Os Jesuítas no Brasil e a catequização dos povos indígenas

Os padres da ordem da Companhia de Jesus vieram ao Brasil com o objetivo de catequizar os povos indígenas. Suas ações foram do século XVI até o XVIII., quando os Jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal. Confira!

Os membros da Companhia de Jesus  tiveram uma participação muito relevante no projeto português de colonização do Brasil. Os Jesuítas seriam os responsáveis pela cristianização dos povos nativos e, assim, ajudariam a justificar a presença europeia na América.

No entanto, eles impuseram uma cultura que acabou destruindo o modo de vida de vários povos indígenas. Além disso, os religiosos estavam em conflito constante com os colonos. Entenda como foi a presença dos jesuítas no Brasil colonial.

Contextualizando a presença da Igreja na colonização

A colonização pode ser resumida como o esforço dos Estados absolutistas europeus de explorar os recursos, trabalho e riquezas em outros continentes com vistas à acumulação financeira.

Tal processo contou com a devastação dos biomas, das populações nativas e com o trabalho compulsório submetido aos povos dominados. Essas práticas ocorreram entre os séculos XV e XIX na América, e se estenderam até o século XX, dessa vez na África e na Ásia.

A prática de colonização já ocorria desde a Antiguidade, no entanto, é na modernidade que ela se torna massivamente expansionista. É neste mesmo período que tem início o capitalismo, sob a forma do mercantilismo.

A acumulação de metais preciosos, seja por extração ou por um comércio vantajoso, fez as coroas europeias disputarem entre si o domínio sobre diversos territórios.

E para que uma metrópole pudesse confirmar seu domínio nas colônias, precisavam lidar com as populações nativas. E é aí que a Igreja começava a fazer parte dessa história.

A primeira missa no Brasil - jesuítas
A primeira Missa no Brasil, quadro de Victor Meireles, 1860. A representação, ainda que posterior ao período do Brasil colonial, evidencia a importância atribuída ao papel da igreja no processo colonizador.

O controle da Igreja na colonização

Qualquer regime ou controle que uma instituição deseje perpetuar não pode contar apenas com práticas opressivas. Toda forma de poder precisa ter um grande grau de aceitação, ou pelo menos justificativas com o status de “verdade”, por aqueles que se deseja dominar.

O filósofo francês Michel Foucault ressaltou em sua obra como o saber e o poder estão intimamente relacionados nesse sentido.

Desta forma, a Igreja Católica funcionou exercendo este papel justificador e controlador do processo colonial. Da mesma forma como na Europa Ocidental na Idade Medieval, nas colônias era o clero quem justificava a autoridade do governo e educava as almas. Além disso, sua catequese se estendeu aos povos nativos.

Uma instituição que merece destaque nesse processo é a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola durante o processo de contrarreforma da Igreja Católica.

Os jesuítas, como ficaram conhecidos os sacerdotes que atuavam nesta ordem eclesiástica, assumiam o papel de catequizadores no novo mundo.

Mandou bem a professora Ana Peron neste resumo. Vale a pena ver de novo antes de continuar com a aula escrita.

Jesuítas no Brasil

Os padres jesuítas chegaram no Brasil pela primeira vez em 1549. No início vieram só Manuel da Nóbrega e outros 6 padres sob seu comando. Mais tarde, em 1553, veio mais uma leva junto com Duarte da Costa, que seria o próximo governador-geral.

Eles se estabeleceram na Bahia, onde construíram uma igreja e a sede da Companhia de Jesus no Brasil. Dali partiram para outras regiões do litoral para cumprir o seu objetivo de catequizar os povos indígenas.

Muitas vezes, desbravavam regiões que ainda eram desconhecidas para os portugueses e entrando em contato com os indígenas que ali viviam.

Os jesuítas e a língua geral

No entanto, os jesuítas encontram dificuldades desde o início, pois não conheciam as línguas faladas pelos povos nativos, nem suas culturas. Por isso, trataram de aprender alguns dos idiomas. Os principais deles foram o tupi-guarani e o tupinambá, que eram de etnias diferentes.

Foi com base nessas duas línguas que os padres jesuítas desenvolveram a chamada “língua geral”. Ela ainda possuía elementos do português, do espanhol e de línguas africanas.

Por volta de 1555, o padre José de Anchieta – que também é um dos autores do Quinhentismo – compôs uma gramática para a língua tupi, que era a mais falada no litoral do Brasil. Esse fato contribuiu para a língua geral se tornar mais popular.

José de Anchieta - jesuítas
Representação de José de Anchieta, quadro de 1902. Fonte: https://bityli.com/7LT4t

Dessa forma, aprender a língua geral passou a se tornar um requisito obrigatório para os jesuítas no Brasil, pois só assim conseguiriam se comunicar com os indígenas.

Vertentes da língua geral

Com o tempo, a língua geral passou a ter duas vertentes: uma mais falada no Sul da colônia e outra mais popular na região amazônica. A primeira foi amplamente difundida pela ação dos bandeirantes. Em algumas regiões era mais falada até do que o português.

É por causa dela que temos tantos acidentes geográficos e cidades que receberam nomes indígenas. Apesar de ter sido proibida pelo governo português em 1750, percebemos sua influência até hoje em dialetos de regiões como o interior de São Paulo.

A vertente amazônica da língua geral também é conhecida como nheengatu (língua boa). Apesar do nome ter uma conotação positiva, os jesuítas a transformaram em um instrumento de dominação.

Os padres impuseram o nheegatu em todas as suas missões, obrigando os indígenas a abandonarem seus idiomas originas. Assim, inúmeras línguas nativas acabaram se perdendo.

Assim como a língua geral do Sul, o nheengatu também foi proibido pelos portugueses. Entretanto, até hoje é possível encontrar falantes do idioma.

Jesuítas versus colonos

Apesar da importância que os jesuítas tiveram na execução do projeto colonial, eles possuíam estratégias bem diferentes dos colonos. Enquanto os religiosos entendiam que os indígenas deveriam ser catequizados, o plano dos colonizadores era de escravizá-los.

Durante o século XVI, os jesuítas acabaram perdendo esse embate. No entanto, a partir do século seguinte começaram a levar os aldeamentos para longe dos núcleos coloniais. Assim, era mais difícil capturar os indígenas aldeados.

Além disso, realizaram esforços para convencer que a cristianização era um projeto mais importante e que deveria ser realizado antes da escravidão. Dessa forma, conseguiram várias leis que proibiam o cativeiro indígena.

Apesar das aparentes “boas intenções”, os jesuítas sempre foram a favor da escravização de africanos. Somente recomendavam que fossem tratados com brandura e recebessem instrução cristã. Por isso, conseguiram conciliar seus interesses com o projeto colonial.

Missões jesuíticas ou aldeamentos

A estratégia inicial dos jesuítas de irem até as aldeias indígenas e lá se instalarem acabou se mostrando ineficaz. Além de enfrentarem resistência de lideranças religiosas, algumas vezes chegaram a ser mortos por alguns povos.

Foi então que entraram em cena as missões ou aldeamentos. Eram espécies de aldeias comandadas pelos jesuítas e que tinham o objetivo de substituir as aldeias originais. Assim, pessoas de diferentes etnias eram capturadas e reunidas nos aldeamentos para serem catequizadas.

Aldeamento jesuíta
Representação de uma missão jesuítica. Fonte: https://bit.ly/2N6ONg2.

Além de serem orientados a levarem uma vida cristã,  os indígenas eram preparados para trabalharem com agricultura e artesanato. Dessa forma, passariam a fazer parte da população considerada produtiva. Tudo fazia parte do projeto de converter os “gentios” (pagãos) em indivíduos da sociedade cristã.

Mas as tentativas de conversão não foram facilmente aceitas, principalmente entre os mais velhos. Por isso, o foco passou para as crianças, que ainda não conheciam tão bem as tradições de suas famílias e acabavam oferecendo menor resistência.

Entre as técnicas de catequização estavam espécies de misturas entre tradições cristãs e nativas. Os padres ensinavam o padre-nosso em estilo de canto indígena, por exemplo. Também se utilizavam de instrumentos musicais tradicionais e até encenavam peças teatrais que mesclavam elementos indígenas e europeus.

A catequização indígena foi proibida no Brasil somente em 1750, com as medidas do Marquês de Pombal. Isso não significa que esse regime acabou, apenas tornou-se menor e ficou mais restrito a regiões remotas.

A catequização jesuítica teve fim somente em 1751, quando os jesuítas foram expulsos do Brasil como uma das medidas das reformas do Marquês de Pombal.

As consequências dos aldeamentos

Para a grande maioria dos povos nativos, os aldeamentos significaram a fragmentação de seu estilo de vida. Muitos povos viviam de forma nômade ou seminômade e, de repente, tiveram que viver de forma sedentária.

Hábitos como poligamia e antropofagia, como você deve imaginar, eram totalmente condenados. Perdiam sua liberdade de movimentação, de trabalho e até mesmo sua lógica de tempo.

Além disso, houve vários casos em que povos rivais eram colocados sob o mesmo aldeamento, o que ocasionava conflitos. Isso sem falar nas mortes causadas por doenças trazidas pelos portugueses, como rubéola, tuberculose e varíola.

Resistência indígena contra a catequização jesuítica

Contudo, não se deve assumir que este processo de doutrinação foi algo fluído e contínuo. O processo colonizador foi violento, mesmo que os jesuítas procurassem garantir a aceitação da presença europeia entre as diversas nações indígenas.

Aqui podemos lembrar de outra noção amplamente trabalhada por Foucault e seus estudiosos: de que onde há exercício de poder, também haverá resistência a este poder.

Hoje vivemos em um mundo em que se sabe da existência de incontáveis religiões e o fato de alguém se assumir como ateu não acarreta mais em penalidades – pelo menos no sentido jurídico do termo.

Entretanto, no período colonial, a religião era um aspecto elementar do indivíduo. O poder dos nobres sobre os vivos tinha como última garantia o uso da violência física. Caso se quisesse afrontar a autoridade do criador do mundo e seus porta-vozes, o assunto tornava-se mais sério.

Converter-se ao cristianismo era mais do que mudar de religião. Era abdicar da concepção de universo da qual as gerações indígenas estiveram inseridas há séculos. Os nomes, as entidades e as autoridades indígenas eram substituídas por nomes, entidades e autoridades cristãs.

Sua forma de se vestir, sua língua e seus comportamentos também mudaram profundamente. Todas essas imposições não foram recebidas sem contestações, provocando diversos conflitos e fazendo com que diversos grupos indígenas migrassem para o interior do continente.

No entanto, como já mencionado em nosso texto sobre sincretismo religioso, nenhuma imposição cultural/religiosa ocorre sem sofrer transformações.

Os indígenas e populações negras que sofreram com a pressão das instituições colonizadoras europeias acabaram apropriando-se das novas noções impostas modificando-as em sua própria perspectiva de mundo.

Além das representações dos orixás, como mencionado no texto anteriormente referenciado, a padroeira do México, Nossa Senhora de Guadalupe, é fruto do sincretismo religioso entre catolicismo e entidades de origem indígena.

Exercícios sobre os Jesuítas no Brasil.

01 – (UFG GO/2004)

Com a conquista da América espanhola, a Igreja Católica impôs aos povos conquistados os referenciais simbólicos cristãos. Essa imposição religiosa resultou na transformação dos valores culturais dos povos conquistados, que pode ser identificada na:

a) projeção do imaginário da Reconquista Ibérica (processo de expulsão dos sarracenos) que concebe os ameríndios como mouros infiéis na América.

b) adoração dissimulada de deusa asteca no culto à Nossa Senhora de Guadalupe, atual padroeira do México.

c) reformulação das idolatrias indígenas associadas às práticas antropofágicas e à invocação do diabo pela Igreja Católica.

d) conversão dos sacerdotes indígenas aos ensinamentos evangélicos como condição da sua permanência na liderança espiritual.

e) aceitação dos valores cristãos trazidos pelos missionários e pelo colonizador, como forma de garantir a sobrevivência cultural.

02 – (UFPR/2020)

Aqui no Brasil tratou-se desde o início de aproveitar o índio, não apenas para obtenção dele, pelo tráfico mercantil, de produtos nativos, ou simplesmente como aliado, mas sim como elemento participante da colonização. Os colonos viam nele um trabalhador aproveitável; a metrópole, um povoador para a área imensa que tinha de ocupar, muito além de sua capacidade demográfica. Um terceiro fator entrará em jogo e vem complicar os dados do problema: as missões religiosas.

(PRADO JÚNIOR, Caio. A formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1963, p. 91.)

Baseando-se no trecho acima sobre o trabalho indígena no Brasil Colônia, assinale a alternativa correta.

a) Os indígenas serviram como um elemento ativo e fundamental na colonização da região Nordeste, enquanto na região Centro-Sul sua mão de obra foi utilizada de maneira escassa.

b) Os jesuítas segregavam os indígenas em aldeias, para evitar a escravização da mão de obra nativa durante a colonização portuguesa.

c) Os colonizadores espanhóis, ao contrário dos portugueses, não utilizaram a mão de obra indígena, constituindo uma sociedade baseada na colonização de povoamento.

d) O tipo de trabalho executado pelos indígenas era bastante rudimentar, e a dependência da metrópole em relação a essa mão de obra provocou atraso econômico e cultural para a colônia brasileira.

e) Com o início do tráfico de escravos africanos, a mão de obra indígena deixou de ser utilizada no processo de colonização.

03 – (PUCCamp SP/2019)

Esta virtude estrangeira

Me irrita sobremaneira.

Quem a teria trazido,

com seus hábitos polidos

estragando a terra inteira?

Só eu

permaneço nesta aldeia

como chefe guardião.

Minha lei é a inspiração

que lhe dou, daqui vou longe

visitar outro torrão.

Quem é forte como eu?

Como eu, conceituado?

Sou diabo bem assado.

A fama me precedeu;

Guaixará sou chamado.

(Adaptado de: ANCHIETA, José de. Segundo Ato do “Auto de São Lourenço”. p. 5.

Disponível em: www.virtualbooks.com.br)

[Peça destinada à catequese, traz como um dos personagens o chefe tamoio Guaixará, que realmente existiu e lutou ao lado dos franceses em 1560, na guerra da Guanabara.]

A catequese no território brasileiro, durante o período colonial, valeu-se de referências da cultura indígena para facilitar a comunicação, como se nota no excerto da obra de José de Anchieta. Corresponde a esse aspecto do processo colonizatório,

a) a imposição, em todos os núcleos colonizadores, de uma “língua geral” criada pelos jesuítas a partir da fusão do português e do latim.

b) a criação de missões jesuíticas a modo de aldeias indígenas, preservando a autoridade dos caciques e pajés.

c) o surgimento da chamada arte missioneira, na qual se destacam as esculturas católicas com feições indígenas.

d) a adesão dos índios convertidos à Guerra Santa, uma vez que as práticas religiosas indígenas foram rapidamente substituídas pelas católicas.

e) o uso, pelos jesuítas, de formas de escrita indígena no processo de alfabetização desenvolvido nas aldeias.

Gabarito
  1. B
  2. B
  3. C

Sobre o(a) autor(a):

Os textos acima foram preparados pelo professor Angelo Antônio de Aguiar. Angelo é graduado em história pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestrando em ensino de história na mesma instituição e dá aulas de história na Grande Florianópolis desde 2016.

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