O Humanismo foi um movimento literário que veio depois do Trovadorismo. Nessa aula, além de saber as principais características e obras do Humanismo, você vai entender como sua ideologia se tornou base para o Renascimento.
É bem provável que, quando falamos em Humanismo, você se lembre de “humano”, certo? E tem a ver? Tem sim. O surgimento do movimento está ligado à ideologia antropocêntrica (o homem é o centro). Tal ideologia, aos poucos, vai dividindo espaço com o teocentrismo (Deus é o centro) medieval.
Humanismo e Renascimento: qual a relação?
Essa nova maneira de enxergar o mundo, mais voltada ao homem e que servirá de base à Renascença, nasceu na Itália. Dentre os nomes que se destacaram nesse período, estão Dante Alighieri (1265-1321), e Giovanni Boccaccio (1313-1375). O auge do Humanismo ocorre, porém, com Petrarca (1304-1374). Ele buscou recuperar a Antiguidade, pesquisando e copiando as obras de Cícero, Virgílio e Horácio. Tinha, por isso, um grande conhecimento da antiguidade latina, como diz Attilio Momigliano, em sua História da Literatura Italiana. Quis, ainda, restaurar a ideia de um homem confiante em seu destino. Petrarca (tal qual Boccaccio e Dante, aliás) nasceu na Toscana. Não à toa Florença foi o lugar mais importante para esse período de fortes atividades culturais.
A proposta humanista, vinda da Itália, encontrou receptividade em Portugal, pois o país ibérico passava por profundas transformações. A dinastia de Avis havia assumido o poder, trazendo diversas mudanças para o país.
O infante D. Henrique, filho do D. João I, o Mestre de Avis, havia dado o pontapé inicial, em 1417. Ele fez isso para que se formasse a Escola de Sagres, um centro de pesquisa de engenharia naval. A iniciativa conseguiu reunir profissionais de diversas áreas, como astrônomos, geógrafos e matemáticos.
Surgimento do Humanismo na Literatura
Quase que paralelamente às atividades ultramarinas, foi fundada a Torre do Tombo (1418), um centro de documentação histórica. É a partir desta construção que podemos falar em uma primeira manifestação literária do Humanismo em nosso idioma.
Fernão Lopes, que havia sido designado para guarda-mor da Torre, é nomeado cronista-mor, em 1434. Suas crônicas eram regiocêntricas (o rei é o centro) e bastante vigorosas ao registrarem casos da sua época. Usando a língua portuguesa da época, arcaica, ficou para a posteridade como o primeiro historiógrafo português.
Ao longo do século XV e durante as primeiras décadas do XVI, destacaram-se, porém, duas formas literárias. São elas a poesia palaciana e o teatro de Gil Vicente.
Poesia palaciana X poesia trovadoresca
Houve um período, após o declínio do Trovadorismo, que a poesia ficou de lado em Portugal. Foi com os reis de Avis, organizadores de festas palacianas, que ela ressurge, entre os nobres. Diferentemente da poesia trovadoresca, composta de cantigas líricas e satíricas, a poesia palaciana era lida ou declamada. Outra diferença é que a simplicidade temática e estrutural dos tempos medievais ganhará novas possibilidades poéticas.
Entre os temas abordados, estão os benefícios do contato com a natureza e o deslumbramento com a vida na Corte. Também são abordadas a ganância mercantil e a obsessão em ascender socialmente. Quanto à métrica, a preferência é pelas redondilhas maior e menor, que possuem, respectivamente, sete e cinco sílabas poéticas.
A seguir, um fragmento de Francisco de Souza, presente no Cancioneiro geral, coletânea de poesia palaciana. Tal coletânea foi organizada em 1516, por Garcia de Resende. É interessante reparar que o texto, feito em redondilhas maiores, mostra a vida solitária do poeta que se isola. Aqui, o poeta tem a natureza como confidente de suas amarguras:
Em um caminho
Comecei de caminhar
um caminho povoado
por um muito claro luar,
que me fazia parar
a cada passo pasmado.
Pus os olhos nas estrelas
por não ver por onde andava:
olhando por todas elas
lágrimas tristes, querelas,
escuro tudo tornava.
O teatro no Humanismo: Gil Vicente, seus autos e farsas
A maior contribuição, entretanto, do Humanismo está no teatro, com aquele que é considerado o pai do teatro português: Gil Vicente. Sua história ainda é bastante controversa e pouca coisa se sabe ao certo sobre sua vida. No site português gilvicente.eu, Noémio Ramos fala do nascimento do dramaturgo. “Sabe-se ao certo que Gil Vicente terá nascido entre 1457 e 1467 (…), dado que a única obra conhecida em que o autor se refere a sua idade é o Auto da festa e, no momento em que apresenta a peça (Natal de 1528), ou no tempo da ação da peça (1527-1528), o autor refere que teria já passado dos sessenta anos”. Faleceu, provavelmente, em 1536. Permanecem incertos também os locais onde nasceu e morreu.
Apesar de ter tido ligação com os reis de Portugal, chegando a ser ourives (responsável pelas riquezas), suas peças eram simples. Tal simplicidade estava presente na linguagem, no cenário, no figurino, no modo como as peças são estruturadas. Neste quesito, é interessante pensar uma peça vicentina um conjunto de blocos isolados, os quais formam um todo.
Em relação aos gêneros do dramaturgo, citamos: écloga ou teatro pastoril (comédia envolvendo pastores), farsas (cotidiano da realeza ou da burguesia). Citamos, também, alegoria (personagem que representam conceitos), moralidade religiosa (peças inspiradas em passagens bíblicas). Neste último grupo, o exemplo mais conhecido é Auto da barca do Inferno, de 1517.
Auto da barca do inferno
A história, construída sobre a noção de pecado e do destino das almas pecadoras, tem como cenário um braço de mar. Nele há duas barcas: uma do Céu, comandada por um anjo, outra do Inferno, onde ficam o diabo e seu ajudante. Os comandantes esperam pelos passageiros para conduzi-los ao destino que, em vida, fizeram por merecer. Conseguem a salvação apenas Joane, um pobre ingênuo, e os quatro Cavaleiros cristão, que morreram lutando por Deus, nas cruzadas. Entre a maioria condenada, está um frade mulherengo e amante de esportes profanos. Percebe-se, aí, que Gil Vicente, mesmo abordando motivos religiosos, numa herança medieval, faz críticas à Igreja Católica.
No Brasil, pode-se dizer que Gil Vicente está presente em Ariano Suassuna. O auto da Compadecida (1955) se assemelha, em vários aspectos, ao Auto da barca do Inferno. A peça brasileira, a exemplo do que acorre na portuguesa, tem um julgamento. Certas figuras do lugarejo de Taperoá, mortas por Severino de Aracaju, cangaceiro, são postas frente-a-frente com Jesus e o Diabo. Isso ocorre para que fosse feito um levantamento de suas ações em vida. A partir daí, viria a decisão para condenar ou absolver. O diferencial é a aparição, durante o julgamento, de Nossa Senhora, a fim de interceder pelos condenados.
Videoaula
Resolva exercícios sobre Humanismo:
01) (UFPI-2006) Sobre Gil Vicente e sua obra, assinale a alternativa correta.
a) Respeita apenas o poder da Igreja.
b) Centra suas críticas nos membros das classes baixas.
c) Conserva a lei das três unidades básicas do teatro clássico.
d) Identifica suas personagens pela ocupação ou pelo tipo social de cada uma delas.
02) (UPF-2016) A charge a seguir satiriza o padrão de beleza durante o Renascimento Cultural.
Sobre o conjunto de ideias e concepções que marcaram o Renascimento, é correto afirmar:
a) As ideias dos filósofos renascentistas tornaram-se populares, influenciando movimentos revolucionários. Esses ideais seriam retomados no século XIX pelos pensadores socialistas.
b) Os pensadores do Renascimento recuperaram ideias da Antiguidade clássica, agindo de acordo com as orientações religiosas da Igreja Católica Romana.
c) A Igreja Católica, como principal compradora das obras dos artistas, se tornou uma defensora das ideias renascentistas.
d) O Renascimento contribuiu para o reforço de valores humanistas em toda a Europa.
e) O Renascimento como movimento intelectual provocou uma ruptura na Igreja, dividindo-a a partir de então em Igreja Ortodoxa e Igreja Romana.
03) (UNICAMP-2012) De uma forma inteiramente inédita, os humanistas, entre os séculos XV e XVI, criaram uma nova forma de entender a realidade. Magia e ciência, poesia e filosofia misturavam-se e auxiliavam-se, numa sociedade atravessada por inquietações religiosas e por exigências práticas de todo gênero.
(Adaptado de Eugenio Garin, Ciência e vida civil no Renascimento italiano. São Paulo: Ed. Unesp, 1994, p. 11.)
Sobre o tema, é correto afirmar que:
a) O pensamento humanista implicava a total recusa da existência de Deus nas artes e na ciência, o que libertava o homem para conhecer a natureza e a sociedade.
b) A mistura de conhecimentos das mais diferentes origens – como a magia e a ciência – levou a uma instabilidade imprevisível, que lançou a Europa numa onda de obscurantismo que apenas o Iluminismo pôde reverter.
c) As transformações artísticas e políticas do Renascimento incluíram a inspiração nos ideais da Antiguidade Clássica na pintura, na arquitetura e na escultura.
d) As inquietações religiosas vividas principalmente ao longo do século XVI culminaram nas Reformas Calvinista, Luterana, Anglicana e finalmente no movimento da Contrarreforma, que defendeu a fé protestante contra seus inimigos.
Gabarito: 01) D; 02) D; 03) C.