PEC da Blindagem: o que é, como surgiu e em que pé está a proposta
PEC da Blindagem avança na Câmara, enfrenta derrota em voto secreto e segue para o Senado em meio a pressões sociais e clima pré-eleitoral.
A Câmara dos Deputados aprovou, em 16 de setembro, a chamada “PEC da Blindagem” (oficialmente, a PEC nº 3 de 2021). Esse nome já diz muito sobre o clima de tensão que tomou conta do cenário político e jurídico do país. Em votação acelerada, os parlamentares deram sinal verde para uma proposta que mexe diretamente no equilíbrio de forças entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na prática, o texto, que os deputados preferem chamar de “PEC das Prerrogativas”, amplia a proteção legal de senadores e deputados, dificultando investigações e prisões. Para uns, trata-se de garantir a independência do Legislativo; para outros, é apenas mais um movimento de autoproteção, que resgata velhos privilégios que pareciam enterrados há mais de 20 anos.
Mas afinal, o que está em jogo? O que essa mudança significa para a democracia brasileira e para a relação entre Congresso e Judiciário?
Os pilares da proposta aprovada na Câmara
O texto da PEC da Blindagem, relatado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), propõe mudanças significativas na Constituição Federal. O cerne da proposta é a reintrodução de regras que existiram até 2001 e que, segundo os críticos, foram amplamente utilizadas para barrar investigações e proteger parlamentares em situação de vulnerabilidade judicial.
A matéria, aprovada na Câmara, se sustenta em três pilares principais:
Reexigência de autorização para ações penais
O ponto central da PEC é o retorno da necessidade de autorização prévia da respectiva Casa Legislativa (Câmara ou Senado) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa abrir um processo criminal contra deputados ou senadores. Hoje, o STF pode iniciar essas ações sem esse aval, cabendo ao Congresso apenas a possibilidade de suspender uma ação já em andamento.
A nova proposta estabelece também um prazo: a Casa terá até 90 dias para decidir sobre o pedido do STF. Se não houver deliberação nesse período, a ação penal poderá prosseguir normalmente.
Restrições à prisão em flagrante
Atualmente, parlamentares só podem ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis. A PEC mantém essa regra, mas acrescenta um ponto crucial: será a Casa Legislativa quem decidirá, em votação, se a prisão será mantida ou não. Essa deliberação precisa ocorrer em até 24 horas após a detenção.
Expansão do foro privilegiado
Outra alteração relevante, embora menos comentada, é a ampliação do alcance do foro por prerrogativa de função. A PEC inclui nesse rol os presidentes de partidos políticos com representação no Congresso Nacional. Assim, líderes partidários (mesmo que não sejam parlamentares) passariam a ter direito ao foro especial no STF.
Essa mudança amplia a proteção judicial não apenas aos eleitos, mas também às cúpulas partidárias.
Um olhar histórico: o fantasma de 2001
Para entender a PEC da Blindagem, é preciso voltar um pouco no tempo. A proposta funciona, na prática, como um movimento para fazer o pêndulo constitucional retornar ao passado.
Na redação original da Constituição de 1988, estava previsto que a abertura de processos criminais contra parlamentares dependia de autorização prévia da Câmara ou do Senado. Essa regra caiu em 2001, com a Emenda Constitucional nº 35, aprovada em meio a uma forte pressão popular contra a impunidade.
A mudança de 2001 foi vista como um avanço em direção à transparência e à responsabilização no sistema político. Desde então, o STF ganhou autonomia para iniciar investigações e ações penais contra congressistas. Nesse sentido, a PEC de 2021 é interpretada por cientistas políticos e juristas como um retrocesso: um movimento que “anda na contramão da história”, enfraquecendo os mecanismos de controle judicial criados nas últimas décadas para combater a corrupção e a impunidade.
Prerrogativa de função ou impunidade?
O coração do debate está na forma como se interpreta a proposta. Para o relator Cláudio Cajado e outros defensores, não se trata de privilégios individuais, mas de garantias institucionais. Segundo eles, essas prerrogativas seriam indispensáveis para a independência do Legislativo, protegendo parlamentares de perseguições políticas ou intimidações externas. A PEC, nessa visão, busca apenas restabelecer o equilíbrio entre os Poderes e fortalecer o sistema de freios e contrapesos.
Já para os críticos, a PEC é vista como uma tentativa clara de “legislar em causa própria”. O Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), por exemplo, considera a proposta uma quebra grave do sistema de freios e contrapesos e uma afronta ao princípio da isonomia, ao criar uma espécie de grupo de “intocáveis”.
Esses críticos alertam que o projeto reduz o controle judicial sobre o poder político justamente em um momento em que vários parlamentares estão sob investigação no STF. Entre os beneficiados estariam nomes investigados por crimes como desvio de emendas parlamentares — caso de Elmar Nascimento (União-BA) e Júnior Mano (PSB-CE) — além de outros processos, como o que envolve o deputado Eduardo Bolsonaro (PL).
Em que pé estamos?
No dia 16 de setembro, a PEC da Blindagem foi aprovada na Câmara em dois turnos. No primeiro, o placar foi de 353 votos a favor e 134 contra. No segundo, o resultado ficou em 344 a favor e 133 contra, consolidando a aprovação do texto-base.
O apoio veio principalmente do Centrão (União Brasil, Republicanos, PP, PSD, MDB) e do Partido Liberal (PL), que juntos garantiram a maior parte dos votos. Já partidos como Novo, PSOL, Rede e PCdoB rejeitaram a proposta de forma unânime.
Apesar da vitória do texto-base, a madrugada de 17 de setembro trouxe um episódio simbólico: a rejeição do voto secreto para autorizar prisões e processos contra parlamentares. O dispositivo, defendido pelo Centrão, precisava de 308 votos, mas alcançou apenas 296, faltando 12 para a aprovação.
Essa derrota mostrou os limites de articulação do bloco em um tema impopular. O voto secreto, que permitiria ao parlamentar escapar da responsabilização pública, caiu. No lugar, a votação será aberta, vista por muitos como uma pequena vitória da transparência e um sinal de que a pressão social ainda pesa nas decisões do Congresso.
E agora?
Com a aprovação na Câmara, a PEC segue para o Senado Federal. Para ser promulgada, precisa ser aprovada em dois turnos, com o voto favorável de pelo menos 49 senadores (maioria absoluta). Não há necessidade de sanção presidencial.
O desafio, porém, será grande. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Otto Alencar (PSD-BA), já se posicionou contra. Em declaração no próprio dia 16 de setembro, ele foi categórico: “essa proposta não passará no Senado de jeito nenhum”.
Segundo Alencar, o texto é impopular e dificilmente conquistará os 49 votos necessários, especialmente em um ano pré-eleitoral, quando os senadores tendem a evitar desgastes com temas rejeitados pela opinião pública.
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