milton nascimento

O que é Demência por Corpos de Lewy, doença diagnosticada em Milton Nascimento

Aos 82 anos, Milton Nascimento é diagnosticado com Demência por Corpos de Lewy. Entenda a doença, seus sintomas e desafios no tratamento.


Quem não se emocionou com a voz e a arte de Milton Nascimento? O “Bituca” é um ícone atemporal da Música Popular Brasileira (MPB), e por isso, a notícia sobre sua saúde tocou tanta gente.

Hoje (02 de outubro), soubemos que o cantor e compositor, aos 82 anos, foi diagnosticado com Demência por Corpos de Lewy (DCL), uma doença neurodegenerativa complexa. Vale lembrar que ele já tinha um diagnóstico prévio de Doença de Parkinson (DP), recebido em 2022.

Seu filho e empresário, Augusto Nascimento, trouxe um panorama sincero da situação, revelando os primeiros sinais percebidos no dia a dia: lapsos de memória, a repetição de histórias, um olhar fixo e alterações no apetite. Esses detalhes não são apenas “notícia”, são um espelho de como a DCL se manifesta, uma condição multifacetada, desafiadora e que mistura sintomas de Parkinson e Alzheimer.

A partir de agora, vamos juntos mergulhar no que é essa doença, entender sua complexidade e, o mais importante, saber como a ciência lida com esse diagnóstico hoje.

A DCL em Perspectiva

A Demência por Corpos de Lewy é a terceira principal causa de demência globalmente, afetando uma parte significativa da população. O grande desafio dela é que seus sintomas se sobrepõem aos da Doença de Alzheimer (DA) e da Doença de Parkinson (DP), exigindo uma abordagem altamente especializada.

Para começar, é fundamental diferenciar demência de delirium.

  • Demência: É uma síndrome de início lento e gradual, que afeta primariamente a memória e a função cognitiva, sendo, na maioria dos casos, irreversível.
  • Delirium: Afeta a atenção, tem um início repentino e, notavelmente, é frequentemente reversível. Geralmente é causado por algo agudo, como uma infecção ou a toxicidade de um medicamento.

Essa distinção é crucial, pois pacientes com DCL muitas vezes têm um estado de alerta prejudicado, o que pode ser confundido com delirium. Por isso, a investigação inicial deve ser rigorosa, buscando sempre descartar causas reversíveis (como desidratação ou infecções) antes de firmar o diagnóstico de DCL.

Entendendo os Corpos de Lewy

A Demência por Corpos de Lewy tem seu nome devido à principal marca da doença: os Corpos de Lewy (CLs). Estes são aglomerados anormais da proteína alfa-sinucleína que se acumulam no citoplasma dos neurônios cerebrais. Tanto a DCL quanto a Doença de Parkinson são classificadas como alfa-sinucleinopatias, pois o evento central em ambas é o dobramento incorreto e a agregação progressiva dessa proteína. O acúmulo desses agregados interrompe as vias neurais, levando à neurodegeneração.

A Diferença entre DCL e Parkinson

Embora compartilhem a mesma patologia molecular, DCL e DP se distinguem pela distribuição e velocidade com que a alfa-sinucleinopatia se espalha:

  • Na Doença de Parkinson (DP): A patologia molecular permanece confinada às estruturas subcorticais (como a substância negra, onde a perda de neurônios dopaminérgicos causa os sintomas motores) por um longo período (cerca de 10 a 15 anos) antes de se espalhar para o córtex.
  • Na Demência por Corpos de Lewy (DCL): A patologia avança rapidamente para o córtex cerebral. Esse envolvimento cortical precoce resulta em uma deficiência severa de neurotransmissores, especialmente os colinérgicos (que produzem acetilcolina).

Essa perda colinérgica precoce está diretamente ligada aos déficits cognitivos graves, às flutuações no estado de alerta e, principalmente, às alucinações visuais complexas, que são a marca registrada da DCL. Os sintomas neuropsiquiátricos e as flutuações acentuadas, como as observadas no caso de Milton Nascimento, são reflexos diretos desse envolvimento cortical e colinérgico que acontece cedo.

Os Quatro Pilares da DCL

A DCL é clinicamente caracterizada por uma combinação de fatores que a colocam em uma interface entre a Doença de Alzheimer (em relação à perda cognitiva) e a Doença de Parkinson (em relação aos sintomas motores). O diagnóstico é predominantemente clínico e é considerado provável se dois dos quatro critérios essenciais abaixo estiverem presentes.

Flutuações na Cognição

Esta é, talvez, a característica mais distintiva. O paciente apresenta oscilações marcantes e espontâneas no estado de alerta, atenção e função cognitiva. Em curtos períodos (horas ou dias), a pessoa pode alternar entre momentos de lucidez quase completa e estados de sonolência, confusão profunda ou um olhar fixo. Os lapsos de memória e a repetição de histórias, como os relatados para Milton Nascimento, são manifestações típicas dessa flutuação.

Alucinações Visuais Recorrentes

São extremamente comuns na DCL e tendem a ser detalhadas, vívidas e recorrentes, muitas vezes envolvendo figuras humanas, animais ou objetos complexos. Elas são um dos sintomas mais angustiantes para o paciente e para os cuidadores.

Transtorno do Comportamento do Sono REM (RBD)

Caracteriza-se pela perda da paralisia muscular normal durante a fase REM do sono. O paciente atua fisicamente os sonhos (que são intensos), podendo resultar em gritos, socos, chutes ou quedas da cama. O RBD é um sintoma prodrômico importante, podendo preceder o início da demência em muitos anos.

Parkinsonismo

Refere-se à presença de sintomas motores como rigidez, bradicinesia (lentidão de movimentos) e, menos frequentemente, tremor. No caso de Milton Nascimento, o parkinsonismo já era um fator pré-existente devido ao seu diagnóstico anterior de DP.

DCL vs. Demência da Doença de Parkinson (DPD)

A distinção entre DCL e DPD é um dos maiores desafios clínicos, pois ambas compartilham a mesma base patológica. O critério de diferenciação fundamental é a cronologia, conhecida como a “regra de 1 ano”:

Aspecto ClínicoDemência por Corpos de Lewy (DCL)Demência da Doença de Parkinson (DPD)
Relação TemporalA demência (déficit cognitivo grave) ocorre antes ou até um ano após o início dos sintomas motores.A demência ocorre significativamente mais tarde (normalmente 10-15 anos) após o início dos sintomas motores.

Análise do Caso Milton Nascimento

No caso do cantor, o diagnóstico de DP ocorreu em 2022 e os sintomas cognitivos marcantes foram revelados em 2024. Este intervalo superior a um ano sugere, pela definição estrita, um quadro de DPD.

No entanto, a nomenclatura DCL é frequentemente aplicada quando o quadro clínico é dominado pelas características centrais da DCL: flutuações cognitivas severas, alucinações visuais proeminentes e déficits executivos precoces. A severidade e a proeminência dos sintomas neuropsiquiátricos relatados no caso Milton Nascimento justificam a classificação na categoria de Demência por Corpos de Lewy, que representa o espectro mais acelerado e com maior envolvimento cortical da doença.

Estratégias Terapêuticas: O Manejo Nuanciado

Atualmente, não existe cura para a DCL, mas um manejo terapêutico agressivo e individualizado é crucial para controlar os sintomas e garantir a qualidade de vida. O tratamento na DCL é complexo e exige grande cautela, pois o que ajuda um sintoma pode piorar outro.

O Dilema do Tratamento Farmacológico

  1. Inibidores da Colinesterase: São a pedra angular do tratamento (como donepezila e rivastigmina). Eles aumentam os níveis de acetilcolina, um neurotransmissor vital para a atenção e a cognição. Seu uso não só melhora a função cognitiva, mas é essencial para o controle e a redução da severidade das alucinações.
  2. Manejo do Parkinsonismo (Levodopa): A levodopa é indicada para os sintomas motores, mas seu uso em pacientes com DCL exige extrema vigilância.
    • O Dilema: Pacientes com DCL são altamente sensíveis ao aumento de dopamina. Enquanto a levodopa pode melhorar o movimento, ela tem um risco elevado de exacerbar drasticamente as alucinações visuais e a psicose. O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio que minimize os sintomas motores sem levar a um descontrole dos sintomas cognitivos e psicóticos, justificando um acompanhamento médico rigoroso.
  3. Evitando Drogas de Risco: É fundamental evitar medicamentos com fortes propriedades anticolinérgicas e antipsicóticos clássicos (neurolepticos). Eles podem precipitar ou agravar o delirium, causar sedação severa ou rigidez e imobilidade catastróficas.

Terapias Não Farmacológicas

O tratamento deve ser sempre multidisciplinar. Fisioterapia, atividade física regular e estímulo cognitivo são essenciais para manter a funcionalidade diária.

Além disso, o manejo ambiental é vital, especialmente para quem tem alucinações. Estratégias como melhorar a iluminação, remover espelhos ou manter um ambiente calmo e previsível ajudam a reduzir a confusão e o estresse associado aos episódios psicóticos.

Quer saber mais?

Entre no canal de WhatsApp do Curso Enem Gratuito! Lá, você recebe dicas exclusivas, resumos práticos, links para aulas e muito mais – tudo gratuito e direto no seu celular. É a chance de ficar por dentro de tudo o que rola no curso e não perder nenhuma novidade.

Clique aqui para participar!

Autor(a) Luana Santos

Sobre o(a) autor(a):

Luana Santos - Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, é redatora com foco em educação, produção de conteúdo para o Enem e vestibulares. Atualmente, integra a equipe da Rede Enem, onde cria materiais informativos e inspiradores para ajudar estudantes a alcançarem seus objetivos acadêmicos. Ama café, livros e uma boa conversa sobre educação.  

Gostou? Compartilhe!