Por que as mulheres ganham menos, mesmo sendo mais qualificadas?
Entenda como o mercado de trabalho brasileiro ainda desvaloriza a qualificação de mulheres e o que está sendo feito para mudar isso.
Se tem um paradoxo que define o mercado de trabalho brasileiro, é este: as mulheres estudam mais, mas ganham menos.
Elas dominam as universidades, lideram as estatísticas de escolaridade e seguem conquistando espaços, mas, quando chega o dia do pagamento, a diferença ainda é gritante.
O “paradoxo brasileiro”: mais diplomas, menos dinheiro
As mulheres avançaram como nunca na educação e isso é inegável. De acordo com o Censo 2022, elas têm nível de instrução mais alto que os homens e já são a maioria nas universidades: representam 59% das matrículas e mais de 60% dos formandos de graduação.
Poderia ser uma história de sucesso completo, mas não é. Na prática, o mercado de trabalho ainda não reconhece o valor da qualificação feminina, e o resultado é um abismo entre mérito e remuneração. Segundo a PNAD Contínua (3º trimestre de 2024), a renda média das mulheres equivale a 78% da dos homens, um hiato salarial de 22%.
E quanto mais alto o cargo, pior o cenário: em posições de liderança, as mulheres recebem apenas 68% da remuneração dos homens.
O que realmente explica a diferença salarial?
A economia do trabalho tenta responder a essa pergunta usando métodos como a Decomposição de Oaxaca-Blinder, que separa a parte do diferencial salarial explicada por fatores objetivos (educação, experiência, tempo de serviço) da parte não explicada, ou seja, a discriminação pura e simples.
Os estudos mostram que, no Brasil, essa parte “inexplicável” é a mais determinante. Mesmo com mais escolaridade e experiência, as mulheres continuam sendo pagas abaixo do que merecem.
O mito da carga horária
Um argumento comum é o de que as mulheres ganham menos porque trabalham menos horas. Mas os dados desmentem isso:
Indicador (PNAD Contínua – 3º Tri 2024) | Razão Mulher/Homem (%) | Diferença | Conclusão |
---|---|---|---|
Rendimento médio mensal | 78,0% | Mulheres ganham 22% a menos | Discriminação de gênero |
Horas habitualmente trabalhadas | 90,0% | Mulheres trabalham 10% a menos | Jornada dupla |
Ou seja: a diferença de salário (22%) é mais que o dobro da diferença de horas trabalhadas (10%). Mesmo quando trabalham quase o mesmo tempo, as mulheres recebem uma remuneração horária menor, o que revela que o problema é de precificação discriminatória, e não de esforço.
Onde a desigualdade é maior
A disparidade de renda entre homens e mulheres varia conforme a região. Estados como Acre, Ceará e Pernambuco têm um hiato menor (cerca de 9,7%), enquanto outros, como Espírito Santo (29,2%) e Paraná (29,1%), estão entre os piores.
Setores que pagam menos (e onde as mulheres estão concentradas)
Outro fator que mantém o desequilíbrio é a segregação no mercado de trabalho, tanto horizontal quanto vertical.
- Segregação horizontal: as mulheres ainda estão concentradas em áreas associadas ao cuidado, como Educação (75,3%), Saúde (77,1%) e Serviços domésticos (93,1%), justamente os setores mais desvalorizados economicamente.
- Segregação vertical: mesmo quando estão em empresas maiores, elas esbarram no “teto de vidro”, tendo menos acesso a cargos de chefia e liderança.
Enquanto isso, setores tradicionalmente masculinos, como construção (3,6% de mulheres) e transporte (9,3%), continuam pagando melhor.
A tripla desvantagem da mulher negra
A desigualdade aumenta ainda mais quando o recorte é racial. A combinação de gênero e raça impõe uma tripla desvantagem às mulheres negras, que enfrentam os piores índices de renda.
Em 2024, o rendimento médio das mulheres negras foi de R$ 2.079, enquanto o dos homens brancos chegou a R$ 4.492. Mesmo com ensino superior, elas recebem menos da metade (43,4%) do salário de um homem branco igualmente qualificado.
Grupo | Rendimento Médio Mensal (R$) | % em relação ao homem branco | Tipo de penalidade |
---|---|---|---|
Homem branco | 6.901 | 100% | (Referência) |
Homem negro | 4.743 | 68,7% | Penalidade racial |
Mulher branca | 4.308 | 62,4% | Penalidade de gênero |
Mulher negra | 2.994 | 43,4% | Penalidade interseccional |
Uma mulher negra com ensino superior completo ganha menos da metade de um homem branco com a mesma qualificação.
Além disso, a disparidade aumenta com o tempo de carreira, o que significa que as perdas financeiras se acumulam, podendo chegar a R$ 1,4 milhão ao longo da vida profissional.
A maternidade também pesa (e muito)
Outro fator central na desigualdade salarial é o impacto da maternidade e da jornada dupla. As mulheres dedicam, em média, 20 horas semanais a tarefas domésticas, o dobro do tempo dos homens (10 horas).
O mercado ainda vê a maternidade como “interrupção de carreira”. Mulheres com filhos enfrentam o que economistas chamam de Motherhood Penalty: perdem oportunidades, promoções e têm o salário-hora reduzido por serem vistas como menos disponíveis.
E essa desigualdade é ainda mais grave entre as mulheres negras, que representam 31,8% das que deixam o mercado de trabalho por sobrecarga de cuidados.
Vale lembrar que elas são chefes em 50,8% dos lares brasileiros.
O que a nova Lei da Transparência Salarial muda
Reconhecendo que a CLT não dava conta do problema, o governo sancionou a Lei nº 14.611/2023, que busca enfrentar a desigualdade com transparência e fiscalização.
A partir dela, empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a divulgar o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, permitindo maior controle social e responsabilidade corporativa.
Além disso, as empresas devem informar iniciativas de apoio ao compartilhamento das obrigações familiares, como políticas de licença parental e programas de apoio à maternidade.
Igualdade é bom pra todo mundo (e pro PIB também)
Reduzir a desigualdade de gênero é também uma questão econômica.
Segundo o Banco Mundial, se o Brasil eliminasse a diferença salarial, o PIB poderia crescer até 3,3%, o que representa cerca de R$ 382 bilhões a mais circulando na economia. E mais: quando as mulheres ganham mais, toda a sociedade ganha, porque elas investem em educação, saúde e bem-estar da família.
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