Como The Last of Us pode enriquecer sua redação do Enem

Aprenda a usar The Last of Us na redação do Enem para discutir amadurecimento precoce, crise e desigualdade.

A relação entre Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) simboliza os vínculos construídos em meio ao trauma e à violência, tema central da série da HBO na 2ª temporada. (Foto: Reprodução)

A adolescência é tradicionalmente entendida como uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, marcada por descobertas, experimentações e a construção da identidade.

No entanto, em contextos de crise, como guerras, desastres ambientais, colapsos sociais ou até mesmo pandemias, muitos jovens são forçados a amadurecer antes do tempo. Esse processo, conhecido como amadurecimento precoce, ocorre quando o adolescente assume responsabilidades emocionais, sociais ou familiares que excedem o esperado para sua faixa etária — muitas vezes como mecanismo de sobrevivência.

Narrativas ficcionais como a da série The Last of Us (cuja segunda temporada estreou no último dia 13/04, aqui no Brasil) ajudam a ilustrar esse fenômeno ao retratar jovens que, diante do colapso do mundo como conhecemos, precisam tomar decisões complexas, lidar com perdas e desenvolver uma autonomia emocional acelerada. Embora se trate de uma história ambientada em um cenário pós-apocalíptico, os dilemas enfrentados por personagens adolescentes refletem questões reais vividas por milhares de jovens ao redor do mundo.

Neste texto, vamos analisar como o amadurecimento precoce pode afetar o desenvolvimento emocional dos adolescentes, o que diz a psicologia sobre esse processo e de que forma esse tema pode aparecer em provas como o Enem — especialmente em áreas como Redação, Ciências Humanas e Linguagens.

Primeiro de tudo: o que é The Last of Us?

The Last of Us é uma série de televisão baseada no aclamado jogo homônimo lançado em 2013. Ambientada em um mundo devastado por uma pandemia fúngica, a história acompanha Joel e Ellie, dois sobreviventes que atravessam os Estados Unidos em ruínas.

Mais do que uma trama de ação, a série se destaca por sua abordagem emocional, mostrando o impacto da violência e do abandono em personagens que foram obrigados a amadurecer cedo demais. É essa perspectiva humana, crua e sensível que torna The Last of Us um repertório sociocultural relevante para temas como infância e juventude.

A personagem principal, Ellie, por exemplo, é uma adolescente que nunca chegou a viver uma infância plena. Sua trajetória é marcada por perdas, responsabilidades e a necessidade de sobreviver a qualquer custo — realidade que também se impõe a muitas crianças e jovens fora das telas. Embora o contexto da série seja extremo, ele ecoa vivências de quem cresce em cenários de vulnerabilidade social, onde o amadurecimento precoce é uma condição imposta pelas circunstâncias.

Amadurecimento precoce em The Last of Us

Em The Last of Us, o amadurecimento precoce não é uma escolha, mas uma consequência brutal do colapso social.

Ellie, Sam e Riley representam adolescentes que, em vez de viver a infância de forma plena, são forçados a desenvolver habilidades emocionais e práticas para lidar com perdas, violência e responsabilidades extremas. Em um mundo onde as instituições falharam, a juventude se vê desamparada, sobrevivendo à base de vínculos afetivos frágeis, coragem improvisada e traumas não resolvidos.

O filósofo Byung-Chul Han é autor de obras como “A Sociedade do Cansaço” e “A Sociedade Paliativa”, nas quais reflete sobre a dor, a solidão e o esvaziamento da experiência contemporânea. (Foto: Reprodução)

Esse fenômeno é abordado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que afirma que vivemos em uma “sociedade do desempenho”, onde até o sofrimento se torna individualizado.

Em contextos como o de The Last of Us, o peso da sobrevivência recai sobre cada personagem, mesmo os mais jovens — sem espaço para elaborar seus medos ou dores. Ellie, por exemplo, precisa tomar decisões éticas complexas, como matar para se proteger, enquanto lida com o luto e a solidão sem nenhum amparo institucional ou familiar.

A série se soma a outras obras que exploram essa temática, como A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak. Ambientada na Alemanha nazista, a história de Liesel também é marcada por guerra, perdas e uma infância interrompida. Em ambas as narrativas, momentos de ternura — como a leitura de um livro ou o humor em meio ao caos — funcionam como breves resistências ao amadurecimento imposto.

Além das perdas materiais, os efeitos do amadurecimento precoce atingem diretamente a saúde mental. A Sociedade Brasileira de Pediatria alerta que crianças submetidas a esse processo correm mais risco de desenvolver ansiedade, depressão, dificuldades de relacionamento e até sintomas psicossomáticos. O amadurecimento forçado pode parecer uma demonstração de força, mas frequentemente encobre um sofrimento não elaborado.

Compreender essas representações ajuda a refletir sobre realidades que vão além da ficção. Muitos adolescentes brasileiros vivem em territórios marcados pela violência, pobreza e falta de acesso a direitos básicos — e, assim como Ellie, crescem sob a lógica da sobrevivência. Trazer essas discussões para a redação do Enem, articulando cultura pop com pensamento filosófico e contexto social, é uma estratégia eficaz para construir argumentos sólidos e empáticos.

Amadurecimento precoce no Brasil

No Brasil, o amadurecimento precoce é uma realidade para milhares de crianças e adolescentes.

Dados do IBGE mostram que, em regiões marcadas pela pobreza, violência urbana e ausência do Estado, jovens muitas vezes assumem responsabilidades de adultos — seja cuidando de irmãos, contribuindo financeiramente com a casa ou enfrentando situações de negligência e violência. Esse fenômeno está diretamente ligado a desigualdades estruturais e a um histórico de exclusão social.

Um exemplo claro é o trabalho infantil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho em 2019. Essas crianças deixam de vivenciar plenamente a infância e a adolescência para assumir funções que deveriam ser responsabilidade de adultos. O mesmo acontece com meninas que se tornam mães precocemente, muitas vezes por falta de acesso a educação sexual e apoio familiar.

O trabalho infantil, além de violar direitos, pode impactar profundamente o desenvolvimento emocional. Crianças e adolescentes expostos a longas jornadas de trabalho, responsabilidades excessivas ou situações violentas frequentemente desenvolvem mecanismos de defesa como endurecimento afetivo, hipervigilância e retraimento social.

Para combater essa realidade, políticas públicas como o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) desempenham um papel fundamental. O programa busca retirar crianças do trabalho precoce e reinseri-las no ambiente escolar, oferecendo acompanhamento psicossocial e apoio financeiro às famílias. No entanto, sua efetividade depende de investimentos contínuos, fiscalização ativa e sensibilização da sociedade.

Entender essa realidade é essencial não só para ampliar o olhar crítico nas provas de Ciências Humanas do Enem, como também para enriquecer a argumentação em redações sobre juventude, desigualdade e vulnerabilidade social.

Como usar o amadurecimento precoce e The Last of Us na redação do Enem

O amadurecimento precoce é um repertório sociocultural versátil, que pode ser aplicado em diversos temas da redação do Enem — especialmente aqueles relacionados à juventude, vulnerabilidade social, negligência, violência, abandono institucional ou saúde mental.

Ao citar The Last of Us o estudante pode contextualizar como a narrativa retrata jovens enfrentando responsabilidades e traumas antes do tempo, usando isso como ponto de partida para refletir sobre a realidade brasileira. O ideal é não apenas narrar a história da série, mas utilizá-la como analogia: a personagem Ellie, por exemplo, pode representar milhares de adolescentes brasileiros que vivem em contextos extremos, onde o afeto e a força emocional são ferramentas de sobrevivência.

O longa-metragem brasileiro Cidade de Deus expõe a realidade de crianças e adolescentes marcados pela violência e exclusão social, revelando um amadurecimento precoce forçado pelas circunstâncias. (Foto: Reprodução)

Obras como A Menina que Roubava Livros e Cidade de Deus ampliam esse repertório, permitindo estabelecer conexões com diferentes contextos históricos e sociais. Dados atualizados do IBGE, pesquisas da Sociedade Brasileira de Pediatria e conceitos como “adultificação” e “desamparo estrutural” também enriquecem a argumentação e mostram domínio de leitura crítica do mundo — competência central para alcançar uma boa nota na redação.

Como aponta o filósofo Michel Foucault, “cada sociedade tem o tipo de infância que merece”. Refletir sobre o amadurecimento precoce é, portanto, também refletir sobre que tipo de sociedade estamos construindo — e quais infâncias estamos destruindo.

Esse tipo de repertório mostra domínio de leitura de mundo e senso crítico — competências centrais para alcançar uma boa nota na redação.

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Sobre o(a) autor(a):

Luana Santos - Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, é redatora com foco em educação, produção de conteúdo para o Enem e vestibulares. Atualmente, integra a equipe da Rede Enem, onde cria materiais informativos e inspiradores para ajudar estudantes a alcançarem seus objetivos acadêmicos. Ama café, livros e uma boa conversa sobre educação.  

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