No romance indianista o indígena é elevado à condição de herói para atuar como um personagem que representa o povo americano. “Iracema”, de José de Alencar, é uma das obras principais.
Primeiramente, a figura do Indígena não foi grandiosa apenas na poesia e nos versos de Gonçalves Dias. José de Alencar também transformou o indígena em grande herói na prosa. Publicou Iracema em 1865. Dessa forma, vamos ver o que é o romance indianista.
Se você já está nesta revisão, acredito que você já sabe que a escolha do indígena como símbolo da nacionalidade foi muito influenciada pelo olhar dos viajantes estrangeiros que percorreram o Brasil em expedições científicas. Assim, vamos ver como isso acabou sendo representado na prosa.
Os indígenas e o romance indianista
José de Alencar, consagrado escrito brasileiro, escreveu obras ligados ao romance urbano. Contudo, suas obras também são marcadas por alguns retratos específicos de heróis indígenas.
Pessoas cujas ações despertam admiração e espanto, os indígenas têm nome próprio e características definidas. Peri, Iracema, Jaguarê, Poti vivem nas matas brasileiras e, por meio de seus gestos nobres, participam do processo de “nascimento” do Brasil.
Dessa forma, os mitos e lendas que surgem remetem à fundação do país e, posteriormente, do povo brasileiro.
A ideia do romance indianista
O romance indianista cumpriu com um claro objetivo: dar aos leitores brasileiros obras em que o passado histórico do país fosse reconstituído, quando possível.
Ou inventado, na cara dura mesmo, quando fosse preciso. Nessas obras, o indígena é elevado à condição de herói para atuar como personagem que representa o povo americano.
Dessa forma, comporta-se de acordo com os mais nobres princípios da sociedade burguesa – honestidade, coragem, paixão, humildade – tão apreciados pelo Romantismo.
Características do romance indianista
Além disso, os romances indianistas trazem uma outra peculiaridade exemplar: a apresentação dos protagonistas é feita com base nas características da natureza exuberante.
Deste modo, os aspectos nacionais ficam ainda mais marcados, porque essas personagens não apenas nasceram no Brasil, mas são também exemplos vivos das belezas ímpares do país.
Nessas obras, é fácil identificar a estrutura típica dos romances históricos europeus, nos quais o herói, sempre representante de um passado glorioso, eleva e honra a identidade de seu povo.
Importante notar que essa influência europeia nos textos – que traçam literariamente a identidade brasileira – ocorre, portanto, em dois níveis:
- na definição dos símbolos dessa identidade;
- além disso, influenciam a maneira de que como são divulgadas, por folhetim.
Bem, você, estudante atento/a, deve estar se perguntando: o que é que tem de brasileiro nos romances indianistas?
Acredite, a pergunta é inteligente.
Além da presença de indígena heroicos como protagonistas, os autores românticos brasileiros também contam uma história que resgata nos leitores – ou para os leitores – o processo de constituição de seu povo.
Por onde circulavam
Os romances românticos eram tipicamente publicados sob a forma de folhetins para conquistar um maior número de leitores para os jornais.
Esse contexto de produção e de circulação explica, em parte, a grande influência que os romances europeus exerceram sobre os escritores brasileiros.
Em 1854, quando começou a publicar suas narrativas nas páginas do Correio Mercantil, José de Alencar encarou a responsabilidade de segurar fiel e interessado o público que consumia as histórias de Victor Hugo e Dumas.
Logo, o escritor fez um sucesso tão grande entre os seus devotos leitores, que foi convidado a trocar de jornal e de função: passou a trabalhar como redator-gerente do Diário do Rio de Janeiro.
O Indianismo e seu público
De antemão, você já sabe que os romances indianistas caíram muito bem no gosto dos leitores.
Nesse sentido, o sucesso se deve ao fato de que essas obras respondiam de modo direto ao gosto da época. Ou seja, apresentavam um herói ligado a um passado histórico e pintado com as cores fortes dos valores burgueses.
O guarani, por exemplo, publicado como folhetim no Diário do Rio de Janeiro, provocou uma verdadeira comoção popular. Visconde de Taunay registrou a recepção do público a essa obra.
[…] o Rio de Janeiro, para assim dizer, lia O guarani e seguia comovido e enleado os amores tão puros e discretos de Ceci e Peri. [..] Quando a São Paulo chegava o correio, com muitos dias de intervalo, então reuniam-se muitos estudantes numa república, em que houvesse qualquer feliz assinante do Diário do Rio de Janeiro, para ouvirem, boquiabertos e sacudidos, de vez em quando, por elétrico frêmito, a leitura feita em voz alta por algum deles, que tivesse órgão mais forte. E o jornal era depois disputado com impaciência e, pelas ruas, se viam agrupamentos em torno dos fumegantes lampiões da iluminação pública de outrora – ainda ouvintes a cercarem ávidos qualquer improvisado leitor.
TAUNAY, Alfredo d’Escaragnolle. Apud: ALENCAR, José de. O guarani. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999. p. 12-13. (Fragmento). Texto citado na apresentação de Eduardo Vieira Martins (Um jovem escritor).
Nesse sentido, o segredo do sucesso de O guarani pode ser desvendado pela capacidade de José de Alencar de associar:
- o sentimento de exotismo: experimentado pelos moradores das cidades ante às descrições das florestas e dos rios nacionais
- além disso, vemos o heroísmo em primeiro plano de um indígena. Ou seja, o indígena visto como o símbolo da pátria que traz o comportamento refinado e a nobreza de sentimentos de um cavaleiro medieval.
A valorização da língua nacional
Outro ponto de grande importância para o romance indianista é sua linguagem. José de Alencar afirmou, em diversos textos, a sua preocupação em ter uma verossimilhança linguística aos seus indígenas.
Em carta para o amigo Dr. Jaguaribe, ele explica como desejava, em seus textos, “moldar a língua” às personagens indígenas que a utilizavam:
[…] é preciso que a língua civilizada se molde quanto possa à singeleza primitiva da língua bárbara; e não represente as imagens e pensamentos indígenas senão por termos e frases que ao leitor pareçam naturais na boca do selvagem.
O conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura. Ele nos dá não só o verdadeiro estilo como também as imagens poéticas do selvagem, os modos de seu pensamento, as tendências de seu espírito e até a menores particularidades de sua vida. É nessa fonte que deve beber o poeta brasileiro; é dela que há de sair o verdadeiro poema nacional, tal como eu o imagino.
ALENCAR, José de. Iracema. Porto Alegre: L&PM, 2002. p. 140. (Fragmento).
Deve ter ficado claro, estudante, que é por esse motivo que conseguimos reconhecer nas obras indianistas muitas palavras de origem indígena.
Iracema, a virgem dos lábios de mel
Em Iracema, Alencar apresenta a lenda da fundação do Ceará, simbolizada pelo enlace amoroso de Iracema, jovem da tribo dos tabajaras, e Martim, um dos colonizadores portugueses que aparecem na região.
Martim fica apaixonado por Iracema. Como guardiã do segredo da jurema, a jovem tabajara deve permanecer virgem. O amor entre a índia e o português, contudo, supera todos os entraves e Iracema larga sua tribo para viver com Martim.
Dessa união, nasce Moacir – nome que significa filho da dor -, que representa a formação do povo brasileiro, oriundo da miscigenação do sangue indígena com o português.
Representações em Iracema
A personagem Iracema representa a indígena submissa à cultura europeia, e seu nome é um anagrama para América. (Com a mesmas letras de Iracema, você pode formar a palavra América.)
Já Martim, por sua vez, é tido como o guerreiro colonizador e conquistador. Sob o mesmo ponto de vista, seu nome lembra Marte, não à toa, o deus romano da guerra.
Após a morte, Iracema foi enterrada sob a sombra de um coqueiro em que a jandaia – sua ave de estimação – cantava em homenagem e triste à sua morte. Ceará, segundo a etimologia, significa “canto da jandaia”.
Se você está pensando em ler alguma dessas obras indianistas, mas está com receio de não saber o que significam as palavras de origem indígena, pode ficar tranquilo/a, estudante.
Essas obras indianistas vêm recheadas de notas de rodapé explicando o que significa da palavra ou expressão indígena. Já era assim na época dos folhetins e continua até hoje.
Por fim, vamos fazer uns exercícios sobre o romance indianista.
Veja a questão Indígena no Brasil
Já se vão um século e meio desde a publicação dos clássicos do Romance Indianista no Brasil. Naquela época as poesias e os romances idealizavam o indígena forte, identificado e protetor da natureza, e uma expressão de pureza.
Veja agora como está a questão indígena no Brasil, com o professor Alan.
Como você pôde observar, não é nada fácil ser indígena no Brasil dos tempos atuais. A questão indígena no Brasil é um assunto que vem sendo cada vez mais discutido.
Apropriação cultural, demarcação de territórios, religião: todos esses tópicos estão relacionados com a cultura indígena e sua relação com o espaço territorial brasileiro.
É muito importante analisar e compreender esse tema através de um viés filosófico, sociológico e histórico (olha aí esse combo de humanas que a gente tanto ama), para poder refletir e se posicionar sobre o que está acontecendo no Brasil.
A própria nominação “índio” é muito reducionista. Porque não existe “o índio”. Existem diversas tribos e ramificações e grupos. É como chegar na Europa e falar “o europeu”. Poxa, a Europa fez duas guerras mundiais para deixar bem claro quem que é quem!
Para deixar bem claro que um francês não é igual um alemão que não é igual um italiano e por aí vai. Então porque você acha que o indígena é só “índio”? E quando você passa por um indígena vendendo seu artesanato em uma grande cidade brasileira. Você passa por ele e pensa “coitado, olha como terminaram, que dó”. Quem falou que esse indígena se sente pobre e coitado? Quem está achando ele miserável é ele ou é você?
Boa parte das culturas nativas do Brasil (como a indígena) tem uma visão de bem estar completamente diferente da nossa. Em nossa visão ocidental, o conceito de riqueza passa por ter uma boa casa, bom carro, acumulação de capital, etc. Para os indígenas, para boa parte deles isso não importa.
Resumo sobre o Romance Indianista.
Exercícios
1- (Fuvest 2019)
O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera? José de Alencar. Bênção Paterna.
Prefácio a Sonhos d’ouro.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome, outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda e as tintas de que matiza o algodão.
José de Alencar. Iracema.
Glossário:
“ará”: periquito; “uru”: cesto; “crautá”: espécie de bromélia; “juçara”: tipo de palmeira espinhosa.
De acordo com os trechos acima, é adequado afirmar:
a) Para Alencar, a literatura brasileira deveria ser capaz de representar os valores nacionais com o mesmo espírito do europeu que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera.
b) Ao discutir, no primeiro trecho, a importação de ideias e costumes, Alencar propõe uma literatura baseada no abrasileiramento da língua portuguesa, como se verifica no segundo trecho.
c) O contraste entre os verbos “chupar” e “sorver”, empregados no primeiro trecho, revela o rebaixamento de linguagem buscado pelo escritor em Iracema.
d) Em Iracema, a construção de uma literatura exótica, tal como se verifica no segundo trecho, pautou‐se pela recusa de nossos elementos naturais.
e) Ambos os trechos são representativos da tendência escapista de nosso romantismo, na medida em que valorizam os elementos naturais em detrimento da realidade rotineira.
2- (Fac. Albert Einstein – Medicina 2018)
A alegria ainda morou na cabana, todo o tempo que as espigas de milho levaram para amarelecer.
Uma alvorada, caminhava o cristão pela borda do mar. Sua alma estava cansada.
O colibri sacia-se de mel e perfume; depois adormece em seu branco ninho de cotão, até que volta no outro ano a lua das flores. Como o colibri, a alma do guerreiro também satura-se de felicidade, e carece de sono e repouso.
A caça e as excursões pelas montanhas em companhia do amigo, as carícias da terna esposa que o esperavam na volta, e o doce carbeto no copiar da cabana, já não acordavam nele as emoções de outrora. Seu coração ressonava.
Quando Iracema brincava pela praia, os olhos do guerreiro retiravam-se dela para se estenderem pela imensidade dos mares.
Viram umas asas brancas, que adejavam pelos campos azuis. Conheceu o cristão que era uma grande igara de muitas velas, como construíam seus irmãos; e a saudade da pátria apertou-lhe no seio.
O trecho acima integra o romance Iracema, de José de Alencar. De acordo com o trecho, não podemos afirmar que:
a) revela o arrefecimento das emoções do personagem, acometido por um sentimento que o distancia das ações cotidianas de seu grupo.
b) indicia a duração e a passagem do tempo, marcadas por fenômeno da natureza.
c) revela mudança dos humores causada pelo sentimento de saudade por um bem antigo e distante.
d) caracteriza um texto cuja linguagem se marca pela função emotiva, já que trata dos sentimentos do personagem.
3- (Fuvest 2017)
Nasceu o dia e expirou.
Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Correm lentas e silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da lua, que esperam a volta da mãe ausente.
Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua vontade oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem loura dos castos afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes amores.
Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro, e lhe entram n’alma. O cristão sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro.
José de Alencar, Iracema.
De acordo com o texto, é correto afirmar que o narrador
a) prioriza a ordem direta da frase, como se pode verificar nos dois primeiros parágrafos do texto.
b) usa o verbo “correr” (2º parágrafo) com a mesma acepção que se verifica na frase “Travam das armas os rápidos guerreiros, e correm ao campo” (também extraída do romance Iracema).
c) recorre à adjetivação de caráter objetivo para tornar a cena mais real.
d) emprega, a partir do segundo parágrafo, o presente do indicativo, visando dar maior vivacidade aos fatos narrados, aproximando-os do leitor.
e) atribui, nos trechos “aqui lhe sorri” e “lhe entram n’alma”, valor possessivo ao pronome “lhe”.
Gabarito:
- B
- D
- D