Em 1808, a família real veio para o Brasil fugindo das tropas napoleônicas que invadiram Portugal. Como resultado, iniciou o que chamamos de período joanino na colônia.
A vinda da família real portuguesa para o Brasil foi um evento singular na história da América. Nenhuma outra colônia passou por algo parecido. Esse é um dos motivos de o Brasil ser o único país do continente que, após obter a independência, tornou-se uma monarquia e não uma república. Mas por que isso aconteceu?
Motivo da vinda da família real para o Brasil
Se em algum momento você já estudou sobre Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), deve saber ele tinha a ambição de conquistar toda a Europa. No fim do século XIX, seus planos de expansão territorial estavam em curso. Mas Napoleão tinha um obstáculo muito difícil a vencer: a marinha da Inglaterra.
Foi então que a França napoleônica tomou uma medida ousada para tentar enfraquecer o país adversário. Em 1806, proibiu toda a Europa de praticar comércio com os britânicos. Esse decreto ficou conhecido como Bloqueio Continental.
Napoleão tinha interesses na adesão de Portugal ao Bloqueio. Se tivesse o pequeno reino ao seu lado, poderia aproveitar sua posição estratégica para obter vantagens do comércio realizado com Ásia, África e América. No entanto, Portugal era aliado da Inglaterra e, por isso, se recusou a tomar uma posição no embate.
Mas a tentativa dos portugueses de permanecerem neutros não foi suficiente para agradar a França. Em 1807, Napoleão determinou a invasão de Portugal. A Espanha, país que fica entre a França e Portugal, era aliada dos franceses. Assim, permitiu que as tropas atravessassem seu território rumo à invasão.
A resposta dada pela Coroa portuguesa foi a fuga para o Brasil, pois assim estaria protegida contra os ataques de Bonaparte. Dessa forma, toda a corte partiu rumo à colônia. A vinda da família real para o Brasil foi escoltada por embarcações inglesas que garantiram a sua segurança.
É importante lembrar que quem governava Portugal naquela época era o príncipe regente Dom João. Isso porque sua mãe, Maria I, estava impossibilitada de governar desde 1792 por causa de problemas psicológicos.
Entenda a fuga para o Brasil
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Como foi a vinda da família real para o Brasil
No dia 26 de novembro de 1807, a família real e integrantes da nobreza zarparam às pressas rumo ao Brasil. Além deles, foram transportados nas embarcações vários objetos, como joias, obras de arte, livros, móveis e roupas.
As embarcações eram formadas por 15 navios da esquadra portuguesa, 21 navios mercantes e mais 4 navios de guerra ingleses. Antes de chegar ao destino, a frota se dividiu. Boa parte dos viajantes, incluindo Maria I, foi direto para o Rio de Janeiro, onde chegou no dia 17 de janeiro de 1808.
Enquanto isso, o navio onde estava Dom João fez uma parada em Salvador no dia 24 do mesmo mês. Somente em março é que o príncipe regente se uniu à sua mãe no Rio de Janeiro. A partir daquele momento, a cidade deixou de ser apenas a capital da colônia e tornou-se a nova sede do Império Português.
O Brasil estava entrando no chamado período joanino, que duraria de 1808 até 1821, quando Dom João retornaria para Portugal e deixaria seu filho, Pedro I, como seu representante no Brasil.
A chegada da família real portuguesa, pintura de Geoff Hunt, 1999.
Abertura dos portos
Uma das primeiras medidas tomadas por Dom João após chegar ao Brasil foi a abertura dos portos às nações amigas. Ainda em Salvador, no dia 28 de janeiro de 1808, ele assinou um decreto que autorizava o comércio do Brasil com outros países além de Portugal.
Dessa maneira, estabeleceu-se uma taxa de 16% sobre os artigos importados de Portugal e de 24% sobre aqueles provenientes dos demais países. No entanto, em 1810 a Coroa Portuguesa assinou o Tratado de Navegação e Comércio com a Inglaterra.
Com esse acordo, os ingleses conseguiram abaixar os impostos e seus produtos passaram a ser taxados em apenas 15%. Ou seja, a Inglaterra passou a pagar menos impostos do que os próprios portugueses.
Enquanto os comerciantes brasileiros ficaram contentes por aumentarem seus mercados, os portugueses saíram prejudicados, pois não conseguiam concorrer com as mercadorias vendidas pela Inglaterra.
O Rio de Janeiro no período joanino
Ao todo, cerca de 11.500 europeus chegaram ao Brasil acompanhando a família real. Pode não parecer, mas foi número suficiente para alterar a composição da população do Rio de Janeiro.
Em 1808, a estimativa da população da cidade era de 60 mil habitantes, dos quais 12 mil eram escravos. Isso significa que o aumento da população na capital com a vinda da corte foi de 20%.
Como você deve imaginar, o Rio de Janeiro não tinha infraestrutura para receber toda essa gente. Tampouco foram construídas casas às pressas ou algo do tipo. Muitos nobres simplesmente requisitavam residências a Dom João, que atendia aos pedidos.
Assim, a nobreza de Portugal tomou posse de várias casas e os moradores foram forçados a deixá-las. As residências escolhidas eram marcadas com as letras P. R. (príncipe regente), e os ocupantes deveriam sair. Eles não perdiam as propriedades, mas eram obrigados a alugar os imóveis para os portugueses.
Já Dom João escolheu como domicílio a Quinta da Boa Vista, propriedade de um traficante de escravos chamado Elias Antônio Lopes. A quinta ficava numa localização privilegiada e a casa era a melhor da cidade. Em troca de inúmeros benefícios, o traficante concedeu a sua propriedade.
Rua Direita, pintura de Johann Moritz Rugendas retratando o Rio de Janeiro na década de 1820.
A abertura dos portos também fez surgir lojas de artigos de luxo, como joias e roupas, vindos principalmente da Inglaterra. Assim, os ingleses acabaram influenciando a maneira de vestir e decorar as casas no Brasil.
Além disso, a vinda da família real para o Brasil provocou um processo de urbanização no Rio de Janeiro. As ruas foram pavimentadas e receberam iluminação pública, e foram construídos novos chafarizes e prédios públicos e residenciais.
O governo de Dom João
Além da abertura dos portos, Dom João tomou medidas políticas, econômicas e administrativas que transformaram o Brasil.
Ainda em 1808 foram criados o Banco do Brasil, o Real Hospital Militar e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Finalmente foi suspensa a proibição da instalação de manufaturas no Brasil, que vigorava desde 1785.
Também foi liberado o funcionamento de tipografias e a publicação de livros e jornais. Além disso, foi montada a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro com os livros que foram trazidos de Lisboa.
Em 1808 também foram criadas as primeiras instituições de ensino superior, como as escolas de cirurgia e anatomia de Salvador e do Rio de Janeiro. Antes disso, para estudar em universidades era necessário ir até a Europa.
É importante mencionar que o cenário educacional não era assim em todas as colônias. Alguns vizinhos latino-americanos já tinham universidades desde o século XVI, como São Domingos, Lima, Cidade do México, Bogotá e Quito, por exemplo.
Um ano depois de chegar, em 1809, Dom João ocupou a Guiana Francesa em represália à invasão de Napoleão Bonaparte. A Espanha também não saiu impune por permitir que os franceses atravessassem seu território. Em 1816, Dom João anexou a Banda Oriental (atual Uruguai) ao território brasileiro.
No plano administrativo, era necessário criar todo um aparelho burocrático para governar o império do Brasil. Assim, surgiram órgãos públicos, como o Conselho de Estado e o Erário Real. Portanto, tudo o que era resolvido em Lisboa até 1807, poderia ser decidido no Rio de Janeiro.
Outra preocupação após a vinda da família real foi a ocupação do interior e sua interligação com a capital. Por isso, Dom João fez a doação de sesmarias e autorizou o Banco do Brasil a conceder crédito para que os interessados pudessem plantar e criar gado.
Missões artísticas e científicas
Além de todas as transformações ocorridas no Brasil durante o período joanino, também merece destaque a vinda de artistas e naturalistas europeus para o Brasil. Em 1816, um grupo de artistas da França foi convidado a vir para cá a fim de divulgar a cultura francesa, que era considerada o modelo civilizacional da época.
Entre eles estavam Joachim Lebreton, os irmãos Taunay, Grandjean de Montigny e o famoso pintor Jean-Baptiste Debret. Ele é autor de várias pinturas que retratam a vida colonial de brancos e negros da época. Suas pinturas são importantes fontes históricas utilizadas para entender o período e são amplamente estudadas até hoje.
“Passatempos depois do jantar”, famosa pintura de Jean Baptiste Debret retratando uma família no Rio de Janeiro em 1839.
Outra expedição de destaque foi a alemã, que era composta por naturalistas como Georg Heinrich von Langsdorff, Johann Baptist von Spix e Karl Philipp von Martius. Eles foram responsáveis por construir um importante legado botânico e linguístico.
Esses alemães fizeram viagens pelo Brasil e nos deixaram um enorme acervo de registros etnográficos de povos indígenas, como os Puri, os Botocudo e os Pataxó. Por fim, é preciso mencionar o pintor Johann Moritz Rugendas, cujas obras do período ilustram qualquer livro didático de história.
Certamente o conhecimento que temos sobre o Brasil do início do século XIX não seria o mesmo sem as contribuições das expedições de artistas e naturalistas europeus.
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Com a derrota de Napoleão Bonaparte em 1815, Portugal reatou as relações diplomáticas com a França e com as nações que haviam sido ocupadas por ela. A fim de melhorar as relações exteriores, Dom João providenciou o casamento de seu filho, Dom Pedro, com Maria Leopoldina, a princesa da Áustria.
Uma medida muito importante tomada nesse contexto foi o decreto que criava o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Portanto, a colônia era elevada à reino e passava a ter o mesmo status político de Portugal. Dessa forma, o reino passou a ter dois centros políticos: Lisboa e Rio de Janeiro.
No entanto, essa situação desagradava os portugueses, pois como não havia mais a ameaça napoleônica, eles não viam sentido na Corte permanecer no Brasil. Em 1818, ainda no Rio de Janeiro, Dom João finalmente deixou de ser príncipe regente, foi aclamado como rei e passou a ser chamado de Dom João VI. Tudo indicava que ele permaneceria por aqui.
Enquanto isso, o descontentamento em Portugal só crescia. Nesse contexto, monarquistas liberais da cidade do Porto defendiam a ideia de que o monarca deveria governar obedecendo a uma Constituição. Tudo isso acabaria acarretando a Revolução do Porto.
Ao mesmo tempo, ideias emancipacionistas e republicanas circulavam pelo Brasil. Em 1817, essas ideias fizeram surgir um movimento conspiratório em Pernambuco: a Insurreição Pernambucana. Pouco depois, em outras localidades como no Pará, Bahia e mesmo em Pernambuco, cresceu o apoio ao constitucionalismo português.
Essa ebulição política levou a colônia a um momento crucial da nossa história: a independência do Brasil. Por tudo isso, o nosso rompimento com a metrópole foi um golpe arquitetado pela própria monarquia. Esse foi um processo muito diferente do restante da América, onde a independência ocorreu por revoluções populares. Mas esse é um assunto para outra aula.
Videoaula
Confira com o professor Felipe Oliveira os principais destaques do Período Joanino no Brasil. Muita coisa mudou, mesmo.
Exercícios sobre a vinda da família real
1- (ENEM/2014)
TEXTO I
O príncipe D. João VI podia ter decidido ficar em Portugal. Nesse caso, o Brasil com certeza não existiria. A Colônia se fragmentaria, como se fragmentou a parte espanhola da América. Teríamos, em vez do Brasil de hoje, cinco ou seis países distintos. (José Murilo de Carvalho)
TEXTO II
Há no Brasil uma insistência em reforçar o lugar-comum segundo o qual foi D. João VI o responsável pela unidade do país. Isso não é verdade. A unidade do Brasil foi construída ao longo do tempo e é, antes de tudo, uma fabricação da Coroa. A ideia de que era preciso fortalecer um Império com os territórios de Portugal e Brasil começou já no século XVIII. (Evaldo Cabral de Mello)
1808 – O primeiro ano do resto de nossas vidas. Folha de S. Paulo, 25 nov. 2007 (adaptado).
Em 2008, foi comemorado o bicentenário da chegada da família real portuguesa ao BRasil. Nos textos, dois importantes historiadores brasileiros se posicionam diante de um dos possíveis legados desse episódio para a história do país. O legado discutido e um argumento que sustenta a diferença do primeiro ponto de vista para o segundo estão associados, respectivamente, em:
a) Integridade territorial – Centralização da administração régia na Corte.
b) Desigualdade social – Concentração da propriedade fundiária no campo.
c) Homogeneidade intelectual – Difusão das ideias liberais nas universidades.
d) Uniformidade cultural – Manutenção da mentalidade escravista nas fazendas.
e) Continuidade espacial – Cooptação dos movimentos separatistas nas províncias.
2- (ENEM/2013)
A vinda da família real deslocou definitivamente o eixo da vida administrativa da Colônia para o Rio de Janeiro, mudando também a fisionomia da cidade. A presença da Corte implicava uma alteração do acanhado cenário urbano da Colônia, mas a marca do absolutismo acompanharia a alteração.
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1995 (fragmento).
As transformações ocorridas na cidade do Rio de Janeiro em decorrência da presença da Corte estavam limitadas à superfície das estruturas sociais porque
a) a pujança do desenvolvimento comercial e industrial retirava da agricultura de exportação a posição de atividade econômica central na Colônia.
b) a expansão das atividades econômicas e o desenvolvimento de novos hábitos conviviam com a exploração do trabalho escravo.
c) a emergência das práticas liberais, com a abertura dos portos, impedia uma renovação política em prol da formação de uma sociedade menos desigual.
d) a integração das elites políticas regionais, sob a liderança do Rio de Janeiro, ensejava a formação de um projeto político separatista de cunho republicano.
e) a dinamização da economia urbana retardava o letramento de mulatos e imigrantes, importante para as necessidades do trabalho na cidade.
3- (ENEM/2010)
Eu, o Príncipe Regente, faço saber aos que o presente Alvará virem: que desejando promover e adiantar a riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as manufaturas e a indústria, sou servido abolir e revogar toda e qualquer proibição que haja a este respeito no Estado do Brasil.
Alvará de liberdade para as indústrias (1º de Abril de 1808). In Bonavides, P.; Amaral, R. Textos políticos da História do Brasil. Vol. 1. Brasília: Senado Federal, 2002 (adaptado).
O projeto industrializante de D. João, conforme expresso no alvará, não se concretizou. Que características desse período explicam esse fato?
a) A ocupação de Portugal pelas tropas francesas e o fechamento das manufaturas portuguesas.
b) A dependência portuguesa da Inglaterra e o predomínio industrial inglês sobre suas redes de comércio.
c) A desconfiança da burguesia industrial colonial diante da chegada da família real portuguesa.
d) O confronto entre a França e a Inglaterra e a posição dúbia assumida por Portugal no comércio internacional.
e) O atraso industrial da colônia provocado pela perda de mercados para as indústrias portuguesas.
Gabarito:
- A
- B
- B