Três questões do Enem 2025 são anuladas após vazamento na Internet
Polêmica envolve Edcley Teixeira, estudante que divulgou questões parecidas com o Enem 2025, ocasionando no anulamento de itens pelo Inep.
Imagine estudar para o Enem e descobrir que alguém conseguiu “prever” parte das questões com uma precisão impressionante. É exatamente isso que está causando um enorme debate nas redes sociais desde o último domingo (16), quando milhares de estudantes fizeram o segundo dia do Enem 2025.
O estudante de medicina Edcley Teixeira, de Sobral (CE), virou o centro de uma polêmica que levanta uma questão preocupante: seria possível que alguém tenha tido acesso privilegiado às questões do maior exame educacional do Brasil?
A polêmica começou quando Edcley passou a divulgar exercícios extremamente semelhantes aos itens do Enem 2025, alegando que usou um “algoritmo próprio” para prever o que cairia na prova. Ele vende monitorias particulares e realizou transmissões ao vivo no YouTube com suas “apostas”, que juntos já acumulam mais de 80 mil visualizações.
Em suas publicações, Edcley explica que participou do Prêmio Capes Talento Universitário e afirma que o estilo das questões era semelhante ao do Enem. Segundo ele, isso permitiu memorizar diversos itens e, com o auxílio de colegas que também fizeram a prova, reconstruir perguntas para usar com seus alunos.
Materiais compartilhados por ele traziam afirmações como “essas questões estarão no Enem” e “itens inéditos obtidos por Edcley Teixeira”. Em uma live transmitida em 11 de novembro, ele e um colega resolveram 90 questões chamadas de “minhas apostas para o Enem”, vídeo que chegou a 40 mil visualizações. Logo no início, mostram uma pergunta quase idêntica à questão 178 da prova amarela, que trata de uma compra de R$ 60 mil.
Edcley também diz ter estudado a Teoria de Resposta ao Item (TRI) por mais de 10 anos e afirma ter desenvolvido um algoritmo capaz de identificar padrões de formulação das questões, uma espécie de “engenharia reversa” do modelo do Enem.
Além disso, ele relata ter usado a Lei de Acesso à Informação (LAI) para consultar versões especiais do Enem e mapear temas recorrentes. Diz ainda monitorar, por meio de editais e documentos públicos, nomes e CPFs de profissionais envolvidos na elaboração do exame desde 2009. Segundo ele, analisou redes sociais e artigos acadêmicos desses servidores para antecipar possíveis abordagens.
Em uma das falas que mais repercutiram, Edcley declarou:
“É claro que vou acertar o Enem inteiro. O Enem se repete. Eu descobri o padrão. Sabe quantas pessoas fazem o Enem? Vinte e cinco. Elas estão no Inep desde 2009. Acompanhem nas redes sociais e vocês vão saber no que elas estão pensando.”
Mas o que é o Prêmio Capes Talento Universitário?
O Prêmio Capes é uma avaliação com 80 questões de conhecimentos gerais voltada para estudantes que acabaram de entrar na universidade, com premiação de R$ 5 mil para os mil melhores colocados.
A associação com o Enem existe porque o exame usa uma metodologia parecida, o que faz algumas pessoas verem suas questões como uma “amostra” do tipo de item que pode aparecer futuramente no Enem.
O edital do prêmio estabelece regras rígidas: todo material deve ser devolvido, anotações são proibidas e quem não entrega o rascunho pode ser eliminado. Na teoria, seria impossível circular questões.
Quais as questões divulgadas?








Três questões canceladas
O Inep divulgou um pronunciamento no período da tarde do dia 18 de novembro. Abaixo, a íntegra:
“1- O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) reafirma a isonomia, lisura e validade das provas do Enem 2025.
2 – Ao identificar relatos de antecipação de questões similares às do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025, a equipe técnica que faz parte da comissão assessora responsável pela montagem das provas analisou as circunstâncias e decidiu, com base em informações sobre a montagem do teste, pela anulação de três itens aplicados na prova.
3 – O Enem utiliza a Teoria da Resposta ao Item (TRI) para apuração de seus resultados. A metodologia demanda que os itens sejam pré-testados. Os estudantes que participam de pré-testes têm contato com itens que podem vir a compor o Enem em alguma edição.
4 – Nenhuma questão foi apresentada tal qual na edição de 2025 do exame. Na divulgação observada nas redes sociais, foram identificadas similaridades pontuais entre os itens.
5 – A Polícia Federal foi acionada para apurar a conduta e autoria na divulgação das questões e garantir a responsabilização dos envolvidos por eventual quebra de confidencialidade ou ato de má-fé pela divulgação de questões sigilosas de forma indevida.
6 – O Inep promove diversas estratégias para calibrar as questões que compõe o Banco Nacional de Itens e podem ser usadas na elaboração das provas do Enem. Os processos envolvem rigorosos protocolos de segurança, que foram cumpridos em todas as etapas do exame.”
Outros casos de vazamento do Enem
2009: o roubo físico e o cancelamento nacional

O primeiro (e até hoje, o maior) colapso de credibilidade do Enem ocorreu em 2009. A prova seria usada pela primeira vez como “supervestibular” via Sisu, mas acabou cancelada às vésperas da aplicação.
A prova foi furtada de dentro da Gráfica Plural, em São Paulo, por funcionários do próprio consórcio contratado para a aplicação. Um dos funcionários conseguiu sair do local com o caderno de questões escondido na cueca, burlando a segurança inicial.
O vazamento veio à tona porque os envolvidos tentaram vender o exemplar roubado a veículos de comunicação. O jornal O Estado de S. Paulo (Estadão) optou por denunciar o crime, forçando o MEC a anunciar o cancelamento e adiamento do exame. O cancelamento prejudicou mais de 4,1 milhões de inscritos e resultou em um prejuízo estimado de R$ 45 milhões.
2010: vazamento parcial e caos logístico
O ano seguinte não foi muito melhor. Em 2010, parte do tema da redação vazou horas antes da prova em uma cidade da Bahia.
De acordo com a PF, uma aplicadora da cidade de Remanso (BA) teve acesso ao título do texto motivador da redação cerca de duas horas antes do início das provas. Ela, então, avisou ao marido, que pesquisou sobre o tema na internet e avisou para o filho, em Petrolina (PE). O aluno procurou professores da região para pedir dicas sobre como escrever o tema “trabalho e escravidão”.
Ao mesmo tempo, erros graves de impressão bagunçaram a aplicação: provas com páginas trocadas, questões duplicadas e folhas fora de ordem (especialmente as do caderno amarelo). A gráfica chegou a confirmar defeito em 21 mil provas. Os estudantes prejudicados pelos problemas de impressão tiveram que realizar a reaplicação do exame.
2011: o vazamento por pré-teste
Em 2011, o problema veio de outro ponto sensível: o Banco Nacional de Itens. Alunos do Colégio Christus, em Fortaleza, receberam um simulado com 13 ou 14 questões idênticas (ou quase idênticas) às do Enem daquele ano.
A investigação mostrou que a escola participava do ciclo de pré-testes e que as questões acabaram circulando indevidamente antes da aplicação.
O Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE) pediu a anulação do exame inteiro, mas a Justiça decidiu por uma solução intermediária: apenas os 639 alunos do Christus tiveram as questões anuladas.
Em 2013, a coordenadora do colégio, um professor de Física e dois funcionários do Inep foram denunciados por utilização e divulgação indevida de material sigiloso, com base no artigo 325 do Código Penal Brasileiro, que trata dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral.
2023: o precedente do caso Edcley
O nome de Edcley S. Teixeira voltou ao debate recentemente, mas o tipo de vulnerabilidade que ele representa surgiu ainda em 2023. Naquele ano, a Polícia Federal foi acionada após a circulação de imagens da prova nas redes sociais e outras suspeitas de irregularidades durante a aplicação.
O inquérito buscava identificar quem fez e disseminou as fotos do exame e levou a uma série de reuniões entre o Inep e a PF para atualizar o andamento das investigações e detalhar as diligências já realizadas — que chegaram, inclusive, a identificar responsáveis. O episódio funciona como um alerta importante e um precedente direto para a discussão sobre segurança na edição de 2025.
Divulgar questões de pré-testes do Enem pode ser reconhecido como crime?
Sim, a divulgação das questões de pré-testes que serão usadas no Enem é um crime porque compromete a isonomia e a credibilidade do exame. Se um candidato tem acesso prévio aos itens e a seus parâmetros, ele obtém uma vantagem ilícita sobre milhões de outros, minando o sistema de avaliação.
O artigo 311-A do Código Penal Brasileiro tipifica a conduta de utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de concurso público ou de processo seletivo para ingresso no ensino superior, como é o caso do Enem.
As penas para este crime podem variar, incluindo reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.
Caso o vazamento seja cometido por funcionário público que tenha acesso ao material em razão do cargo, pode também configurar o crime de violação de sigilo funcional. Em casos de uso comercial ou obtenção de vantagem ilícita, a conduta também pode se enquadrar como crime de estelionato.
Como o Inep lida para evitar esses casos?
Além dos vazamentos, o Inep combate fraudes cada vez mais sofisticadas durante a aplicação. Esquemas organizados usam celulares e dispositivos eletrônicos para enviar e receber respostas, levando a operações frequentes da Polícia Federal.
O instituto recorre a métodos estatísticos avançados, fornecendo à PF relatórios detalhados de “resultados coincidentes” entre participantes. A segurança migrou de uma proteção puramente física contra roubo para uma proteção analítica contra conluio.
O caso da “receita de miojo”
A integridade do exame também é defendida por regras rigorosas na redação. Um caso notório levou à mudança de normas: em 2013, um candidato incluiu uma receita de miojo em sua redação sobre movimentos imigratórios, recebendo nota de 560 pontos.
Na época, o MEC justificou que “o texto não fugiu ao tema e não feriu direitos humanos”, penalizando o candidato especialmente nas competências 3 e 4. A situação expôs fragilidade simbólica e levou à alteração das regras para garantir nota zero em casos de inserção de trechos deliberadamente desconexos ou desenhos.
O que vem por aí
O resultado oficial do Enem 2025 deve sair em 16 de janeiro de 2026. Até lá, o debate sobre a segurança do exame deve continuar.
Para quem vai fazer o Enem nos próximos anos, fica a lição: estudar de verdade ainda é o caminho mais seguro. Mas é fundamental cobrar transparência e rigor das autoridades. Afinal, estamos falando do futuro de milhões de jovens brasileiros.
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