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Acesso desigual a creches no Brasil: entenda por que é um problema urgente

Descubra como a falta de acesso a creches impacta crianças, famílias e perpetua desigualdades no Brasil desde os primeiros anos de vida.


Enquanto algumas crianças têm creche e estímulos desde cedo, outras passam os primeiros anos sem acesso a oportunidades básicas. Essa desigualdade molda o futuro do país. Na creche, os pequenos desenvolvem habilidades cognitivas, sociais e emocionais que influenciam toda a vida. Garantir esse direito, previsto na Constituição, é uma das formas mais eficazes de reduzir desigualdades desde cedo.

O Brasil avançou: entre 2000 e 2010, as matrículas cresceram mais de 150%, e em 2022 a frequência era 3,6 vezes maior do que no início do século. Mas os números mais recentes acendem um alerta: o acesso continua desigual. Enquanto famílias com maior renda conseguem vagas, as mais pobres seguem à margem.

Quando a expansão não prioriza quem mais precisa, a creche deixa de ser instrumento de equidade e passa a reforçar desigualdades. Crianças sem acesso perdem estímulos essenciais para aprender e se desenvolver, acumulando desvantagens que pesam por toda a vida.

Pensando nisso, nesse post vamos trazer dados, causas e caminhos para pensar essa realidade, tudo para que o seu repertório sociocultural seja cada vez mais diverso e consciente.

Como está o acesso à creche no Brasil?

Apesar do crescimento de matrículas nas creches nos últimos anos, a diferença entre o acesso de crianças ricas e pobres aumentou de forma alarmante.

  • De 2016 a 2024, a taxa de matrícula entre as crianças do grupo 1 (mais ricos) saltou de 44,5% para 60%.
  • No mesmo período, entre as do grupo 5 (mais pobres), o aumento foi de 22,5% para apenas 30,6%.

A diferença entre os dois grupos, que era de 22 pontos percentuais em 2016, chegou a quase 30 pontos em 2024.

O principal motivo não é a falta de interesse dos pais pobres, mas sim a falta de vagas. Quando perguntados, o motivo “opção da família” é parecido para ambos os grupos. O verdadeiro problema é a ausência de vagas: 28,3% das crianças mais pobres não estão na creche por falta de acesso, contra apenas 6,1% entre as mais ricas.

Segundo a ONG Todos Pela Educação, em 2023, cerca de 2,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos não tinham acesso à creche. Essa situação se agrava ainda mais entre os bebês de 0 a 1 ano: somente 18,6% deles estão matriculados, e 34% dos mais pobres ficam fora por falta de vaga.

A desigualdade também é geográfica: as regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas, com as menores taxas de acesso a creches do país. Em 2022, enquanto o Sudeste tinha 41,5% das crianças de até 3 anos na creche, o Norte registrava apenas 16,6%.

Por que essa desigualdade vem aumentando?

O problema é complexo e envolve mais do que a simples falta de vagas. Entre os motivos, estão:

  • Falta de planejamento: as novas creches nem sempre são construídas em bairros onde as famílias mais vulneráveis moram.
  • Critérios de matrícula não transparentes: uma pesquisa do Banco Mundial mostrou que em mais da metade dos municípios brasileiros não existem regras claras para definir quem entra primeiro na creche, o que impede a priorização das famílias em situação de maior vulnerabilidade.
  • Obras paradas: centenas de creches iniciadas não foram concluídas por falta de repasse de recursos e burocracia, o que agrava a falta de vagas.
  • Falta de verba para manutenção: as prefeituras têm dificuldade em manter as creches funcionando, pois a maior parte do custo operacional fica a cargo dos municípios.
  • Falta de profissionais qualificados: a formação dos profissionais de educação infantil ainda é desigual, especialmente nas regiões mais pobres.
  • Desequilíbrio na expansão: quando não há um planejamento focado nas famílias mais vulneráveis, a abertura de novas vagas pode acabar beneficiando mais as classes médias do que as mais pobres, ampliando a desigualdade.

O que está em jogo?

A desigualdade no acesso à creche não é só uma questão educacional. Ela afeta várias dimensões da vida das crianças, das famílias e da sociedade como um todo. Veja os principais impactos:

Desenvolvimento das crianças

Os primeiros anos de vida são fundamentais para o aprendizado e para o desenvolvimento social e emocional. Quando uma criança não frequenta a creche, ela perde estímulos importantes, como interações com outras crianças, atividades pedagógicas e acompanhamento especializado. Essa falta de oportunidades dificulta a aprendizagem no futuro, ampliando as chances de repetir anos e abandonar a escola.

O papel das mães e o mercado de trabalho

A falta de vagas impacta diretamente as famílias, especialmente as mulheres. Sem ter onde deixar os filhos pequenos, muitas mães precisam abandonar o emprego ou reduzir a carga horária de trabalho, o que compromete a renda familiar. Em outros casos, elas acabam pagando por creches privadas, o que representa um peso enorme no orçamento das famílias de baixa renda.

Desigualdade social que se perpetua

Quando crianças pobres ficam sem acesso à creche, elas começam a vida em desvantagem. Essa diferença, acumulada desde cedo, se reflete em todo o percurso escolar e até na vida adulta, com menores chances de conseguir empregos de qualidade e uma renda melhor. Ou seja, a falta de creche reforça o ciclo da pobreza e aumenta a desigualdade social no país.

O que pode ser feito para mudar essa realidade?

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A Lei nº 14.851/2024 torna obrigatória a criação de mecanismos de levantamento e divulgação da demanda por vagas na educação infantil para crianças de 0 a 3 anos. Além disso, a Lei nº 14.685/2023 determina a divulgação de listas de espera por vagas em escolas e creches, incluindo critérios de elaboração e ordem de classificação. (Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

Algumas iniciativas já estão em andamento, mas ainda há muito a fazer para que todas as crianças tenham acesso à creche. Uma medida importante foi a aprovação de leis que obrigam os municípios a divulgar a demanda real por vagas, tornando o planejamento mais eficiente e transparente. Outra mudança relevante está no Fundeb, que agora prevê incentivos para quem reduz desigualdades, garantindo mais recursos para os municípios que mais precisam.

No campo das grandes obras, o novo PAC prevê a construção de novas creches e a retomada das obras que estavam paradas — um passo essencial para enfrentar a falta de vagas, especialmente nas regiões mais carentes. Além disso, algumas cidades já mostram que é possível avançar quando a primeira infância é prioridade. Um exemplo é Boa Vista, em Roraima, que se tornou referência nacional em políticas para crianças pequenas.

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Boa Vista é considerada modelo de cidade que investe em políticas publicas e estruturas para desenvolvimento da criança no país. Na imagem, jacaré-tinga na praça Cabos e Soldados, no Caranã, zona Oeste da cidade. (Foto: PMBV/Divulgação/Arquivo)

As experiências internacionais também trazem boas lições. Em Portugal, a política “Creche Feliz” demonstra que a universalização é possível quando existem metas claras, prazos definidos e investimento contínuo. Isso mostra que, com planejamento e compromisso, o Brasil também pode transformar essa realidade.

Autor(a) Luana Santos

Sobre o(a) autor(a):

Luana Santos - Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, é redatora com foco em educação, produção de conteúdo para o Enem e vestibulares. Atualmente, integra a equipe da Rede Enem, onde cria materiais informativos e inspiradores para ajudar estudantes a alcançarem seus objetivos acadêmicos. Ama café, livros e uma boa conversa sobre educação.  

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