Por que milhões de brasileiros estão optando por trabalhar como PJ?
Entenda como a pejotização (PJ) e a informalidade transformam o mercado de trabalho brasileiro e afetam salários, direitos e oportunidades
O mercado de trabalho brasileiro nunca para de evoluir, e a cada ano, novos fenômenos surgem para desafiar as antigas formas de contratação. Um dos temas mais discutidos atualmente é a pejotização, que é a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs) em vez de empregados com carteira assinada. Este movimento tem levantado questões complexas: afinal, a pejotização é uma escolha por mais liberdade ou uma imposição disfarçada? E quais são as suas verdadeiras consequências para a economia e para os milhões de brasileiros que vivem nessa condição?
Diferentemente da informalidade tradicional, que opera sem qualquer registro, a pejotização cria um vínculo que, embora legal, elimina as garantias trabalhistas e sociais que sustentaram o mercado por décadas.
O salto da pejotização
Estudos recentes mostram que o número de trabalhadores com CNPJ tem crescido de forma significativa no Brasil. O que impulsiona esse movimento é, em grande parte, uma questão de remuneração. Na maioria das atividades analisadas, os trabalhadores PJ recebem salários superiores aos de seus equivalentes com carteira assinada, chegando, em alguns casos, a ganhar o dobro ou mais.
Esse fenômeno é particularmente notável entre os profissionais mais escolarizados, que estão obtendo os maiores ganhos com a pejotização. No entanto, mesmo em setores que não exigem tanta educação formal, como a construção e o comércio, a tendência se repete: os autônomos com CNPJ ganham mais que os empregados formais.
Para muitos, a escolha é clara. O trabalho PJ oferece uma liberdade e autonomia de jornada que o emprego formal dificilmente proporciona. O trabalhador faz um “trade-off”: opta por uma remuneração maior em troca de abrir mão de direitos sociais como férias, 13º salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Essa preferência pela autonomia não resulta necessariamente em precarização, especialmente quando o profissional tem alto nível de escolaridade.
PJ é um trabalhador informal?
Para a maioria das definições e análises econômicas, o trabalhador PJ (Pessoa Jurídica) não é considerado informal. A informalidade, no sentido tradicional, se refere a atividades que não têm registro legal, não pagam impostos e não contribuem para a Previdência Social.
O trabalhador PJ, por outro lado, possui um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e está formalizado perante o governo. Ele paga impostos, mesmo que de forma simplificada (como no caso do MEI – Microempreendedor Individual), e precisa recolher a sua própria contribuição para o INSS para ter acesso à aposentadoria e outros benefícios.
No entanto, a linha que separa o PJ do informal é tênue. O problema surge quando a contratação de um PJ ocorre em condições que simulam um vínculo de emprego. Isso é conhecido como “pejotização”. Nesses casos, o trabalhador, mesmo tendo um CNPJ, se submete a uma relação de subordinação, horário fixo e exclusividade, características de um emprego com carteira assinada (CLT).
As principais diferenças e riscos
- Formalidade legal: O PJ é uma entidade formal, com CNPJ e obrigações fiscais. O trabalhador informal não possui essa formalização e atua sem registro.
- Direitos trabalhistas: O PJ não tem direitos como férias remuneradas, 13º salário, FGTS ou seguro-desemprego, que são garantidos pela CLT. O trabalhador informal também não possui esses direitos.
- Contribuições sociais: O PJ é responsável por recolher sua própria contribuição para o INSS. O informal, na maioria das vezes, não contribui, o que o deixa sem acesso a benefícios previdenciários.
- O principal risco: A pejotização se torna um problema legal quando o vínculo PJ é usado para mascarar uma relação de emprego. Nesses casos, a Justiça do Trabalho pode reconhecer o vínculo CLT e obrigar a empresa a pagar todos os direitos retroativamente.
Como o cenário da informalidade se encaixa?
A pejotização é uma das faces mais recentes da informalidade brasileira, que, de modo geral, continua a ser uma força significativa no mercado de trabalho. Dados do IBGE indicam que, em períodos recentes, a informalidade abrangeu mais de um terço da força de trabalho, o que equivale a dezenas de milhões de pessoas.
A informalidade tradicional, ou seja, o trabalho sem carteira assinada e sem contribuições, é um fenômeno persistente. Fatores como a alta carga tributária para empregadores, a burocracia e a falta de oportunidades formais levam muitos brasileiros a buscar sustento no setor informal. O salário médio dos formais ainda é maior que o dos informais, embora essa diferença tenha diminuído nos últimos anos.
Ambos os fenômenos —a informalidade e a pejotização— revelam um mercado de trabalho em constante tensão. As empresas buscam reduzir custos para se tornarem mais competitivas, e os trabalhadores buscam flexibilidade e renda. O desafio para o Estado é encontrar um ponto de equilíbrio que promova o crescimento econômico e a geração de empregos de qualidade, sem sacrificar a segurança e os direitos sociais que são fundamentais para o desenvolvimento do país.
A imposição e a perda de direitos

Apesar dos atrativos, a pejotização esconde um lado sombrio. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) suspeita que muitos trabalhadores não escolhem essa modalidade, mas são obrigados por seus empregadores a abrir empresas para ter acesso a postos de trabalho.
O MTE conduziu uma pesquisa que revelou um dado alarmante: entre 2022 e 2024, 4,8 milhões de trabalhadores demitidos retornaram ao mercado de trabalho como pessoas jurídicas. Desse total, 3,8 milhões se tornaram Microempreendedores Individuais (MEIs). O acompanhamento, feito pelo número do CPF, confirma que são as mesmas pessoas migrando de um regime para o outro.
Essa coação, que o MTE chama de “pejotização irrestrita”, contraria a legislação trabalhista e se tornou um foco de fiscalização. Há muitos casos em que a pessoa não tem um CNPJ para empreender; ao contrário, ela é obrigada a isso para ter acesso a postos de trabalho.
O custo da contratação e o impacto na arrecadação pública
A principal razão para a pressão dos empregadores é econômica. Análises apontam que os custos para uma empresa contratar um funcionário com carteira assinada são 68,1% mais altos do que o salário pago, para cobrir encargos como FGTS, 13º, férias e INSS. Ao contratar um PJ, a empresa se livra desses encargos, repassando parte do valor economizado para a remuneração do profissional.
O resultado desse movimento é uma perda bilionária para o Estado. A arrecadação média gerada por um trabalhador PJ nos regimes MEI e Simples, por exemplo, foi de cerca de R$ 4.100 por ano em 2023. Em contraste, a de um empregado com carteira assinada ultrapassava R$ 33.100 no mesmo período.
Se todos os 4,8 milhões de trabalhadores que migraram para a pejotização tivessem sido contratados com carteira, a arrecadação do Estado teria sido R$ 144 bilhões maior desde 2017. A falta de recolhimento de R$ 61,4 bilhões à Previdência e R$ 24,2 bilhões ao FGTS no período de 2022 a 2024 demonstra a gravidade da situação.
Por que essa pauta é relevante para o Enem?
A pejotização e a informalidade não são apenas termos técnicos: eles estão por trás de mudanças profundas no jeito que a gente trabalha e vive – e isso pode aparecer em várias áreas do Enem. Em Sociologia, entram nas discussões sobre como as relações de trabalho estão se transformando e como isso leva à precarização. Em História, têm tudo a ver com as mudanças econômicas e as reformas que moldaram o mercado. Já em Geografia, ajudam a entender a dinâmica regional do emprego e as desigualdades pelo país.
E não para por aí: esses temas são ótimos para treinar Redação. Dá para usá-los em debates sobre crise da seguridade social, desigualdade de renda e o papel do Estado na proteção dos trabalhadores. Saber como tudo isso se conecta é ter um arsenal de argumentos para construir uma redação sólida e com repertório sociocultural de peso.