Conheça a história de Dandara, Acotirene e Aqualtune, mulheres essenciais na organização e liderança do Quilombo dos Palmares.

Você provavelmente já ouviu falar da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, certo?
Mas e se eu te disser que a abolição da escravidão foi muito mais do que um simples decreto da princesa Isabel? Esse marco histórico só aconteceu depois de séculos de resistência organizada por pessoas negras que lutaram com coragem e estratégia pela liberdade.
Uma dessas resistências foi o Quilombo dos Palmares, onde mulheres incríveis como Dandara, Acotirene e Aqualtune tiveram papel essencial – mas muitas vezes deixado de lado nos livros de história.
Palmares: mais do que um refúgio

Quando a gente ouve falar do Quilombo dos Palmares, é comum pensar que era apenas um esconderijo de pessoas escravizadas fugidas. Mas Palmares foi muito mais do que isso. Foi uma sociedade completa, organizada, com estrutura política, econômica e social própria — construída por pessoas negras que se recusaram a aceitar a escravidão e decidiram viver de acordo com seus próprios valores.

Localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas, Palmares existiu por mais de cem anos, entre o final do século XVI e o final do XVII. Em vez de depender do sistema colonial, Palmares era autossuficiente: produzia seus próprios alimentos, tinha relações de troca com povos indígenas e até com algumas vilas coloniais. A organização dos mocambos (aldeias que formavam o quilombo) mostrava que ali havia planejamento e união. A Cerca Real do Macaco, por exemplo, era uma espécie de capital do quilombo, com lideranças, conselhos e decisões coletivas.
E é importante lembrar: tudo isso acontecia enquanto o restante do país estava mergulhado num sistema escravista brutal. Só o fato de existir uma comunidade negra livre, que sobrevivia fora da lógica da escravidão, já era uma ameaça ao poder colonial.
E as mulheres? Elas estavam na linha de frente
Apesar das histórias de Palmares geralmente darem destaque a líderes como Zumbi, as mulheres também foram protagonistas dessa resistência. E não só como coadjuvantes: elas lideraram, combateram, organizaram e sustentaram a vida no quilombo. Vamos conhecer um pouco melhor três dessas figuras fundamentais.
Acotirene: a matriarca estrategista
Acotirene foi uma das primeiras mulheres a exercer liderança no Quilombo dos Palmares, ainda nos seus anos iniciais, no final do século XVI. Seu papel foi fundamental para a organização e consolidação dos primeiros mocambos — agrupamentos autônomos que compunham a estrutura do quilombo.
Reconhecida como uma matriarca da comunidade, Acotirene atuava como conselheira política e líder militar, orientando estratégias de defesa e participando das decisões coletivas. Sua influência era tão significativa que um dos povoados chegou a receber seu nome, evidenciando seu prestígio dentro da sociedade palmarina.
Ela viveu em um período anterior à centralização do poder nas mãos de Ganga Zumba, e teve papel importante na estruturação da governança quilombola. Sua atuação demonstra que, desde os primórdios de Palmares, as mulheres exerciam funções centrais na organização política e na resistência armada contra o sistema escravista.
Além da liderança estratégica, Acotirene também contribuiu para a construção de uma cultura comunitária baseada em valores africanos, reforçando a identidade do quilombo e promovendo sua coesão social.
Aqualtune: princesa e guerreira
Aqualtune foi uma princesa da dinastia Nlanza do Reino do Congo e chegou ao Brasil após ser capturada na Batalha de Mbwila, em 1665, onde liderou cerca de 10 mil soldados. Após a derrota, foi escravizada e trazida para a região de Recife. Grávida, foi vendida como escrava reprodutora e enviada para uma fazenda em Porto Calvo, onde tomou conhecimento da existência de Palmares.
Sua fuga para o quilombo marca o início de sua atuação como liderança no território. Ao chegar à Serra da Barriga, Aqualtune teve sua origem real reconhecida pela comunidade e recebeu um mocambo próprio para governar, o que demonstra o prestígio atribuído à sua trajetória africana.
Além da liderança política, Aqualtune contribuiu com sua experiência militar para a organização das estratégias de defesa de Palmares. Ela também teve papel central na formação de futuras lideranças quilombolas, sendo mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi dos Palmares, duas das figuras mais conhecidas da resistência negra no Brasil.
Sua presença reforça a importância das conexões entre África e Brasil na formação dos quilombos e destaca o papel ativo das mulheres na construção e manutenção de Palmares.
Dandara: guerreira da liberdade
Dandara foi uma das principais figuras femininas do Quilombo dos Palmares no século XVII. Atuou diretamente na organização militar e na defesa do território, participando de batalhas contra as tropas coloniais e dominando técnicas de combate como a capoeira.
Além da atuação armada, teve participação ativa na vida cotidiana do quilombo, colaborando com a produção agrícola, a caça e o fortalecimento da estrutura comunitária. Dandara também se posicionou politicamente contra o tratado de paz proposto por Ganga Zumba, por considerar que ele não garantia a libertação de todos os escravizados. Ela se alinhou a Zumbi, defensor da resistência total.
Há registros que indicam que Dandara cometeu suicídio após ser capturada, para evitar o retorno à escravidão. Embora as informações sobre sua vida sejam limitadas, sua atuação em Palmares evidencia a presença estratégica e multifuncional das mulheres nas estruturas de liderança e resistência do quilombo.
Resistência que vem das raízes
As mulheres do Quilombo dos Palmares atuavam em diferentes áreas da comunidade. Além de participarem da defesa do território, eram responsáveis por transmitir saberes africanos, cuidar das plantações, preparar alimentos e manter práticas culturais vivas no cotidiano.
Elas desempenhavam papéis essenciais na preservação da identidade coletiva e na organização do quilombo. Suas atividades garantiam a sobrevivência da comunidade e a continuidade das tradições.
Além da condição de escravizadas, essas mulheres enfrentavam violências específicas ligadas ao gênero: abuso sexual, controle reprodutivo e sobrecarga de trabalho. Por isso, sua resistência era dupla — contra a escravidão e contra a opressão direcionada especialmente às mulheres negras.
O fim do Quilombo dos Palmares
A destruição de Palmares foi um processo gradual, iniciado por incursões militares que, com o tempo, se tornaram mais intensas. O quilombo foi cercado por várias frentes: uma delas envolvia o uso de tropas indígenas e de mercenários. O cerco mais crítico aconteceu em 1694, quando os portugueses, sob o comando de Domingos Jorge Velho, tomaram a última fortificação de Palmares, o Morro do Macaco, após uma batalha sangrenta.
A queda de Palmares não foi um único evento, mas uma série de investidas militares que levaram à dispersão e morte de seus habitantes. Zumbi dos Palmares, o principal líder e símbolo da resistência, foi capturado em 1695 e, após ser entregue aos portugueses, foi brutalmente executado. Sua morte marcou simbolicamente o fim do Quilombo dos Palmares, embora ainda houvesse pequenos focos de resistência por algum tempo.
Por que isso importa hoje?
Entender o papel das mulheres negras na história do Brasil é também questionar os silêncios das narrativas oficiais. É reconhecer que a luta por igualdade racial e de gênero continua. E que figuras como Dandara, Acotirene e Aqualtune seguem vivas como inspiração para quem sonha – e luta – por um país mais justo.