Pensão alimentícia: como Vale Tudo fez as buscas online aumentarem em 300%

Vale Tudo impulsiona buscas por pensão em 300%. Saiba como novelas ampliam o acesso à Justiça e servem de repertório no Enem.

Na noite de 13 de maio de 2025, uma cena da novela Vale Tudo gerou um movimento que saiu da ficção e foi direto para a vida real: 270 mil mulheres acessaram o aplicativo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em busca de informações sobre como solicitar pensão alimentícia. O motivo? A personagem Lucimar, mãe solo, decide acionar a Justiça para garantir os direitos do filho após anos sem apoio financeiro do pai da criança.

O impacto foi imediato: o número de acessos ao app cresceu mais de 300% em relação à média diária. O que parecia apenas uma reviravolta no roteiro da trama mostrou o poder de um conteúdo de massa na divulgação de direitos. E também revelou uma demanda reprimida por informação acessível sobre temas jurídicos que fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiras.

A questão da pensão alimentícia é uma das mais comuns no Judiciário brasileiro. Apesar disso, muita gente ainda tem dúvidas básicas: quem tem direito? Como entrar com o pedido? Precisa de advogado? E o que acontece se o pagamento não for feito?

Neste texto, vamos explicar como funciona o processo de pensão alimentícia no Brasil, quais são os caminhos para solicitar esse direito e por que episódios como o da novela ajudam — e muito — na popularização do acesso à Justiça.

Como funciona a pensão alimentícia no Brasil?

Antes de mais nada, vale esclarecer: pensão alimentícia não é só para crianças. O nome pode até dar a entender que se trata apenas de comida, mas, na prática, o termo “alimentos” inclui tudo que for necessário para garantir o bem-estar de quem depende financeiramente de outra pessoa — como moradia, saúde, educação, transporte, lazer e, claro, alimentação.

No Brasil, o direito à pensão alimentícia está previsto no Código Civil e pode ser solicitado sempre que houver uma relação de dependência econômica, como entre pais e filhos, ex-cônjuges e até outros parentes próximos, a depender do caso.

Quem pode pedir?

O exemplo mais comum é o de mães (ou pais) que vivem com os filhos e buscam apoio financeiro do outro responsável legal. Mas também pode haver pedidos de pensão entre ex-companheiros(as), especialmente quando uma das partes ficou em situação de vulnerabilidade após o fim do relacionamento. Em alguns casos, pessoas idosas podem solicitar pensão de filhos ou netos, se estiverem sem meios próprios de sustento.

E como é calculado o valor?

A lei não define um valor fixo, como um percentual padrão do salário, mas o entendimento mais comum é que ele seja proporcional às necessidades de quem pede e à capacidade financeira de quem vai pagar. O famoso “1/3 do salário” que muita gente repete é só uma referência informal. Na prática, o juiz avalia cada caso separadamente, ouvindo as duas partes.

Precisa de advogado?

Não necessariamente. A pessoa pode procurar a Defensoria Pública da sua cidade, que oferece orientação jurídica gratuita e pode entrar com o pedido judicial, principalmente se ela não tiver condições de pagar por um advogado particular. Também é possível fazer acordos extrajudiciais — se houver consenso entre as partes — com registro em cartório, o que dá segurança jurídica para os dois lados.

Como surgiu a pensão alimentícia?

A consolidação da pensão alimentícia no Brasil começou oficialmente com o Código Civil de 1916, que estabeleceu regras básicas para o dever de prestar alimentos, principalmente entre pais e filhos, e entre cônjuges. No entanto, o texto era mais genérico, e a aplicação ficava muito ligada ao contexto familiar tradicional. A legislação refletia a sociedade da época, marcada por valores conservadores e uma estrutura familiar rígida.

Neste código, o foco principal era a manutenção do núcleo familiar, e as obrigações alimentícias se limitavam a parentes em linha reta e cônjuges. A definição do valor e a forma de pagamento ficavam a cargo do juiz, mas sem critérios detalhados.

Com a aprovação do Código Civil de 2002, houve uma mudança significativa. A nova legislação passou a definir com mais clareza as obrigações alimentares, ampliando o alcance da pensão alimentícia e detalhando seus critérios.

Dentre os principais avanços, destacam-se:

  • Ampliação dos beneficiários: não são mais apenas os filhos menores e cônjuges que têm direito, mas também filhos maiores que comprovem incapacidade financeira, ex-cônjuges em situações específicas, e outros parentes que necessitem de apoio.
  • Critério da proporcionalidade: o valor da pensão deve considerar tanto a necessidade de quem recebe quanto a capacidade financeira de quem paga, o que traz maior equilíbrio e justiça à decisão.
  • Flexibilidade e temporalidade: o código permite que a pensão seja revisada conforme mudanças na situação econômica das partes, e reconhece que o direito pode cessar em certas condições, como a independência financeira do beneficiário.

Fatores sociais e a dinâmica familiar brasileira

Durante muito tempo, só o casamento era reconhecido como núcleo familiar válido. A Constituição de 1988 mudou esse panorama, valorizando o afeto, a igualdade e reconhecendo a união estável, famílias monoparentais, homoafetivas, entre outras. O Supremo e o STJ têm reafirmado essas mudanças, ampliando o entendimento de “família” para além dos moldes tradicionais.

Mas, apesar dos avanços legais, muitas mulheres seguem enfrentando obstáculos que impactam diretamente sua autonomia financeira — e, por consequência, sua necessidade de pensão alimentícia.

Desigualdades no mercado de trabalho (dados de 2023-2024):

  • Desemprego feminino: mulheres enfrentam taxas maiores do que os homens (9,2% contra 5,3% em 2023).
  • Diferença salarial: mulheres ganham, em média, 22% a menos que os homens — e essa diferença aumenta em cargos de liderança.
  • Informalidade: o trabalho informal atinge 41% das mulheres negras, com predominância em trabalhos domésticos.
  • Dupla jornada: mulheres trabalham mais em casa — quase 17 horas semanais, contra 11 dos homens.
  • Segregação de áreas: mulheres estão concentradas em setores como educação e saúde, com menos presença em áreas como tecnologia, onde a remuneração é mais alta.

Quais são os caminhos para solicitar a pensão alimentícia?

Solicitar pensão alimentícia é um direito previsto em lei, mas para que ele seja garantido é preciso seguir alguns passos jurídicos importantes. Entender esse processo é fundamental para quem estuda Direito de Família e também para quem quer saber como as leis protegem crianças, adolescentes e até adultos que precisam desse suporte financeiro.

Tentativa de acordo amigável

Antes de recorrer à Justiça, o ideal é tentar um acordo entre as partes envolvidas — normalmente entre o responsável que vai pagar a pensão (alimentante) e quem vai receber (alimentado). Muitas vezes, as famílias conseguem resolver essa questão de forma consensual, com o valor e a forma de pagamento combinados diretamente.

Ação judicial de alimentos

Se o acordo não for possível, o próximo passo é entrar com uma ação judicial de alimentos. Essa ação pode ser movida pelo próprio alimentado (quando maior de idade) ou por um representante legal, como um pai, mãe ou tutor, quando o beneficiário for menor de idade.

  • Petição inicial: O advogado ou defensor público vai apresentar um pedido formal ao juiz, detalhando a necessidade da pensão e as condições financeiras do responsável.
  • Audiência: O juiz marca uma audiência para ouvir ambas as partes. Nessa fase, o juiz pode tentar um acordo ou analisar as provas e argumentos.
  • Sentença: Caso não haja acordo, o juiz decide o valor da pensão, considerando o sustento do alimentado e a capacidade financeira do alimentante.

Execução da pensão alimentícia

Se o responsável não pagar a pensão fixada, a parte beneficiária pode entrar com um pedido de execução para cobrar os valores atrasados. O não pagamento pode levar a sanções legais, como:

  • Bloqueio de contas bancárias
  • Penhora de bens
  • Até prisão civil em casos mais graves

Revisão da pensão

É possível pedir a revisão do valor da pensão alimentícia caso as condições financeiras de quem paga ou de quem recebe mudem significativamente. Essa revisão também acontece por meio de ação judicial, com nova análise do juiz.

Por que episódios como os de novela ajudam na popularização do acesso à Justiça?

Quando a gente assiste a novelas, séries ou até filmes que mostram casos envolvendo pensão alimentícia, divórcio ou direitos familiares, acontece algo muito importante: essas histórias tornam o tema mais próximo da nossa realidade. Através de personagens e enredos que dramatizam situações do dia a dia, o público aprende, mesmo que sem perceber, sobre seus direitos e os caminhos legais para garanti-los.

Esse tipo de conteúdo funciona como uma “porta de entrada” para o entendimento da Justiça, porque:

  • Descomplica o tema jurídico: Ao transformar regras e procedimentos complexos em histórias humanas, facilita o entendimento do público leigo.
  • Estimula o debate: Muitas vezes, ao ver esses episódios, as pessoas passam a conversar mais sobre o assunto, buscando informações reais e orientação.
  • Mostra a relevância social: Revela como o acesso à Justiça impacta vidas reais, mostrando que a lei está ao alcance de todos, não é algo distante ou inacessível.

A relação com o Enem

No Enem, é comum que temas sociais e direitos humanos sejam abordados tanto na prova de Ciências Humanas quanto na redação. Entender como a cultura popular contribui para a conscientização jurídica pode ser um diferencial para:

  • Análise crítica: Compreender o papel da mídia na formação da opinião pública ajuda a construir argumentos sólidos e contextualizados.
  • Produção de texto: Em uma redação, você pode exemplificar como a popularização do direito por meio de novelas e séries reforça o acesso à cidadania e à Justiça social, conectando ao tema proposto.
  • Interdisciplinaridade: Temas de sociologia, direito e comunicação aparecem juntos, e saber como relacioná-los mostra maturidade no raciocínio.

Portanto, acompanhar essas produções não é só entretenimento — é também uma forma prática de se preparar para discutir temas importantes que caem no Enem, ampliando seu repertório cultural e crítico.

Sobre o(a) autor(a):

Luana Santos - Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, é redatora com foco em educação, produção de conteúdo para o Enem e vestibulares. Atualmente, integra a equipe da Rede Enem, onde cria materiais informativos e inspiradores para ajudar estudantes a alcançarem seus objetivos acadêmicos. Ama café, livros e uma boa conversa sobre educação.  

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