10 mulheres para celebrar no Dia das Mulheres Negras, Latinas e Caribenhas
Neste 25 de Julho, descubra 10 trajetórias potentes de mulheres negras que marcam a história com arte, política, literatura e luta coletiva.
Você sabia que o dia 25 de julho é um marco internacional na luta contra o racismo, o sexismo e outras formas de opressão que atingem de forma específica as mulheres negras da América Latina e do Caribe?
A data surgiu em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana. Na ocasião, mais de 300 mulheres de diferentes países se reuniram para debater pautas urgentes como pobreza, exclusão, racismo e desigualdade de gênero — questões entrelaçadas na experiência cotidiana dessas mulheres. O encontro deu origem à Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas e consolidou o 25 de julho como um dia de articulação política, memória e resistência coletiva. A iniciativa foi posteriormente reconhecida pela ONU.
No Brasil, esse marco ganha contornos ainda mais profundos. A data também homenageia Tereza de Benguela, figura histórica da resistência negra. Liderança do Quilombo do Quariterê, no atual estado do Mato Grosso, Tereza comandou por cerca de 20 anos um sistema político autônomo, com conselhos, defesa armada e economia estruturada, reunindo pessoas negras e indígenas em busca de liberdade e dignidade. Sua trajetória desafiou o sistema colonial até a destruição do quilombo em 1770 — o que não apagou seu legado. Em 2014, a Lei nº 12.987 instituiu o “Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”, reforçando o reconhecimento da sua importância histórica.
Neste texto, você vai conhecer dez mulheres negras latino-americanas e caribenhas que transformam suas realidades e inspiram outras tantas com sua força, criatividade e ousadia. Bora lá?
Preta Gil (Brasil)

Filha de Gilberto Gil, Preta construiu sua própria trajetória artística com uma voz forte e presença marcante. Sempre fez questão de afirmar sua identidade como “mulher negra, feminista, livre, bissexual, gorda, avó”, transformando sua existência em ato político. Sua presença na mídia desafia padrões estéticos e normas sociais, tornando-se uma forma poderosa de ativismo.
Foi militante incansável contra racismo, sexismo, homofobia e gordofobia. Criou o Bloco da Preta, que se tornou um dos maiores carnavais do Brasil, oferecendo espaço de acolhimento para a comunidade LGBTQIA+. Nos palcos, programas de TV e redes sociais, tornou-se instrumento real de mudança social.
Durante sua batalha pública contra o câncer, usou sua visibilidade para combater fake news, incentivar o voto consciente e alertar sobre exames preventivos. Compartilhou sua luta pessoal de forma aberta e digna, humanizando um tema difícil e evidenciando problemas na saúde pública. Ao celebrar todas as suas identidades, normalizou essas experiências para milhões de pessoas, mostrando que o ativismo pode estar presente no cotidiano.
Ana Maria Gonçalves (Brasil)

Escritora mineira que se tornou uma das vozes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Em 2025, fez história ao se tornar a primeira mulher negra eleita para a Academia Brasileira de Letras, quebrando barreiras em uma instituição historicamente conservadora e majoritariamente branca.
Sua obra mais aclamada é “Um Defeito de Cor” (2006), romance monumental considerado um dos 200 livros mais importantes para entender o Brasil. A narrativa acompanha Kehinde, uma mulher africana escravizada que luta para reencontrar seu filho perdido, inspirada na vida de Luísa Mahin, mãe do abolicionista Luiz Gama.
O livro resgata vozes silenciadas pela história, trazendo perspectiva feminina sobre escravidão e resistência. Ana Maria confronta a ideia de que figuras como Luísa Mahin são “míticas”, mostrando sua importância real na luta por liberdade. A obra recebeu o Prêmio Casa de las Américas (2007) e inspirou o samba-enredo da Portela no Carnaval de 2024, demonstrando como uma única obra literária pode reformular discursos acadêmicos e chegar ao imaginário coletivo.
Tereza de Benguela (Brasil)

Conhecida como “Rainha Tereza”, foi uma das líderes quilombolas mais notáveis do século XVIII. Após a morte de seu companheiro, assumiu a liderança do Quilombo do Quariterê, localizado na fronteira entre atual Mato Grosso e Bolívia. Durante duas décadas, comandou uma comunidade com mais de 100 pessoas, entre negros e indígenas.
Sua liderança transcendeu a resistência armada: organizou a vida política, econômica e administrativa do quilombo, criando um parlamento comunitário onde decisões eram tomadas coletivamente. O quilombo tinha economia baseada na agricultura e comércio, representando um verdadeiro projeto de liberdade e autonomia.
Tornou-se símbolo poderoso de luta contra escravidão e colonialismo, conectando o passado às lutas atuais contra racismo e sexismo. Seu modelo de liderança coletiva e construção de comunidade multiétnica é referência para movimentos contemporâneos. O reconhecimento oficial de sua memória em 25 de julho fortalece a construção de identidade coletiva e orgulho, inspirando novas gerações de mulheres negras a assumirem papéis de liderança.
Lélia Gonzalez (Brasil)

Uma das intelectuais e ativistas negras mais influentes do Brasil. Formada em História e Geografia, com mestrado em Comunicação e doutorado em Antropologia Política, dedicou a vida a denunciar racismo e sexismo como formas de violência que subalternizam mulheres negras.
Foi pioneira ao criar o primeiro curso de Cultura Negra na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, trazendo reflexões sobre contribuição africana na formação cultural brasileira – tema historicamente apagado das narrativas oficiais. Cofundou o Movimento Negro Unificado (MNU) e o Grupo Nzinga, coletivo de mulheres negras.
Entre suas obras marcantes estão “Lugar de Negro” e o artigo “Mulher negra: um retrato”, que se tornaram referências fundamentais. Desenvolveu o conceito de “amefricanidade”, destacando conexões entre experiências de mulheres negras nas Américas e Caribe, mostrando como compartilham marcas de exploração econômica, subordinação racial e opressão de gênero.
Seu trabalho demonstra como rigor intelectual pode fortalecer movimentos sociais. Ao oferecer linguagem conceitual e análise histórica profunda, capacitou mulheres negras a entenderem sua posição única na interseção de raça, classe e gênero, contribuindo para solidariedade transnacional.
Sueli Carneiro (Brasil)

Nascida em 1950, é filósofa, doutora e uma das ativistas feministas negras mais influentes do Brasil. Cofundadora e coordenadora executiva do Geledés Instituto da Mulher Negra, organização essencial na defesa dos direitos das mulheres negras.
Pioneira em criar olhar mais profundo sobre a realidade das mulheres negras no Brasil, possui vasta obra com mais de 150 artigos e livros, sendo “Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil” um dos mais conhecidos. Desempenhou papel fundamental nos debates do STF sobre constitucionalidade das cotas raciais.
Criadora do conceito de “dispositivo racial”, que analisa o racismo como algo estrutural e ideológico na sociedade brasileira, não apenas problema individual. Em 2022, recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela UnB, tornando-se a primeira mulher negra reconhecida com essa honraria pela instituição.
Sua produção intelectual transcende limites acadêmicos, sendo voz ativa em políticas públicas e marcos legais. Ao desenvolver ferramentas analíticas para expor a natureza sistêmica do racismo e sexismo, permite abordagem estrutural desses problemas. Sua participação nos debates sobre ações afirmativas no STF mostrou como teorias podem promover mudanças legais e sociais reais.
Victoria Santa Cruz (Peru)

Pensadora, coreógrafa, dramaturga e poeta peruana, foi figura-chave na revitalização da cultura negra nas Américas. Em 1958, fundou a Cumanana, primeira companhia de teatro negro do Peru, com objetivo de recuperar e dar visibilidade ao repertório cultural afro-peruano.
Seu legado artístico foi fundamental para o renascimento da cultura afro-peruana. Sua performance mais marcante, “Gritaram-me negra” (1960), é poema poderoso que explora experiências do racismo e afirmação da identidade negra. Através do teatro, buscava promover autoestima e transformar a experiência de ser negro no Peru em algo positivo e de orgulho.
Victoria entendia que o apagamento cultural era forma de violência. Ao recuperar e apresentar ativamente as formas culturais afro-peruanas, não só preservava história, mas realizava ato terapêutico para comunidade cuja herança havia sido marginalizada. Em “Gritaram-me negra”, transforma dor pessoal em afirmação coletiva de identidade, processo artístico profundamente político que desafia narrativas dominantes.
Myrlande Constant (Haiti)

Renomada artista visual haitiana, famosa por suas hipnotizantes bandeiras de Vodou adornadas com miçangas coloridas e brilhantes. Aprendeu a bordar com sua mãe e foi profundamente influenciada por seu pai, um padre Vodou e Cristão, e por Milo Rigaud, autor de livros sobre o Vodou.
Seu trabalho mistura desenhos simbólicos de espíritos feitos no chão dos templos de Vodou com cenas que reimaginam os mitos dessa religião haitiana. Suas obras abordam temas de unidade, solidariedade e comida, trwansformando-se em objetos rituais que expressam crença profunda em Deus e ancestralidade.
Em contexto onde práticas espirituais afro-diaspóricas foram historicamente marginalizadas ou demonizadas, a arte de Myrlande resgata e celebra o Vodou como sistema cultural e espiritual legítimo e vibrante. Suas bandeiras incorporam memória coletiva e resiliência espiritual, sendo manifestação tangível de tradição viva que resiste mesmo diante de legados coloniais.
Edwidge Danticat (Haiti/EUA)

Nascida em 1969 em Porto Príncipe, imigrou para os Estados Unidos aos 12 anos, experiência que teve impacto profundo em sua escrita. É uma das escritoras mais aclamadas da atualidade, oferecendo compreensão mais profunda do Haiti e das complexidades da experiência imigrante.
Explora temas multifacetados como identidade nacional, relações entre mães e filhas e questões políticas da diáspora. Suas obras incluem romances, memórias, ensaios, contos e livros infantis, revelando camadas intricadas de comunidade, família, migração, isolamento e pertencimento.
Principais obras:
- Breath, Eyes, Memory (1994): Romance selecionado para o Clube do Livro de Oprah, explora relações entre mulheres e agenda nacionalista durante regime Duvalier, além dos desafios de construir identidade diaspórica.
- Krik? Krak! (1995): Coleção de contos finalista do National Book Award, foca na experiência imigrante e realidade da vida haitiana, destacando coragem das mulheres haitianas.
- The Farming of Bones (1999): Vencedor do American Book Award, retrata massacre de trabalhadores haitianos na República Dominicana em 1937.
- The Dew Breaker (2004): Finalista do PEN/Faulkner Award, apresenta histórias que revelam eventos traumáticos da experiência haitiana.
Também escreveu memórias como “Brother, I’m Dying” (2007) e se aventurou em peças teatrais e libretos. Recebeu bolsa MacArthur “Genius” (2009), National Book Critics Circle Award (2007) e Medalha Langston Hughes (2011), entre outros reconhecimentos.
Doris Salcedo (Colômbia)

Escultora nascida em Bogotá em 1958, estudou Belas Artes na Universidade Jorge Tadeo Lozano e obteve Mestrado em Nova York (1984). Após retornar à Colômbia, lecionou e dirigiu a Escola de Artes Plásticas do Instituto de Belas Artes de Cali e na Universidade Nacional.
Sua obra explora temas de violência, memória e trauma, focando nas experiências daqueles que sofreram consequências dos conflitos armados colombianos. Para ela, a arte é ferramenta de denúncia e ativismo, buscando criar imagens poderosas que neutralizem a brutalidade visual produzida pelo conflito. Rejeita a apatia e convida espectadores a experimentar empatia.
Obras emblemáticas:
- Noviembre 6 y 7 (2002): Aborda ocupação do Palácio da Justiça em Bogotá (1985), colocando cadeiras na fachada do novo edifício para simbolizar vítimas.
- Atrabiliarios (1992-2004): Sapatos femininos fechados em nichos cobertos com membranas, simbolizando desaparecidos.
- Shibboleth (2007): Rachadura de 167 metros no chão da Tate Modern, representando fronteiras que dividem pessoas.
- Palimpsest (2013-17): Lajes de mármore onde pérolas de água formam nomes de refugiados mortos no Mediterrâneo.
Suas obras foram exibidas no MoMA, Tate Modern, Centre Pompidou e Reina Sofía. Recebeu Bolsa Guggenheim (1995), Prêmio Velázquez de Artes Plásticas (2010) e Prêmio Nasher de Escultura (2016).
Belkis Ayón (Cuba)

Gravurista, desenhista, curadora e professora cubana nascida em Havana. Iniciou estudos em artes plásticas aos 12 anos e graduou-se em Gravura pelo Instituto Superior de Arte. Aprimorou técnicas em litografia, calcografia e collografia durante residências nos EUA. De 1993 a 1998, foi professora de gravura em importantes instituições de Havana.
Sua arte aprofundou-se nas crenças religiosas afro-cubanas, focando na sociedade secreta Abakuá, grupo de ajuda mútua fundado por escravos do sudeste da Nigéria. Atraiu-se especialmente pelos mitos desse grupo, particular a história da Princesa Sikán, figura feminina vítima do sistema patriarcal. Ayón se identificava com Sikán e frequentemente representava seu próprio rosto nas gravuras.
Marcada pelo uso inovador da collografia, técnica que expandiu expressão e formato das obras. Limitou sua paleta a preto, branco e tons de cinza, escolha estética e simbólica que aprofundava impacto visual. Suas obras monumentais criam universos próprios, explorando censura, violência, intolerância e mecanismos de poder.
Obras principais:
- A Família (1991): Sikán sentada segurando peixe, com simbologias do galo (silêncio eterno) e cabra (sacrifício).
- Perfídia (1998): Retrata relato do sacrifício de Sikán, questionando não sua traição, mas o comportamento dos homens da tribo.
Não visava perpetuar o mito Abakuá, mas subvertê-lo, criando novo olhar sobre figuras femininas na iconografia religiosa. Participou da Bienal de Veneza (1993) onde recebeu prêmio internacional. Suas obras estão no MoMA, Museum of Contemporary Art Los Angeles e Museu Reina Sofía.
Desafios Persistentes
Apesar das conquistas importantes das últimas décadas, as mulheres negras da América Latina e do Caribe continuam enfrentando obstáculos profundos que têm raízes históricas. O racismo e o sexismo não ficaram no passado — apenas se adaptaram. Mesmo após a abolição da escravidão ou das independências nacionais, essas opressões seguiram operando sob novas formas, com o mesmo impacto violento.
Não se trata de casos isolados ou preconceitos pontuais. Estamos falando de engrenagens estruturais que moldam o funcionamento das sociedades latino-americanas e caribenhas. Há uma “dívida de igualdade” que nunca foi paga, sustentada por dinâmicas de poder que resistem à transformação e continuam reproduzindo desigualdades raciais, sociais e de gênero.
Violência estrutural em números
Os dados recentes no Brasil escancaram a brutalidade dessa realidade. Em 2024, os índices de estupro atingiram níveis alarmantes, com meninas negras entre as principais vítimas. E os números de feminicídio são igualmente devastadores: 61,1% das mulheres assassinadas por motivação de gênero são negras. No caso do transfeminicídio, a violência atinge ainda mais duramente — 79% das vítimas são travestis e mulheres trans negras.
A violência, no entanto, não se restringe ao extremo da morte. Em países como o Uruguai, mulheres negras enfrentam taxas de desemprego que chegam ao dobro da média nacional. Na República Dominicana, a ausência de documentos básicos ainda impede milhares de exercerem plenamente seus direitos civis. Em boa parte da região, características como o cabelo crespo ou a tonalidade da pele seguem sendo barreiras no acesso a oportunidades, especialmente no mercado de trabalho.
A necessidade de transformação estrutural
Essas desigualdades evidenciam um ponto crucial: reconhecer direitos ou criar políticas pontuais não basta quando a estrutura que produz a exclusão continua intacta. Como afirma Sueli Carneiro, é necessário ultrapassar o nível do reconhecimento formal e enfrentar de fato os alicerces do poder racializado.
A transformação exige políticas públicas com abordagem interseccional — ou seja, que levem em conta como o racismo, o sexismo e outros eixos de opressão atuam de maneira entrelaçada, ampliando a vulnerabilidade de milhões. Significa ir além das aparências e atacar as causas profundas das desigualdades, promovendo não só reparação, mas reconstrução.