Marco Temporal: o que é e como afeta os povos indígenas

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, vamos abordar o Marco Temporal e seus impactos para essa população no Brasil. Entenda o que é, suas consequências e a situação atual da tese no STF.

Você já ouviu falar sobre o Marco Temporal? Essa expressão, que tem ganhado cada vez mais destaque nos debates sobre os direitos dos povos indígenas no Brasil, parece bastante complexa à primeira vista, mas suas implicações são concretas e afetam diretamente a vida de milhares de pessoas.

Imagine ter a sua casa, onde você nasceu e cresceu, ameaçada de ser tomada. Agora, pense que essa casa seja a terra onde seu povo vive há séculos, onde estão enterrados seus ancestrais e onde sua cultura se manifesta em cada canto. 

Essa é a realidade que os indígenas vêm enfrentando com a discussão sobre o Marco Temporal. E é sobre isso que vamos falar hoje! 

Povos indígenas no Brasil

O Brasil abriga uma das maiores diversidades culturais do mundo, e os povos indígenas são o pilar fundamental dessa riqueza

Conforme o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena do Brasil alcançou 1.693.535 pessoas em 2022, correspondendo a 0,83% da população total. No Censo de 2010, o número de indígenas registrado era de 896.917. 

A comparação dos dados indica um crescimento de 88,82% em 12 anos, dobrando o número de indígenas no país. No mesmo período, o crescimento da população geral foi de 6,5%. 

Há pouco mais de 10 anos, os indígenas estavam divididos em 305 etnias e comunicavam-se em 274 línguas diferentes.

Videoaula sobre povos originários e tradicionais

Nesta aula, o professor Fábio Luís Pereira te ensina a distinguir os povos originários e os povos tradicionais, com conceitos que são essenciais para a compreensão da temática da diversidade e do respeito à diferença.

O que é o Marco Temporal? 

O Marco Temporal se refere a uma tese jurídica que estabelece um limite temporal para a demarcação de terras indígenas, propondo que apenas as terras ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, poderiam ser reivindicadas.

A Constituição Federal, em seu artigo 231, reconhece o direito originário dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Esse direito é anterior à própria formação do Estado brasileiro e se fundamenta na ancestralidade e na relação intrínseca desses povos com seus territórios.

A tese do Marco Temporal, por sua vez, contrapõe-se ao conceito de indigenato, que reconhece a posse permanente das terras pelos povos indígenas, independente da data de ocupação. 

Essa divergência tem gerado intensos debates e mobilizações, tanto no âmbito jurídico quanto no social.

Um caso emblemático que serve como parâmetro para a discussão do Marco Temporal é o dos povos Xokleng em Santa Catarina. 

Devido a um longo processo de violência e extermínio, iniciado ainda no período colonial, os Xokleng foram forçados a abandonar suas terras ancestrais. 

A tese do indigenato argumenta que a expulsão desses povos foi um ato injusto e que eles devem ter o direito de retornar às suas terras de origem.

A decisão sobre o Marco Temporal terá impactos sobre a vida de milhares de indígenas e sobre o futuro da demarcação de terras no Brasil. 

A questão central é se a demarcação deve se basear em um momento histórico específico ou se deve considerar a trajetória histórica dos povos indígenas, tão marcada por violências, genocídio e despossessão.

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Consequências do Marco Temporal para os povos indígenas

A proposta do Marco Temporal, que condiciona a demarcação de terras indígenas à comprovação de ocupação contínua desde 1988, é uma ameaça aos direitos territoriais desses povos. 

Atualmente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) é responsável por conduzir os estudos técnicos e legais para a demarcação de terras indígenas, e a homologação final é de responsabilidade do Presidente da República.

Com a implementação do Marco Temporal, o processo de demarcação se tornaria mais complexo e burocrático, exigindo dos povos indígenas a comprovação de uma ocupação física ininterrupta há mais de três décadas. 

Essa exigência é considerada inviável por muitos especialistas e líderes indígenas, uma vez que desconsidera a história de violência e deslocamento forçado que muitos povos indígenas sofreram ao longo dos séculos.

A única exceção prevista no Marco Temporal diz respeito aos casos em que houver provas de conflitos pela terra antes de 1988. No entanto, essa exceção não é suficiente para garantir a proteção dos direitos territoriais, já que muitos conflitos não deixaram registros formais.

Líderes indígenas, como Ailton Krenak, alertam para as graves consequências do Marco Temporal, que vão além dos direitos territoriais. 

Segundo Krenak, a aprovação dessa tese representaria um retrocesso histórico e um ataque à diversidade cultural do país. A imposição de limites temporais à demarcação de terras indígenas também incentiva a invasão desses territórios e a exploração de seus recursos naturais.

A proposta do Marco Temporal contradiz o princípio constitucional que reconhece o direito originário dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 

A limitação da demarcação ignora a importância desses territórios para a preservação da biodiversidade e para a manutenção dos modos de vida tradicionais dos povos indígenas.

Videoaula sobre indígenas e o cristianismo no Brasil

Apropriação cultural, demarcação de territórios, religião: todos esses tópicos estão relacionados com a cultura indígena e sua relação com o espaço territorial brasileiro. Aperte o play e assista à aula do professor Alan sobre o assunto.

Argumentos a favor e contra o Marco Temporal

A discussão sobre o Marco Temporal polariza opiniões e mobiliza diferentes setores da sociedade. É importante destacar que, entre os que apoiam a tese, os ruralistas são maioria. 

Argumentos a favor 

  • Segurança jurídica e propriedade privada: defensores do Marco Temporal argumentam que a tese proporciona maior segurança jurídica para os proprietários de terras, evitando conflitos e invasões. Eles também alegam que a demarcação de novas terras indígenas prejudicaria o desenvolvimento econômico do país e os direitos de outros cidadãos.
  • Limitação da expansão das terras indígenas: os defensores da tese afirmam que o número de terras indígenas no Brasil já é excessivo e que a demarcação de novas áreas prejudicaria a atividade agrícola e pecuária, setores importantes para a economia nacional.
  • Cumprimento da Constituição: segundo os defensores da tese, o Marco Temporal estaria em conformidade com a Constituição Federal, que estabelece que os indígenas têm direito às terras que tradicionalmente ocupam. No entanto, argumentam que a ocupação tradicional deve ser comprovada até a data da promulgação da Constituição.

Argumentos contrários à tese

  • Violação dos direitos indígenas: os opositores ao Marco Temporal argumentam que a tese viola os direitos constitucionais dos povos indígenas, que têm direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independente da data de ocupação.
  • Desconhecimento da história indígena: críticos afirmam que a tese desconsidera a história de violência e despossessão sofrida pelos povos indígenas, que foram forçados a abandonar suas terras em diversas ocasiões ao longo dos séculos.
  • Impactos ambientais e sociais: a aprovação do Marco Temporal poderia intensificar os conflitos no campo, aumentar a violência contra os povos indígenas e acelerar a destruição de biomas como a Amazônia.
  • Inviabilidade da comprovação da ocupação: muitos povos indígenas não possuem documentos que comprovem a ocupação de suas terras antes de 1988, devido à falta de registro formal e à violência sofrida ao longo da história.

Marco Temporal volta a ser discutido no STF

No dia 5 de agosto, a questão do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas voltou a ganhar destaque no cenário jurídico brasileiro, com a realização de uma reunião na Suprema Corte para discutir a constitucionalidade da Lei 14.701/2023. 

Essa lei, que foi parcialmente vetada pelo presidente da República e posteriormente aprovada pelo Congresso Nacional, incorpora a tese do Marco Temporal, estabelecendo que os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam de forma contínua em 5 de outubro de 1988.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) se posiciona contra a lei, argumentando que ela viola os direitos constitucionais dos povos indígenas e dificulta a implementação da política indigenista. 

Entenda quais são os principais pontos de contestação da Funai:

  • Marco Temporal: a exigência de comprovação da ocupação contínua em 1988 é considerada injusta, pois desconsidera a história de remoções forçadas e a falta de documentação de muitos povos indígenas.
  • Revisão de limites: a lei impede a revisão de limites de terras indígenas, o que dificulta a correção de históricos erros na demarcação e a garantia da proteção territorial dos povos indígenas.
  • Consulta aos povos indígenas: a lei fragiliza o direito de consulta aos povos indígenas, previsto na Constituição Federal e em tratados internacionais.
  • Procedimentos burocráticos: a lei impõe novos requisitos burocráticos ao processo de demarcação, tornando-o ainda mais lento e complexo.

A importância das terras indígenas

A Funai e os povos indígenas defendem que as terras indígenas são fundamentais para a preservação da biodiversidade e para a manutenção dos modos de vida tradicionais. 

As áreas demarcadas atuam como cinturões de proteção ambiental, contribuindo para a conservação da floresta e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

A aprovação da tese poderia levar à perda de territórios tradicionais, à intensificação dos conflitos no campo e à violação dos direitos humanos dos povos indígenas.

Como a Funai vem combatendo o Marco Temporal no STF

A Funai tem empreendido diversas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de reverter os efeitos da Lei 14.701/2023, que instituiu a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. 

A principal estratégia da Funai consiste em contestar a constitucionalidade de diversos dispositivos dessa lei, argumentando que eles violam os direitos dos povos indígenas e a Constituição Federal.

  • Ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs): a Funai tem acompanhado de perto as ADIs já existentes no STF e fornecido informações técnicas e jurídicas à Advocacia-Geral da União (AGU) para embasar as argumentações contra a lei.
  • Tema 1031: a Funai utilizou o Tema 1031, que já estava em trâmite no STF e trata da demarcação de terras indígenas, para solicitar o julgamento das inconstitucionalidades da Lei 14.701/2023. Ao relacionar a nova lei com o tema já em discussão, a Funai busca uma análise mais abrangente e rápida da questão.
  • Pedido de reconhecimento de inconstitucionalidade: a Funai também solicitou ao STF o reconhecimento da inconstitucionalidade de todos os dispositivos da lei que, em seu entendimento, violam a Constituição Federal e os direitos dos povos indígenas.

Como vimos, a discussão sobre o Marco Temporal revela a complexidade da questão indígena no Brasil. A tese coloca em risco a sobrevivência cultural e territorial de diversos povos, exigindo uma urgente revisão da legislação e políticas públicas.

A luta contra o Marco Temporal é também uma luta pela justiça social e ambiental. A decisão do STF sobre essa questão terá um impacto duradouro nas próximas gerações, definindo se o Brasil será um país que respeita a diversidade cultural e a ancestralidade dos povos indígenas ou se seguirá pelo caminho da exclusão e desigualdade.

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