Estude as lutas da comunidade LGBTQIA+ com esta aula sobre orientação sexual, gênero e história dos movimentos. Mande bem na redação Enem e nas questões envolvendo atualidades!
Os direitos LGBTQIA+ fazem parte da pauta de debates políticos e também das discussões nas redes sociais. Conhecer seus significados e história vão te ajudar a compreender um pouco mais as lutas dessa parte da população.
Orientação sexual e identidade de gênero
Para entender o que é ser LGBTQUI+ é necessário compreender dois conceitos fundamentais: a identidade de gênero e a orientação sexual.
A identidade de gênero pode ser definida como a percepção pessoal de se ser homem ou mulher (ou menino ou menina). Neste sentido, uma pessoa é chamada cisgênera quando se identifica com o mesmo grupo (masculino ou feminino) com o qual ela foi descrita no nascimento. Caso esta pessoa se sinta parte do outro grupo (menina em um “corpo de menino”/menino em um “corpo de menina”), ela é definida como transgênero.
Aqueles com características biológicas de gênero ambíguas (especialmente durante o nascimento) são chamados de intersexuais. Quem não se identifica exclusivamente com nenhum destes dois grupos é chamado de não-binário.
A orientação sexual é definida como o padrão de atração física ou romântica que uma pessoa apresenta. A orientação sexual predominante na população é a chamada heterossexual, em que um indivíduo se sente atraído por quem se identifica com o sexo oposto ao seu.
Aqueles que se interessam por outras pessoas do mesmo sexo são chamados homossexuais. Já os que se interessam por ambos os sexos são chamados bissexuais. Existem ainda vários outros tipos de orientação sexual, como os assexuais e os pansexuais.
A sigla LGBTQIA+
Os indivíduos que não se autodeclaram cisgêneros e heterossexuais são inclusos na sigla LGBTQIA+. As letras da sigla significam “Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Trangêneros, Queers, Intersexuais e Assexuais”.
Como esta sigla não inclui todas as identidades de gêneros e orientações sexuais, existem constantes tentativas de atualizá-la. O sinal de + ou outras letras são frequentemente acrescentadas a esta sigla, visando a incluir mais facetas desta minoria.
Como orientação sexual e identidade de gênero são duas questões distintas, a comunidade LGBTQIA+ acaba tendo uma variedade de demandas e reivindicações específicas em cada um de seus subgrupos. Em comum, todos compartilham o desejo de representatividade e de serem vistos como parte normal da sociedade.
O nascimento do movimento LGBTQIA+ no Brasil e no mundo
Apesar de a orientação homossexual ser comum em várias culturas e diferentes eras, a primeira organização de direitos LGBTQIA+ documentada foi a “Society for Human Rights” (Sociedade para Direitos Humanos). Ela foi registrada por Henri Gerber, em Chicago, no ano de 1924. Nos Estados Unidos, a comunidade lésbica só veio a ser oficialmente representada aproximadamente 30 anos depois, em 1955, pela “Daughters of Bilitis” (Irmãs de Bilitis) em San Francisco.
No Brasil, entretanto, a comunidade LGBTQIA+ começou a se organizar somente na década de 1970 através de reuniões em espaços sociais como bares e clubes, nos chamados guetos. Além disso, as primeiras publicações da comunidade, como “O Lampião da Esquina”, fundado em 1978, começaram a tomar conta dos espaços fora dos guetos.
As lésbicas brasileiras começaram a participar de ”O Lampião da Esquina” já em 1979, com a publicação do artigo “Não Somos Anormais” no mesmo jornal. A primeira publicação lésbica, o jornal “Chanacomchana”, começou a circular em 1981, distribuído sem autorização no Ferro’s Bar, localizado no centro de São Paulo.
Graças ao “Chanacomchana”, o Brasil teve o que veio a ser conhecido como o primeiro grande ato de resistência da comunidade. No dia 19 de agosto de 1983, depois de serem expulsas do Ferro’s Bar por diversas vezes, as militantes lésbicas fizeram um ato político para reverter a proibição de distribuição do jornal.
Este ato foi comparado à “Revolução de Stonewall”, rebelião americana de 28 de junho de 1969 em que membros da comunidade LGBTQIA+ resistiram à atividade policial que visava a dispersar e prender membros da comunidade, incluindo drag queens e transexuais. A partir deste dia, a comunidade LGBTQIA+ americana se tornou mais disposta a militar publicamente e a reivindicar medidas contra sua criminalização e opressão.
No dia 28 de junho de 1970 as primeiras paradas LGBT aconteceram em Nova Iorque, Los Angeles e San Francisco. Esta data se tornou o “Dia Internacional do Orgulho LGBT”, em que paradas acontecendo em várias cidades do mundo. A bandeira arco-íris foi desenhada por Gilbert Baker em 1978, transformando-se no símbolo do movimento. No Brasil, a primeira “Parada do Orgulho Gay” aconteceu em 1997 em São Paulo, evento que no ano de 2006 foi oficialmente denominado a maior parada de orgulho LGBTQIA+ do mundo.
Vídeo sobre LGBTfobia no Brasil
Para compreender mais sobre direitos LGBTQIA+ e LGBTfobia, veja o vídeo que preparamos especialmente para nossos alunos:
O estigma do HIV/AIDS e seus impactos na sociedade
Enquanto no início da década de 1980 se contabilizavam mais de 20 grupos de apoio a homossexuais, em 1984 somente 4 ainda estavam ativos. Os dois principais desafios destes grupos eram a repressão da ditadura militar e a epidemia de AIDS.
Os primeiros surtos de infecção de HIV que ocorreram no início da década de 80 afetaram majoritariamente homens homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais. Num primeiro momento, a epidemia de HIV atuou como a criadora de um novo estigma para a comunidade, onde a população LGBTQIA+ era vista como transmissora de uma doença mortal e sem tratamento efetivo a longo prazo.
Integrantes de grupos LGBTQIA+ do Brasil inteiro começaram a deixar as iniciativas já estabelecidas para se juntar a projetos de combate à AIDS como o “GGB” (Grupo Gay da Bahia) e o “Triângulo Rosa” (no Rio de Janeiro).
Organização e visibilidade da comunidade
Apesar do estigma inicial causado pela epidemia de HIV/AIDS, ela contribuiu para o aumento de visibilidade da comunidade. Agências de cooperação internacional e organizações governamentais começaram a investir em associações da causa da comunidade como medida de contenção da doença.
Um dos grandes projetos iniciados na década de 80 foi a “Casa de Apoio Brenda Lee”, a qual acolhia travestis e transexuais que estavam incapacitadas de exercer suas funções normais devido ao HIV, embora não tivessem atingido ainda o ponto de hospitalização.
Estas e outras iniciativas serviram de trampolim para promover a capacitação e suporte de transexuais e travestis por todo o país. Em 1992 se forma a primeira associação de travestis do país, a “Astral” (Associação das Travestis e Liberados), a partir de um grupo de travestis que se reunia como parte do programa contra a AIDS “Saúde na Prostituição”.
Em 1995, as travestis se juntam ao movimento nacional de gays e lésbicas, e é fundada a “Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis”. Durante a Conferência Nacional GLBT de 2008 a letra T é definida como representando simultaneamente travestis e transexuais na sigla do movimento.
As reivindicações do movimento LGBTQIA+ brasileiro
Ao passo que as travestis se uniram ao movimento LGBT brasileiro já no início da década de 1990, os bissexuais começaram a ter mais voz somente nos anos 2000. Embora tenham algumas reivindicações comuns aos homossexuais, como, por exemplo, a demanda pela regulamentação da união civil ou casamento entre pessoas do mesmo sexo, este grupo apresenta um desafio diferente na sua luta por visibilidade.
A bissexualidade tende a ser vista por setores mais conservadores da sociedade como se fosse uma fase temporária ou um estado de confusão. O distanciamento da bissexualidade da imagem de promiscuidade ou indecisão é uma pauta comum para os bissexuais. Somente em 2005 a letra B foi acrescentada à sigla GLBT.
A homossexualidade é atualmente considerada crime em pelo menos 72 nações, punível com pena de morte em 8 destas. Apesar das dificuldades encontradas pela comunidade LGBT QIA+ no Brasil, tivemos várias avanços comparados a outros países.
Aqui, a atividade sexual entre indivíduos do mesmo sexo deixou de ser criminalizada desde 1830, vindo somente depois da França e da Holanda onde a homossexualidade deixou de ser crime em 1791 e 1811, respectivamente. Em contraste, em países desenvolvidos como os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália começaram a descriminalizar a homossexualidade em 1961, 1967, 1969 e 1989, respectivamente.
A união civil ou casamento entre indivíduos do mesmo sexo pode ser realizada no território de 42 países, incluindo o Brasil, e é reconhecida em outros 3. O primeiro país a implementar leis para a execução de casamento de casais homoafetivos foi a Holanda, em 2001, e tal prática passou a ser legal no Brasil em 2013.
A falta de atuação do poder Legislativo
No caso brasileiro, a legalização do casamento homoafetivo compartilha uma característica com a maioria dos outros avanços LGBTQIA+ no país: a ausência de participação do poder Legislativo. Enquanto o Congresso Nacional é a entidade responsável pela criação das leis que afetam todos os cidadãos, as pautas LGBTQIA+ têm sido constantemente ignoradas pelo legislativo brasileiro.
Um exemplo é a adição do termo “orientação sexual” em dois trechos da Constituição: nos artigos que vetam discriminação por “origem, raça, sexo, cor e idade” e que proíbem diferenças salariais por “sexo, idade, cor ou estado civil”. Este texto esteve sob discussão desde o estabelecimento da Constituinte de 1987, sem sucesso.
O casamento homoafetivo foi regulamentado nacionalmente a partir de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça. Projetos de lei para o reconhecimento da união estável e casamento entre indivíduos do mesmo sexo tem sido esporadicamente discutidos desde 1990, ainda sem resultado definitivo. A falta de leis específicas resulta em diversos exemplos de cartórios se recusando a realizar uniões entre casais do mesmo sexo, e existem alguns processos para anular casamentos homoafetivos em todo o país.
Contrário a outras jurisdições onde existem leis regulando questões como reprodução assistida (“barriga de aluguel”) ou a adoção por casais homoafetivos, no Brasil os procedimentos para reprodução assistida são regulados pelo Conselho Federal de Medicina e adoções são efetuadas à discrição dos juízes e assistentes sociais envolvidos.
Crimes motivados por homofobia ou discriminação por orientação sexual não são criminalizadas no Brasil, apesar de diversos países possuírem leis que configuram certas formas de discriminação contra LGBTQIA+ como crimes de ódio, como Canadá, Reino Unido, Espanha, Malta, Filipinas e Austrália, entre outros. Esses países seguem recomendações da Organização das Nações Unidas para o combate à discriminação contra a comunidade, compiladas no relatório “Vivendo Livres e Igualmente”, publicado em 2016.
Assim, a luta contra a homofobia no Brasil tem acontecido por poucas iniciativas governamentais, a exemplo da confecção e distribuição de um material para a discussão de questões de sexualidade e gênero nas escolas.
Essa iniciativa do poder executivo foi arquivada em 2011 após ser julgada imprópria por parte do Congresso Nacional. A falta de participação legislativa cria uma sensação de instabilidade para as pessoas LGBTQIA+, em que seus direitos não são claros para os próprios membros da comunidade.
Desafios da comunidade LGBTQIA+
Neste contexto, LGBTQIA+ brasileiros são frequentes vítimas de crimes violentos. O Grupo Gay da Bahia publica anualmente estatísticas sobre crimes motivados por homofobia. Esses relatórios incluem somente relatos da mídia sobre crimes em que existem claras evidências de motivação homofóbica ou algum tipo de violência extrema que indique discriminação por orientação sexual e identidade de gênero (como mutilações etc.).
De acordo com o relatório “Assassinato de LGBT no Brasil” de 2016, transexuais e homens gays brasileiros têm, em média, 12 a 14 vezes mais chance de serem vítimas de assassinatos do que heterossexuais.
Entre os vários desafios da comunidade LGBTQIA+ brasileira na atualidade estão reivindicações para medidas contra a violência, a regulamentação de leis anti-LGBTfobia e maior representatividade nas políticas públicas. Na contramão desta tendência, a decisão de setembro de 2017 do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, representou a volta da discussão pública sobre a visão da homossexualidade como doença.
Embora o juiz tenha afirmado que homossexualidade não é uma patologia, ele impede o Conselho Federal de Psicologia de proibir que psicólogos ofereçam serviços de reorientação sexual. Esta decisão judicial ignora que “terapia de reorientação sexual” é o jargão profissional para as populares terapias de “cura gay”, que dizem converter a orientação sexual de pessoas.
A decisão causou polêmica pois não existem quaisquer comprovações científicas de que estas terapias sejam efetivas. Pelo contrário, elas parecem ter efeitos colaterais severos incluindo aumento de ideação suicida. No ano de 2018, um projeto de lei pelo deputado federal Diego Garcia está tramitando no Congresso Nacional para retirar do Conselho Federal de Psicologia sua autonomia em promover a despatologização da homossexualidade e a proibição destas terapias de reorientação sexual. Estas medidas contrastam com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde, que desde 1990 retirou homossexualidade da sua lista de doenças.
O recente aumento em casos de HIV entre jovens LGBTQIA+ também é uma preocupação constante nesta comunidade. Entre 2011 e 2016, o número de novos casos de infecção por HIV triplicou no Brasil, com uma grande parcela dos novos infectados sendo homossexuais jovens da região Sudeste.
Como a partir de 2013 o registro de todas as infecções de HIV passou a ser obrigatório, existe um grande interesse em se entender qual parcela deste aumento é real e se deve, por exemplo, à diminuição de políticas de combate ao HIV e quanto deste fenômeno é devido ao aprimoramento no registro dos casos existentes.
Desta forma, temos um apanhado de como o movimento LGBT se estabeleceu no Brasil, várias de suas reivindicações atuais e seu papel na sociedade. Na segunda parte deste artigo, questões de gênero e direitos de transexuais e travestis serão discutidas mais profundamente.