mente, que envolve a capacidade de entender as emoções e intenções dos outros, é um componente chave no desenvolvimento emocional de crianças. O bebê reborn pode servir como um “mediador” simbólico que facilita essa aprendizagem.
Além disso, o uso de bebês reborns em contextos terapêuticos pode ajudar na expressão emocional de crianças autistas, que frequentemente enfrentam dificuldades em se conectar com seus próprios sentimentos e com as emoções dos outros. O contato com um objeto que exige cuidado pode funcionar como uma ferramenta não só para o desenvolvimento de habilidades emocionais, mas também para a criação de uma base segura em situações sociais complexas.
E o que isso tem a ver com o Enem?
Mais do que um tema curioso, os bebês reborns tocam em debates profundos que aparecem em redações e questões do Enem:
- Consumo e afetividade
- Tecnologia e relações humanas
- Representações midiáticas e desejo
- Conceitos filosóficos como fetichismo e hiper-realidade
- Ética e substituição das relações sociais
Além disso, eles podem ser usados para discutir educação do consumidor, mídia e até psicologia.