Fernando Pessoa teve muitos heterônimos e o Enem adora relembrá-los. Estude Alberto Caeiro, o mestre do autor neste resumo de Literatura.
Quem foi Alberto Caeiro
Segundo a biografia do heterônimo criado por Fernando Pessoa, Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 16 de abril de 1889. Prematuramente órfão, viveu quase toda a vida no campo, tendo cursado apenas o primário.
Em carta a Adolfo Casais Monteiro, Pessoa afirma sobre Alberto Caeiro: “Era louro sem cor, olhos azuis; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Morreu de tuberculose em 1915”.
Alberto Caeiro é o antípoda de Fernando Pessoa, este sim afeito ao mistério da existência, sendo inclusive um conhecedor profundo e até praticante das ciências ocultas. Contudo, Caeiro é, segundo o seu criador, o mestre do próprio Fernando Pessoa e de seus heterônimos!
É o mestre que Pessoa impõe a si mesmo, com o qual teve que aprender, e de quem tirou as maiores lições como: viver sem dor; envelhecer sem angústia; morrer sem desespero; não procurar encontrar sentido para a vida; sentir sem pensar e a ser um ser uno e não fragmentado.
Características da obra de Alberto Caeiro
Mestre complexo e enigmático, Caeiro despreza e repreende qualquer tipo de pensamento filosófico, afirmando que pensar retira a visão, não o permite ver o mundo tal qual ele lhe foi apresentado: simples e belo. O pensamento, afirma Caeiro, torna o mundo complexo, incerto e problemático.
Fez a sua primeira aparição (póstuma) em Janeiro de 1925, nas paginas do n°. 4 da revista Athena, em que publica uma seleção de 23 poemas de “O Guardador de Rebanhos”.
Poemas de Alberto Caeiro
A seguir, vamos analisar alguns poemas do autor.
O Guardados de Rebanhos
Observe como em “O Guardador de Rebanhos” aparece a forma simples e natural de sentir e dizer de Alberto Caeiro:
“Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doendo dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…”
(Trecho do poema II de O Guardador de Rebanhos)
Análise do poema
O poema trata da relação do eu-lírico com a realidade pelo sentir apenas essa realidade, sem a pensar ou imaginar, pois para o pensamento sensacionista, a sensação das coisas é superior a nossa idéia sobre elas.
Caeiro é Mestre e Criador do Sensacionismo, filosofia que preza viver profundamente as sensações, afirmando que é preciso “saber ver sem estar a pensar”, sem tentar “encontrar um sentido às coisas”, porque “as coisas não têm significado: tem existência”.
Para Caeiro, “tudo é como é”, o poeta reduz tudo à objetividade, sem a mediação do pensamento, o seu racionalismo preza por pureza. Possui uma poesia tomada de instinto, revelado através de um estilo de vida bucólico.
O seu ambiente campestre dá impulso a reflexões sobre a essência da vida, sobre como estabelecer um contato mais simples e direto com a Natureza, fruir a essência da vida pelas sensações das coisas tais como são. Pretende o sensacionista empenhar-se no contato com a natureza, extraindo dela a ingenuidade com a qual alimenta a alma:
“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.”
[…]
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
A criança, para quem a pureza impede um discernimento racional e maduro, estará sempre atônita diante das descobertas dos elementos da vida.
Por meio dos seus cinco sentidos (visão, olfato, audição, paladar e tato) contata as sensações e fenômeno do acontecimento, mediante as quais constitui a sua experiência a vida. A criança compreende que os sentidos em si não precisam de uma explicação para operar.
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …”
O poema Trigésimo Nono
Veja agora o poema “Trigésimo Nono”, poema de O Guardador de Rebanhos. Num estilo discursivo argumentativo, gera a sua reflexão na transformação do abstrato no concreto, frequentemente através da comparação. Predominam os substantivos concretos sobre os adjetivos.
O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: –
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.
Análise do poema:
No poema, Alberto Caeiro afirma-se um poeta onde diz que a realidade é apenas “o que é”, e por isso não tem mistérios a desvendar, contrariando tudo aquilo que as outras pessoas pensam sobre as coisas, quando acreditam que elas contêm algo mais para além daquilo que é visível.
O pastor amoroso
Escrito na mesma época do “Guardador de Rebanhos”, “O Pastor Amoroso” mostra um eu-lírico menos pueril e mais amadurecido, transformado transtornado pelo amor. A obra é composta de apenas seis poemas sem títulos e sem numeração, que cultivam a figura da mulher amada, graças a quem a relação do eu com a natureza se intensifica.
“Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo…
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima.
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor…
Tu não me tiraste a Natureza…
Tu não me mudaste a Natureza…
Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim.
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado.”
(Trechos de O Pastor Amoroso. Fonte: Domínio público)
Poemas inconjuntos
O terceiro e último bloco de 16 poemas é nomeado Poemas Inconjuntos, poemas também sem títulos e sem numeração, saiu no quinto e último número da revista Orpheu. Nesses a morte e seu pressentimento são pressupostos pelo poeta.
O poema deixa ver um eu–lírico que aceita a realidade em si, pois que dele ela não depende para existir. É racional e impassível, despreza o misticismo e as interpretações simbólicas do mundo. É por excelência o poeta do real e da objetividade:
QUANDO VIER…
Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(de “Poemas Inconjuntos”)
Análise
Percebe-se assim a recusa a toda subjetividade, abrindo-se ao mundo e a vida com passividade e alegria:
(“Sinto uma alegria enorme/Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.”) Identifica-se com a Ordem da Natureza, vive segundo o ritmo dela, deseja nela se diluir, integrando-se nas leis do universo, sendo consumido pela terra e pelo rio. Não quer saber do passado nem do futuro vive no presente.
Opondo-se radicalmente ao intelectualismo, à abstração, à especulação metafísica e ao misticismo, adota uma linguagem simples e direta, com a naturalidade do andamento de um discurso oral. Contudo, longe da banalidade, os seus versos são escolhidos sob medida, no tamanho e proporção precisos para manter um tom familiar e tranquilo.
Videoaula
Para terminar, assista à videoaula a seguir, em que a professora Camila, de Literatura, dá mais exemplos da poesia de Alberto Caeiro.
Exercícios sobre Alberto Caeiro
Para finalizar sua revisão sobre Alberto Caeiro, faça agora os exercícios!
1- (Enem – 2004)
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…
(Alberto Caeiro)
A tira Hagar e o poema de Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) expressam, com linguagens diferentes, uma mesma ideia: a de que a compreensão que temos do mundo é condicionada, essencialmente,
a) pelo alcance de cada cultura.
b) pela capacidade visual do observador.
c) pelo senso de humor de cada um.
d) pela idade do observador.
e) pela altura do ponto de observação.
2- (UFBA – 2000)
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando…
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira…
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse…
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena…
Assinale as características da poesia de Caeiro comprováveis no texto.
I. Repúdio ao misticismo
II. Desejo de integração plena com a natureza.
III. Valorização das sensações visuais.
IV. Percepção de fragmentos de realidade.
V. Descompromisso com o futuro.
VI. Visão de mundo marcada pela simplicidade do existir tão somente.
VII. Negação da interioridade das coisas.
a) II, III, IV e VI.
b) I, III, IV e VI.
c) I, V e VII.
d) IV e V.
e) VI e VII.
3- (PUC – SP/2006)
Considerando a poética de Alberto Caeiro, é correto afirmar que nela:
a) o entendimento do mundo e a interpretação da realidade resultam do extremo racionalismo do eu lírico.
b) a sensação do mundo e a radical opção pela natureza se fazem presentes, ao mesmo tempo que se dá a negação radical da metafísica e das transcendências.
c) o conhecimento direto das coisas e do mundo advém fundamentalmente da razão e mostra-se desvinculado da sensação.
d) o conceito de paganismo, presente na obra poética de Caeiro, define-se por uma postura anticristã e pela negação do conhecimento do mundo sensível.
e) o contato com a natureza e o conceito direto das coisas impedem, na obra, a existência de uma lógica igual a da ordem natural.
Gabarito:
- A
- A
- B