O Carnaval, uma das maiores festas populares do mundo, é uma manifestação cultural de grande importância histórica, social e econômica. Embora seja frequentemente associado a festividades europeias, sua construção, especialmente no Brasil, está profundamente enraizada na cultura negra. Mais do que uma simples celebração, o Carnaval se consolidou como um espaço de resistência, expressão cultural e afirmação identitária.
Além de seu impacto social e cultural, o Carnaval também se destaca como um dos principais motores econômicos do Brasil e de diversas outras nações que celebram a festa. Seu significado vai muito além da música e da dança: o Carnaval é um fenômeno que reflete as dinâmicas sociais, os desafios históricos e as conquistas das populações marginalizadas.
As origens do Carnaval remontam a tempos antigos, quando diversas civilizações promoviam festivais dedicados à renovação, à fartura e à liberdade. Os romanos, por exemplo, realizavam as Saturnais, festas dedicadas ao deus Saturno, marcadas pela inversão de papéis sociais, banquetes públicos e momentos em que até os escravizados recebiam permissão para participar da celebração.
Já os gregos tinham os Bacanais e as Dionisíacas, festivais em homenagem a Dionísio, o deus do vinho e da fertilidade, caracterizados pelo excesso e pela suspensão temporária das normas sociais.

Com a ascensão do Cristianismo, muitas dessas festividades pagãs foram adaptadas e incorporadas ao calendário litúrgico. O Carnaval passou a ser reconhecido como um período de festividades antes da Quaresma, um tempo de penitência e abstinência para os cristãos. Na Idade Média, as celebrações carnavalescas ganharam popularidade em diversos países europeus, com a inclusão de desfiles de máscaras, danças e música.
Contudo, foi durante o período colonial, especialmente no Brasil e no Caribe, que o Carnaval assumiu a forma vibrante e plural que conhecemos hoje. A presença das populações africanas, trazidas à força e escravizadas, foi determinante para a transformação da festa, tanto no aspecto musical quanto na sua própria simbologia.
Os povos africanos que chegaram ao Brasil possuíam uma rica herança cultural, incluindo ritmos musicais, danças vibrantes, manifestações religiosas e formas próprias de celebração. Mesmo sob condições extremamente adversas impostas pela escravidão, muitas dessas tradições foram preservadas e, posteriormente, mescladas a elementos das festas europeias.
No Brasil do século XIX, o Entrudo – uma festa carnavalesca popular entre as camadas mais pobres – começou a ser apropriado e ressignificado pelas comunidades negras. Essa apropriação incluiu a introdução de tambores, ritmos sincopados e danças de origem africana, que gradualmente moldaram o que viria a ser o samba, um dos maiores símbolos do Carnaval brasileiro.
Com a abolição da escravidão em 1888, a população negra enfrentou desafios severos de exclusão social e econômica, mas encontrou no Carnaval um dos seus espaços de expressão e resistência.
As primeiras escolas de samba surgiram no início do século XX, principalmente nos bairros operários do Rio de Janeiro, organizadas por negros e trabalhadores da classe popular. Rapidamente, essas escolas se tornaram protagonistas da festa, trazendo narrativas que exaltavam a história afro-brasileira e denunciavam as injustiças sociais.
Além do Brasil, o Caribe também testemunhou o protagonismo negro no Carnaval. Em países como Trinidad e Tobago, a festa serviu como ferramenta de resistência contra a dominação colonial britânica. Os ex-escravizados criaram expressões artísticas como o Calypso e o J’ouvert, ambos carregados de forte simbolismo político e identitário.

Ao longo da história, o Carnaval tem sido um espaço de contestação e reinvenção. No Brasil, ele se consolidou como uma plataforma para denunciar desigualdades raciais e sociais, além de exaltar a cultura afro-brasileira.
Os desfiles das escolas de samba frequentemente abordam temas como a escravidão, os heróis negros e a resistência cultural africana. Exemplos emblemáticos incluem enredos sobre Zumbi dos Palmares, Luís Gama e Marielle Franco, figuras de grande relevância na luta contra o racismo e a opressão.

Os blocos afro, como Ilê Aiyê, Olodum e Muzenza, também desempenham um papel fundamental na reafirmação da identidade negra. Fundado em 1974, o Ilê Aiyê foi o primeiro bloco afro do Brasil, criado com o objetivo de valorizar a cultura africana e combater a discriminação racial. Seu impacto transcende o Carnaval, influenciando a música, a moda e os movimentos sociais.
Além disso, o Carnaval tem sido palco de diversas lutas políticas. Movimentos por igualdade racial, feminismo e direitos LGBTQIA+ encontram na festa um ambiente propício para dar visibilidade às suas pautas. Marchinhas, sambas-enredo e performances artísticas frequentemente trazem críticas sociais, reforçando o papel do Carnaval como um espaço de resistência.
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O Carnaval preserva e ressignifica elementos da cultura negra, funcionando como um grande laboratório de criação artística. Os desfiles das escolas de samba, por exemplo, envolvem milhares de profissionais na produção de fantasias, carros alegóricos e coreografias, combinando referências africanas, indígenas e europeias.
A musicalidade do Carnaval é outro aspecto essencial. O samba, nascido nas comunidades negras do Rio de Janeiro, se tornou o ritmo oficial da festa, mas não é o único. Outros gêneros, como frevo, maracatu, axé e reggae, também possuem forte influência afrodescendente e desempenham um papel fundamental na identidade da festa.
O caráter artístico do Carnaval se estende para além das grandes escolas de samba. Blocos de rua, bailes populares e manifestações espontâneas compõem um mosaico cultural dinâmico e inclusivo. Cada região do Brasil possui uma maneira única de celebrar o Carnaval, refletindo a diversidade cultural do país.

O Carnaval, ao ocupar os espaços públicos, transcende a mera celebração festiva, tornando-se um poderoso catalisador de inclusão social e democrática. A diversidade de cores, ritmos e manifestações culturais que se manifestam nas ruas e praças durante o Carnaval promove um encontro único entre pessoas de diferentes origens e classes sociais. Essa interação espontânea e festiva contribui para a quebra de barreiras sociais e preconceitos, fomentando um senso de comunidade e pertencimento. Além disso, o Carnaval nos espaços públicos democratiza o acesso ao lazer e à cultura, proporcionando momentos de alegria e descontração para todos, independentemente de sua condição social ou econômica.
Sendo assim, o Carnaval se constitui como muito mais do que uma festa; é um reflexo das lutas, tradições e conquistas do povo negro, assim como de outros grupos marginalizados pela sociedade. Sua origem está profundamente ligada à resistência cultural africana, e sua evolução demonstra como a cultura negra não apenas moldou, mas continua a transformar a identidade brasileira.
Hoje, o Carnaval permanece como um espaço de afirmação, denúncia e celebração. Enquanto movimenta a economia e encanta milhões de pessoas, ele também reforça a importância de preservar e valorizar a herança afro-brasileira.
Exercícios
1 – (Enem/2017)
Penso, pois, que o Carnaval põe o Brasil de ponta-cabeça. Num país onde a liberdade é privilégio de uns poucos e é sempre lida por seu lado legal e cívico, a festa abre nossa vida a uma liberdade sensual, nisso que o mundo burguês chama de libertinagem. Dando livre passagem ao corpo, o Carnaval destitui posicionamentos sociais fixos e rígidos, permitindo a “fantasia”, que inventa novas identidades e dá uma enorme elasticidade a todos os papéis sociais reguladores.
DAMATTA, R. O que o Carnaval diz do Brasil. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com. Acesso em: 29 fev. 2012.
Enunciado:
Ressaltando os seus aspectos simbólicos, a abordagem apresentada associa o Carnaval ao(à)
Alternativas:
a) inversão de regras e rotinas estabelecidas.
b) reprodução das hierarquias de poder existentes.
c) submissão das classes populares ao poder das elites.
d) proibição da expressão coletiva dos anseios de cada grupo.
e) consagração dos aspectos autoritários da sociedade brasileira.
2 – (Enem/2016)

Enunciado:
Inspirada em fantasias de Carnaval, a arte apresentada se opunha à concepção de patrimônio vigente nas décadas de 1960 e 1970 na medida em que
Alternativas:
a) se apropriava das expressões da cultura popular para produzir uma arte efêmera destinada ao protesto.
b) resgatava símbolos ameríndios e africanos para se adaptar a exposições em espaços públicos.
c) absorvia elementos gráficos da propaganda para criar objetos comercializáveis pelas galerias.
d) valorizava elementos da arte popular para construir representações da identidade brasileira.
e) incorporava elementos da cultura de massa para atender às exigências dos museus.
3 – (ENEM-2023):
Quem não morreu na Espanhola
quem dela pôde escapar
não dê mais tratos à bola
toca a rir, toca a brincar.
Vai o prazer aos confins
remexe-se a terra inteira
ao som vivaz dos clarins
ao ronco do Zé Pereira.
Há alegrias à ufa
e em se tocando a brincar
nem este calor de estufa
nos chega a preocupar.
Tenho por cetro um chocalho
por trono um bombo de rufo
o Deus Momo louco e bufo
vai começar a reinar.
In: CASTRO, R. O Carnaval da guerra e da gripe. Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2019.
Enunciado:
A pandemia que afetou o Rio de Janeiro no início do século XX é mencionada nos versos pré-carnavalescos de 1919 como aquela que
Alternativas:
a) suscitou o motim de pessoas da periferia.
b) causou a destruição de praias da cidade.
c) motivou a revolta de moradores do centro.
d) provocou o passamento de habitantes da capital.
e) ocasionou o isolamento de residentes do subúrbio.
Gabarito:
- A
- A
- D