Ausência feminina marca lista de finalistas principais do Prêmio Jabuti 2025
O Prêmio Jabuti 2025, um dos selos mais importantes da nossa literatura, revelou seus finalistas e, junto com eles, um problemão
O Prêmio Jabuti, considerado o “Oscar da literatura brasileira”, anunciou seus finalistas e trouxe junto uma polêmica: a ausência de mulheres em várias categorias de destaque.
Criado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) no fim dos anos 1950, o Jabuti sempre funcionou como um termômetro da produção literária. Ele lança novos nomes, consolida carreiras e ajuda a definir quem entra para a história da literatura no Brasil.
Em 2025, o prêmio bateu recorde de inscritos: 4.530 obras. Mas, logo após a lista dos finalistas ser divulgada, a manchete foi outra: “Homens dominam finalistas ao Jabuti 2025 e mulheres ficam de fora de 4 categorias”.
A crise ficou concentrada no Eixo Literatura, justamente o conjunto de categorias que recebe mais atenção da crítica, da mídia e do mercado editorial.
Os vencedores finais serão anunciados na cerimônia de premiação, que acontece no dia 27 de outubro de 2025, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, cidade que é a Capital Mundial do Livro em 2025.
O sumiço feminino no coração do prêmio
A pergunta que fica é: como, em um ano de recorde de inscritos, escritoras foram praticamente ignoradas nas categorias de maior prestígio?
Para entender isso, vale comparar o Eixo Literatura (o centro da polêmica) com o Eixo Ciência e Cultura (onde as mulheres tiveram mais espaço).
Raio X da exclusão
O Eixo Literatura, que premia poesia, contos, romances e quadrinhos, foi o epicentro da polêmica de 2025. O foco da exclusão? As categorias que definem o cânone, ou seja, aquilo que a crítica e o mercado consideram a “alta literatura”.
Romance Literário
A principal categoria de ficção trouxe uma lista totalmente masculina:
Título | Autor |
---|---|
A extraordinária Zona Norte | Alberto Mussa |
Bambino a Roma: ficção | Chico Buarque |
De onde eles vêm | Jeferson Tenório |
Escalavra | Marcelino Freire |
Vento em setembro | Tony Bellotto |
Essa lista de “pesos pesados” (Chico Buarque e Tony Bellotto, por exemplo) sugere que o júri priorizou autores já consagrados e com grande apelo comercial. Ao fazer isso, o Jabuti corre o risco de cair em uma “circularidade”: premiar quem já é famoso, deixando de lado novas vozes de excelência, muitas delas femininas.
O “funil” editorial
O apagamento feminino também apareceu em categorias como Crônica. Mas, nas de estreia, o cenário muda:
- Em Escritor Estreante – Poesia, tivemos duas mulheres finalistas: Manoella Valadares e Luana Bruno.
Isso indica um “funil”:
- Entrada: as mulheres conseguem entrar no mercado e receber reconhecimento no início da carreira ou em gêneros de nicho (como veremos adiante).
- Saída: o funil se fecha no topo da pirâmide de prestígio (Romance Literário e Crônica). A dificuldade está em consolidar o reconhecimento crítico em pé de igualdade com os homens quando atingem a maturidade literária.
A presença em gêneros de nicho
É importante ser justo: nem tudo foi ausência. Mulheres apareceram em categorias frequentemente vistas como de menor peso cultural:
- Conto: Laís Araruna de Aquino, com Nós que nos amávamos tanto.
- Romance de Entretenimento: Andressa Tabaczinski e Lorena Portela.
A concentração feminina nesses “nichos” (Entretenimento, Conto) reforça uma hierarquia: a excelência feminina é reconhecida, mas é deslocada para áreas que não disputam o centro do capital cultural do prêmio.
O contraponto: a força feminina na não-ficção (Eixo Acadêmico)
Para entender a polêmica, precisamos contrastar a ficção com o Eixo Ciência e Cultura (o Jabuti Acadêmico), que avalia pesquisa e não-ficção. E aqui o cenário é outro: o talento feminino encontra maior validação institucional.
O trabalho de pesquisa feminino se destacou nas fases finais. Autoridades como Lilia Moritz Schwarcz foram vencedoras, e tivemos finalistas importantes em História e Estudos Literários, como Tais Pagoto Bélo e Simone Rossinetti Rufinoni.
O que isso nos diz?
O problema de representatividade não é uma ausência geral de excelência intelectual feminina no Brasil. O desafio está fortemente concentrado na dinâmica do mercado comercial de ficção de prestígio, e não no ambiente universitário/acadêmico.
Por que o Jabuti falha?
A disparidade de 2025 é um sintoma. A raiz do problema está em dois pilares: o mercado editorial e o viés do júri.
O peso do Mercado Editorial
O Jabuti, queira ou não, é influenciado pelas grandes editoras. Editoras de peso (como a Companhia das Letras, que dominou a lista de Romance Literário) historicamente investem mais dinheiro e marketing no lançamento de ficções de alto prestígio assinadas por autores masculinos já estabelecidos.
- O ciclo vicioso: Se a obra de uma escritora de alta qualidade recebe menos investimento, tem menos resenhas em grandes jornais, ela chega à mesa dos jurados já com um “capital simbólico” (fama/prestígio) reduzido.
- O Jabuti, nesse cenário, acaba apenas consagrando aquilo que o mercado já impulsionou com mais vigor. A ausência feminina é, antes de tudo, uma falha do mercado em promover a equidade.
O viés do júri
Mesmo que a curadoria garanta que o painel de jurados inclua profissionais diversos, o problema pode estar no viés implícito (inconsciente).
Os critérios de “excelência literária” foram historicamente moldados por uma perspectiva masculina. O viés não é necessariamente machismo explícito, mas uma preferência inconsciente por estilos, temas e estruturas que se alinham ao cânone tradicional, onde a ficção masculina domina.
A CBL precisa revisar não apenas a composição do júri, mas os próprios critérios de avaliação, para buscar uma definição de “excelência” mais ampla e inclusiva.
A contradição da homenagem
O Jabuti, por um lado, tenta ser um agente de diversidade. A CBL (Câmara Brasileira do Livro) tem feito esforços para reconhecer trajetórias femininas, como ao nomear a gigante da literatura infantil e juvenil, Ana Maria Machado, como a Personalidade Literária de 2025. Além dela, Sueli Carneiro e Silvia Pimentel também já foram homenageadas.
Esses atos de homenagem são importantes, mas revelam uma clara dicotomia: a CBL celebra a diversidade no passado e em prêmios especiais, mas ignora essa diversidade quando se trata de nomear o “melhor” da ficção literária atual no processo competitivo.
O que isso nos mostra?
O Jabuti 2025, ao ter um Romance Literário 100% masculino, deixou claro: ainda existe desigualdade no reconhecimento da literatura feita por mulheres.
Para nós, estudantes e leitores, ficam algumas lições:
- Cobrança institucional: a CBL precisa rever critérios e ampliar a diversidade nos júris.
- Valorização ativa: cabe ao público buscar e dar espaço às autoras, tanto às já consagradas (como Hilda Hilst e Beatriz Bracher) quanto às que despontaram em 2025 (como Laís Araruna de Aquino).
Se o prêmio falhou em refletir a diversidade, nós podemos (e devemos) reconhecer e prestigiar essas vozes.