Como os brasileiros continuam indo a shows mesmo endividados?
Descubra por que 24% dos brasileiros se endividam para ir a shows e como planejamento e crédito influenciam o lazer e as finanças pessoais.
Nos últimos anos, o Brasil entrou de vez no circuito mundial de grandes shows e festivais. De astros pop internacionais a bandas de rock históricas, a agenda cultural do país está recheada de eventos que movimentam multidões, geram renda e realizam sonhos. Mas, no meio desse cenário vibrante, surge uma preocupação que já ganhou espaço nas manchetes: a relação entre entretenimento e endividamento pessoal.
Bora entender como o lazer pode se conectar ao endividamento e o que isso revela sobre nossa relação com o dinheiro?
1 em cada 4 brasileiros já se endividou para ir a eventos

Um levantamento do Serasa mostra que 24% dos brasileiros já se endividaram para participar de shows. O preço dos ingressos aparece como o maior obstáculo para 44% do público, seguido pela distância (19%) e pela falta de tempo (17%). O ponto central, porém, está no uso recorrente do crédito para financiar lazer: segundo pesquisa da Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box, 48% dos fãs usam cartão de crédito para pagar ingressos e 59% recorrem ao parcelamento. Isso faz com que uma despesa pontual e supérflua se transforme em dívida de longo prazo, muitas vezes com juros altos.
A pesquisa também destaca que 47% dos participantes guardam dinheiro com antecedência para garantir a presença em shows, mostrando que o planejamento financeiro é um diferencial para muitos. Mesmo assim, 36% escolhem o parcelamento, e 45% das compras são feitas com cartão de crédito, em parcelas sem juros. Já o Pix aparece como forma de pagamento para 38% dos entrevistados.
Esse comportamento aparece dentro de um cenário mais amplo de endividamento no país. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que entre 76,7% e 78,8% das famílias brasileiras estão endividadas. Outro estudo, do Instituto Locomotiva em parceria com a MFM Tecnologia, confirma a gravidade: oito em cada dez famílias têm dívidas, e um terço delas está em atraso.
Cartão de crédito e parcelamento financiam gastos com lazer
No Brasil, o endividamento não é um episódio isolado: é um fenômeno estrutural. Em 2025, segundo a CNC, 77% dos brasileiros tinham algum tipo de dívida. O grande vilão? O cartão de crédito, responsável por 60% dos débitos, seguido de cheque especial, contas básicas e empréstimos.
Com isso, mais de 70% da renda média das famílias já está comprometida com dívidas e contas fixas, deixando pouco espaço para gastos como transporte, alimentação e lazer. E aí entra o paradoxo: por falta de dinheiro disponível, muitos acabam recorrendo ao crédito justamente para bancar momentos de prazer.
Não à toa, 34% dos endividados recorrem a bicos para complementar a renda, enquanto outros tentam resolver o problema em apostas online, segundo a Serasa. Metade dos endividados já apostou pelo menos uma vez, e 44% deles admitiram ter jogado com o objetivo de quitar dívidas. Essa mentalidade de “resolver rápido” se conecta ao mesmo impulso que leva alguém a parcelar um ingresso sem pensar no orçamento.
Por que tantas pessoas se arriscam financeiramente para ir a shows? A resposta passa por um fenômeno bem conhecido: o FOMO (Fear of Missing Out, ou medo de ficar de fora). Com as redes sociais, esse medo se intensificou: basta ver as timelines lotadas de vídeos de festivais e shows para sentir aquela vontade quase irresistível de também estar lá.
No Brasil, onde a vida em grupo é muito valorizada, dizer “não” a um convite para um evento pode soar até como um afastamento. E, quando somamos a isso a influência dos criadores de conteúdo (em quem 80% dos consumidores dizem confiar), temos uma receita perfeita para a pressão social e o consumo por impulso.
O problema é que essa busca por pertencimento e bem-estar, que é legítima, muitas vezes vem financiada pelo cartão de crédito. A recompensa imediata vira, depois, ansiedade e estresse por não conseguir pagar a conta. O lazer, que deveria aliviar, acaba se tornando mais uma fonte de pressão.
Taxas, transporte e consumo no evento aumentam o gasto final
O preço do ingresso é só o começo. A pesquisa do Serasa mostra que as despesas relacionadas a shows vão muito além dos bilhetes, se dividindo entre:
- Alimentação e bebidas: (64%)
- Camisetas, bonés e pôsteres: (20%)
- Pulseiras e lembranças: (19%)
- Itens e acessórios de moda: (14%)
- Experiências VIP e outros tipos de upgrades: (12%)
Esses custos adicionais podem facilmente ultrapassar R$ 200 por pessoa. Quando somamos esses gastos, o custo total de ir a um show muitas vezes dobra ou triplica. E, para quem viaja só para assistir a um artista, o chamado gig tripping, os custos sobem ainda mais: em cidades como o Rio de Janeiro, o gasto médio diário do turista gira em torno de R$ 515, e 36% dos que viajam para shows gastam, em média, mais de R$ 1.000.
Curiosamente, o levantamento revela que 38% dos brasileiros não se importam em pagar caro para testemunhar artistas que são fãs, e 22% veem esses eventos como uma forma de gerar renda extra, talvez por meio da revenda de ingressos ou de itens de colecionador.
O paradoxo econômico
Se, por um lado, esses eventos movimentam bilhões e aquecem setores inteiros da economia, por outro lado, parte dessa prosperidade é bancada pelo endividamento dos fãs. O setor ganha, mas muitos indivíduos acabam com as contas no vermelho.
O perfil do fã endividado
Entre os mais vulneráveis estão os jovens da Geração Z (18 a 25 anos). Pesquisas do SPC e da Serasa mostram que quase metade deles não controla seus gastos e que o número de renegociações de dívidas nessa faixa etária cresceu 66% em apenas um ano.
O problema é que, mesmo com rendas entre R$ 1.000 e R$ 2.000, muitos desses jovens seguem consumindo lazer como se tivessem condições de gastar muito mais. A falta de educação financeira e a pressão das redes sociais acabam criando um descompasso perigoso entre realidade e estilo de vida.