Murilo Mendes: quem foi, obra e características

Estude o surrealismo na poesia brasileira e revise Literatura para arrebentar no Exame Nacional do Ensino Médio.

Quem foi Murilo Mendes

Nascido em Juiz de Fora, em 13 de maio de 1901, Murilo Monteiro Mendes foi um autor de prosa e poesia, conhecido como um dos ícones do surrealismo brasileiro. Telegrafista, auxiliar de contabilidade, notário e Inspetor do Ensino Secundário do Distrito Federal. Murilo Mendes exerceu também a profissão de escrivão na quarta Vara de Família do Distrito Federal, em 1946.

Mendes iniciou-se na literatura escrevendo nas revistas modernistas Terra Roxa, Outras Terras e em Antropofagia. Lançou-se a novos processos estilísticos realizando uma poesia de caráter mais rigoroso, utiliza a linguagem coloquial e os neologismos para compor seus textos. Prolífico escritor, Murilo Mendes publicou poemas, antologias e romances.

A obra de Murilo Mendes

O livro que inaugura a sua produção poética é Poemas (1930) livro que representa a continuação do projeto modernista da primeira fase. Assim, o texto que abre o livro, “Canção do Exílio”, evoca as paródias de Oswald de Andrade, fazendo par com realizações que são a marca registrada do Modernismo: a linguagem coloquial, o rebaixamento do modelo romântico e ufanista, a releitura carnavalizada da história do Brasil:

Canção do Exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959

O poema possui versos soltos que acompanham o andamento da fala despretensiosa e urbana, bastante visual. Além disso, Murilo assume a leitura mítica da antropofagia de Oswald de Andrade: o canibalismo, a abertura do corpo para a penetração dos elementos externos, o ato de engolir e reverter o alimento de uma forma renovada. Conjuga-se na presença de elementos culturais distintos (Califórnia, filósofos, polacos, Gioconda) que compõe um quadro da realidade moderna industrializada.

Essa poética cotidiana adapta-se sem dificuldades ao ideário antropofágico de Oswald de Andrade: O tom irreverente, a ironia, o linguajar despojado, todo em versos soltos. A poesia de Murilo, nessa fase, porta-se de modo mais engajado e social, porém com as linhas dos modernistas, mas na maneira pessoa de Murilo de entender a poesia como combinação da busca pelo cotidiano e as suas aspiração e questões espirituais e existenciais.

Procuramos mostrar que, diferentemente dos poetas católicos dos anos 1930, que apresentavam uma visão reduzida e dogmática da poesia espiritualista, Murilo Mendes conseguiu chegar a um resultado estético bastante rico, criando novos caminhos para a lírica modernista brasileira.

No mesmo ano, Murilo Mendes publica Bumba-meu-poeta (1930). Três anos depois, História do Brasil (1933), conheça um poema desse livro:

Hino do deputado

Chora, meu filho, chora.
Ai, quem não chora não mama,
Quem não mama fica fraco,
Fica sem força pra vida,
A vida é luta renhida,
Não é sopa, é um buraco.
Se eu não tivesse chorado
Nunca teria mamado,
Não estava agora cantando,
Não teria um automóvel,
Estaria caceteado,
Assinando promissória,
Quem sabe vendendo imóvel
A prestação ou sem ela,
Ou esperando algum tigre
Que talvez desse amanhã,
Ou dando um tiro no ouvido,
Ou sem olho, sem ouvido,
Sem perna, braço, nariz.

Chora, meu filho, chora,
Ante-ontem, ontem, hoje,
Depois de amanhã, amanhã.
Não dorme, filho, não dorme,
Se você toca a dormir
Outro passa na tua frente
Carrega com a mamadeira.
Abre o olho bem aberto,
Abre a boca bem aberta,
Chore até não poder mais.

Fase Católica

Em 1934, Murilo Mendes converteu-se ao Catolicismo e integrou o chamado ‘grupo de poetas religiosos’, do qual faziam parte Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, entre outros. Dessa época, a obra Tempo e Eternidade (1935), com Jorge de Lima. Nesse livro, os elementos humorísticos diminuem e os valores visuais do texto são acentuados. Veja um poema de Tempo e Eternidade:

Epifania

Eu Te procurei tal qual os três reis magos
Que caminhavam através de mares e desertos,
Até que um dia uma estrela enviada por Ti mesmo
Me trouxe até á Tua inefável presença.
Não posso Te ofertar o ouro, o incenso e a mirra.
Ofereço-Te a minha alma que Tu mesmo criaste,
Ofereço-Te a minha miséria e a minha poeira.
Suplico-Te que ilumines todos os que Te procuram
E todos aqueles que acreditam que morreste
.Ainda há muita dor, incompreensão e treva
Porque Tu ainda não deste a volta ao mundo.

“Epifania” é um termo que significa “revelação”, instante mágico onde uma verdade crucial é descoberta. Nos textos dessa época, predomina a influência dos versículos bíblicos na linguagem e até nos temas. O delírio místico é intensificado pela linguagem poética, exercida com grande apelo imagético.

Em 1938, Poesia em Pânico, o livro é uma experiência poético-celestial, onde o autor, com forte influência cubista, como nos quadros de Picasso, onde o autor desestrutura os elementos para poder então recriá-los em outra perspectiva. Um poema dessa obra:

Somos todos poetas

Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já

Na frente dos meus sucessores.
Companheiro, Eu sou tu,
sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.

In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.

Nos anos seguintes, publica O Visionário (1941), As Metamorfoses (1944), escrito sub o peso da Segunda Guerra mundial. Este livro aponta para a necessidade da poesia e da transcendência em um mundo fragilizado. O idealismo místico e o espírito romântico são mesclados à ironia e ao nonsense. O eu lírico adota um discurso messiânico e visionário.

O Poeta Futuro

O poeta futuro já se encontra no meio de vós.
Ele nasceu da terra
Preparada por gerações de sensuais e de místicos:
Surgiu do universo em crise, do massacre entre irmãos,
Encerrando no espírito épocas superpostas.
O homem sereno, a síntese de todas as raças, o portador da vida
Sai de tanta luta e negação, e do sangue espremido.
O poeta futuro já vive no meio de vós
E não o pressentis.
Ele manifesta o equilíbrio de múltiplas direções
E não permitirá que algo se perca,
Não acabará de apagar o pavio que ainda fumega,
Transformando o aço da sua espada
Em penas que escreverão poemas consoladores.
O poeta futuro apontará o inferno
Aos geradores de guerra,
Aos que asfixiam órfãos e operários.

Em Mundo Enigma (1945), o poeta apresenta influência cubista e surrealista, sobrepondo imagens e fazendo o plástico predominar sobre o discursivo. Dois anos depois, com Poesia Liberdade (1947), escrito sob o impacto da guerra, reflete a inquietação do autor diante da situação do mundo.

As lavadeiras

As lavadeiras no tanque noturno
Não responderam ao canto da sibila.
“Lavamos os mortos,
Lavamos o tabuleiro das idéias antigas
E os balaústres para repouso do mar…
Nele encontramos restos de galeras,
Quem nos desviará do nosso canto obscuro?
Nele descobrimos o augusto pudor do vento,
O balanço do corpo do pirata com argolas,
Nele promovemos a sede do povo
E excitamos a nossa própria sede…”
As lavadeiras no tanque branco
Lavam o espectro da guerra.
Os braços das lavadeiras
No abismo noturno
Vão e vêm.
In: Poesia liberdade. Rio de Janeiro, Agir, 1947.

De 1953 a 1955 percorreu diversos países da Europa, divulgando, em conferências, a cultura brasileira. Em 1957 se estabeleceu em Roma, onde lecionou Literatura Brasileira. Manteve-se fiel às imagens mineiras, mesclando-as às da Sicília e Espanha, carregadas de história.

Em 1954, saiu Contemplação de Ouro Preto, em que Murilo Mendes alterou sua linguagem e suas preocupações, reportando-se às velhas cidades mineiras e sua atmosfera. Daí por diante, Parábola (1946-1952) e Siciliana (1954–1955), publicados em Poesias (1925–1955). As características desse período atingem a sua melhor realização no livro Tempo Espanhol (1959).

As narrativas encontram a biografia do autor e refletem a riqueza de suas experiências e os cenários de suas viagens:

São João da Cruz

Viver organizando o diamante
(Intuindo sua face) e o escondendo.
Tratá-lo com ternura castigada.
Nem mesmo no deserto suspendê-lo.

Mas
Viver consumido da sua graça
Obedecer a esse fogo frio
Que se resolve em ponto rarefeito.
Viver: do seu silêncio se aprendendo.
Não temer sua perda em noite obscura.

E, do próprio diamante já esquecido,
Morrer, do seu esqueleto esvaziado:
Para vir a ser tudo, é preciso ser nada.

Em 1970, Murilo Mendes publica Convergência, um livro de poemas vanguardistas com influência do concretismo. Convergência é o último livro de poesia que Murilo Mendes publicou em vida, e é onde poeta expõe os seus muitos “murilogramas”, poema dedicados à personalidades e autores que o influenciaram, como Johann Sebastian Bach, Anton Webern. Fernando Pessoa, Oswald de Andrade e Arthur Rimbaud:

Murilograma a Cecília Meireles

Dorme no saltério; na magnólia ,
Dorme no cristal; em Cassiopéia .
Dorme em Cassiopéia; no saltério ,
Dorme no cristal ; na magnólia .
O século é violento demais para teus dedos
Dúcteis afeiçoados ao toque dos duendes :
O século, ácido demais para uma pastora
De nuvens , aponta o revólver aos mansos
Inermes no guaiar; columbrando a paz .
Armamentos em excesso, parquesombras de menos
Se antojam agora ao homem , antes criado
Para dança , alegria; ritmos de paz .

A faixa do céu glauco indica-te serena ,
Acolhe a ode trabalhada , nãogemente
Que ainda quer manter linguagem paralém .
Altas nuvens sacodem as crinas espiando
Teu sono incoativo . A noite vai inoltrada ,
Prepara úsnea de seda à ságoma da tua lira
Que subjaz no corpo interrompido , diamante
Ahimè ! mortal que os deuses reclamaram .

Dorme em Cassiopéia; no saltério ,
Dorme no cristal; na magnólia .

Roma, 1964
In: Convergência. São Paulo, Duas Cidades, 1970.

Murilo Mendes também publicou livros de prosa, como O Discípulo de Emaús (1944), A Idade do Serrote (1968), Livro de memórias e Poliedro (1972). Faleceu em Lisboa, no dia 13 de agosto de 1975, aos 74 anos de idade, deixando várias obras inéditas, publicadas postumamente na Europa e no Brasil.

Videoaula

Agora, para finalizar sua revisão sobre Murilo Mendes, veja a aula da professora Camila:

Exercícios sobre a poesia de Murilo Mendes

1- Leia o poema e assinale a opção FALSA:

O EXILADO

Meu corpo está cansado de suportar a máquina do mundo.
Os sentidos em alarme gritam:
O demônio tem mais poder que Deus.
Preciso vomitar a vida em sangue
Com tudo o que amaldiçoei e o que amei.
Passam ao largo os navios celestes
E os lírios do campo têm veneno.
Nem Job na sua desgraça
Estava despido como eu.
Eu vi a criança negar a graça divina
Vi o meu retrato de condenado em todos os tempos
E a multidão me apontando como o falso profeta.
Espero a tempestade de fogo
Mais do que um sinal de vida.

In. Murilo Mendes. Poesia em Pânico (1938).

a) o poema está em versos livres e soltos.
b) o poema carrega uma dimensão mística.
c) uma visão apocalíptica surge como um fatídico fim do sofrimento.
d) o poeta faz referência à mitologia Grega.
e) NDA.

2- (ITA-2002)

Esta terra, Senhor, me parece que, da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste ponto temos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, algumas vermelhas, outras brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muito formosa. […] Nelas até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre-Douro e Minho. […] Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-a nela tudo, por bem das águas que tem. (CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1943, p. 204.)

Carta de Pero Vaz
A terra é mui graciosa,
Tão fértil eu nunca vi.
A gente vai passear,
No chão espeta um caniço,
No dia seguinte nasce
Bengala de castão de oiro.
Tem goiabas, melancias,
Banana que nem chuchu.
Quanto aos bichos, tem-nos muitos,
De plumagens mui vistosas.
Tem macaco até demais.
Diamantes tem à vontade,
Esmeralda é para os trouxas.
Reforçai, Senhor, a arca,
Cruzados não faltarão,
Vossa perna encanareis,
Salvo o devido respeito.
Ficarei muito saudoso
Se for embora daqui.

(MENDES, Murilo. História do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 13.)

No texto de Murilo Mendes, os versos “Banana que nem chuchu”, “Tem macaco até demais” e “Esmeralda é para os trouxas” exprimem a representação literária da visão do colonizador de maneira:

a) séria.
b) irônica.
c) ingênua.
d) leal.
e) revoltada.

3- (ENEM -2001)

Murilo Mendes, em um de seus poemas, dialoga com a carta de Pero Vaz de Caminha:

“A terra é mui graciosa,
Tão fértil eu nunca vi.
A gente vai passear,
No chão espeta um caniço,
No dia seguinte nasce
Bengala de castão de oiro.
Tem goiabas, melancias,
Banana que nem chuchu.
Quanto aos bichos, tem-nos muito,
De plumagens mui vistosas.
Tem macaco até demais
Diamantes tem à vontade
Esmeralda é para os trouxas.
Reforçai, Senhor, a arca,
Cruzados não faltarão,
Vossa perna encanareis,
Salvo o devido respeito.
Ficarei muito saudoso
Se for embora daqui”.
MENDES, Murilo. Murilo Mendes —
poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

Arcaísmos e termos coloquiais misturam-se nesse poema, criando um efeito de contraste, como ocorre em:

a) A terra é mui graciosa / Tem macaco até demais
b) Salvo o devido respeito / Reforçai, Senhor, a arca
c) A gente vai passear / Ficarei muito saudoso
d) De plumagens mui vistosas / Bengala de castão de oiro
e) No chão espeta um caniço / Diamantes tem à vontade

Gabarito:

1. c
2. b
3. a

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