A alienação do trabalho ocorre quando os bens produzidos deixam de pertencer a quem os confeccionou e passam a pertencer a quem comprou a força de trabalho.
Na Alemanha, lá nos idos do século XIX, um jovem filósofo revolucionário chamado Karl Marx (1818-1883) alegava ter solucionado um grande problema do seu tempo. Ao fazer uma análise ímpar do sistema capitalista, meu camarada Carlão (Marx) expôs a alienação do trabalho ao passo que desenvolvia uma fantástica análise histórica do mundo.
O conceito de trabalho para Marx
A investigação de Marx começou na análise dos diferentes sistemas econômicos e sua relação com trabalho. De acordo com Marx, o trabalho é algo em constante mudança e que possui uma relação direta com o bem-estar e a satisfação humana.
Por isso, para compreendermos a teoria marxista, é necessário pensar no trabalho como algo que impacta diretamente a vida do trabalhador da forma mais ampla possível.
Ora, segundo Marx, o trabalho é algo que gera uma sensação de satisfação, como se rolasse uma espécie de bem-estar eufórico quando a gente trabalha. A princípio, a maioria das pessoas relutam em concordar com tal afirmação. Algumas inclusive se revoltariam, pois enxergariam um absurdo aí.
Como disse certa vez meu camarada Charles Bukowski (1920-2004):
“Como, diabos, pode um homem gostar de ser acordado às 6:30 da manhã, por um despertador, sair da cama, vestir-se, alimentar-se a força, defecar, mijar, escovar os dentes e os cabelos, enfrentar o tráfego para chegar a um lugar onde essencialmente o que fará é encher de dinheiro os bolsos de outro sujeito e ainda por cima ser obrigado a mostrar gratidão por receber essa oportunidade?”
A satisfação do trabalho
Bem, sentir prazer em trabalhar certamente é um despautério para Bukowski e muitas outras pessoas nesse mundão. Mas “saca só, Marx acreditava que quando nos dedicamos a criação de algo, colocando nossa força de trabalho na confecção ou transformação de algo em um produto, este produto é a materialização do nosso esforço.
Em outras palavras, quando tentamos construir algo, como esse texto, por exemplo, temos uma relação direta com os frutos do nosso esforço. À medida em que o objeto, fruto do nosso esforço, vai se moldando, torna-se possível vislumbrarmos nossa criação. Para Marx, isso gera uma sensação de satisfação, uma vez que consigo realizar minha vontade ao construir algo.
A alienação do trabalho
Todavia, a problemática em torno do trabalho vai se dar com o surgimento do capitalismo. Na visão de Marx, o sistema capitalista transforma o trabalho em uma mercadoria. Isso porque o capitalismo separa a sociedade em grupos de pessoas que detém capital e aqueles que só possuem a força de trabalho.
Dessa forma, os trabalhadores se veem obrigados a vender sua força de trabalho – como forma de subsistência – aos detentores do capital. Estes, por sua vez, conseguem obter lucro por meio da venda dos bens de consumo que obtiveram com a exploração dos trabalhadores.
Essa mercantilização do trabalho, dentre outras coisas, acaba por alienar os trabalhadores daquilo que produzem. Isso ocorre porque os bens produzidos deixam de pertencer a quem os confeccionou e passam a pertencer a quem comprou a força de trabalho. O que, por sua vez, gera um sentimento de insatisfação no trabalhador.
Como funciona a alienação do trabalho
“Saca só”, imagine que você é um fabricante de algum objeto cotidiano, algo como um sabre de luz, aquela espada laser da franquia de Star Wars. Bom, você faz artesanalmente seus sabres de luz nas mais variadas cores e modelos, seguindo um ritmo que corresponde a sua demanda.
A confecção desses instrumentos passa por árduos processos, alguns até imbuídos de significados ritualísticos. Com o produto do seu trabalho (o sabre de luz) você pode sair por aí desbravando a galáxia, bem como, pode vendê-lo. Em todo caso, a maestria da confecção é corporificação dos seus esforços, o que gera, inclusive, apreço pelas suas distintas habilidades.
Com o passar do tempo, há uma alteração na relação de trabalho, decorrente da abertura de uma fábrica que consegue confeccionar o mesmo produto que você. No entanto, devido à mecanização e a alta rotatividade de mercadorias, a fábrica produz de maneira mais rápida e mais barata.
Não obstante, a grande quantidade de funcionários faz com que o volume de bens produzidos na fábrica seja infinitamente maior do que a quantidade que você consegue produzir, mesmo trabalhando até a exaustão.
A venda da força de trabalho
Privado de sua fonte de renda, já que se tornou inviável a competição pelo mercado de sabres de luz, você acaba sendo forçado a buscar sua fonte de renda de outra maneira. Ironicamente, o único lugar que suas distintas habilidades podem ser colocadas em uso é a fábrica responsável pela sua miséria.
Dessa forma, você acaba vendendo a sua força de trabalho para outrem, que transforma os bens de consumo produzidos por você em objetos desconectados. Isto é, em bens de consumo que não possuem uma conexão com quem os fabrica. Dessa maneira, o sabre produzido por você será de propriedade do dono da fábrica.
Em suma, embora o trabalhador seja capaz de produzir objetos magníficos, o faz para que outra pessoa desfrute deles. Ao mesmo tempo, ao fazer isso o trabalhador torna-se alienado da própria produção, gerando para si apenas a angústia da limitação.
A luta de classes
Além da alienação, que acaba por retirar parte da identidade do trabalhador, outra coisa importantíssima para Marx é a criação de uma nova classe social a partir dessa mercantilização do trabalho.
Os detentores dos meios de produção, isto é, aqueles que possuem as tecnologias e as propriedades – privadas – para uma produção competitiva em um mercado voraz, acabam acumulando uma imensa quantidade de capital. Enquanto isso, os trabalhadores, por não possuírem os meios de produção, se veem obrigados a vender a sua força de trabalho para aqueles que são detentores dos meios de produção.
A partir dessa relação, o trabalhador se encontra em uma relação de confronto com quem é detentor dos produtos originados do seu trabalho, ou seja, aquele que enriquece às custas do trabalho dos outros.
Para Marx, existe aí uma relação meio que simbiôntica entre a propriedade privada e a alienação do trabalho. “Se liga”: a divisão da sociedade em classes, na qual há certas pessoas quem detêm os meios de produção e outras pessoas que vendem sua força de trabalho, é a causa da alienação do trabalho. Tal alienação é a responsável pela manutenção da divisão em classes, pois enriquece os donos dos meios de produção em detrimento daqueles que vendem sua força de trabalho.
Essa relação de exploração do trabalhador garante a manutenção do sistema capitalista. Todavia, Marx também pensou que, havendo a possibilidade de acabar com uma dessas coisas, seria possível, então, provocar a ruína da outra, visto que estão ligadas.
O comunismo
Diferente de seus antecessores, Marx buscou não apenas interpretar o mundo, mas mudá-lo, convertendo-o em um lugar onde não houvesse a exploração da classe operária e onde o bem-estar social seria mais importante que os lucros individuais.
Para isso, teorizou a substituição do capitalismo por um regime cujos valores prezassem o coletivo em detrimento do individual. Como fervoroso militante, escreveu juntamente com seu “parça” Friedrich Engels (1820-1895) um pequeno manifesto (o Manifesto Comunista) no qual explicava um revolucionário sistema que seria a solução para os problemas entre os seres humanos e quiçá sua relação com a natureza. A esse sistema batizaram de comunismo.
Ora, o comunismo visava restaurar a interação humana que, para Marx, se tornou um meio de ganho econômico, ou seja, as pessoas se relacionam com as outras visando alguma vantagem (econômica). Contudo, essa relação não deveria ser assim, pois as pessoas deveriam se relacionar umas com as outras como finalidade em si mesma e não como meio de obter vantagens.
Para que isso fosse possível, o sistema visionado por Marx, o comunismo, ditava que seria necessário abolir a propriedade privada, pilar central do sistema capitalista. Desda forma, as pessoas iriam se associar de maneira mais natural, segundo suas afinidades.
Todavia, a transição do capitalismo para o comunismo é uma das “paradas” mais mal entendidas da teoria de Marx. Isso porque, ainda que tenha havido ao longo da história algumas nações autointituladas comunistas, o comunismo de fato nunca se concretizou.
A concretização do comunismo
O que houve na real, foram tentativas de se alcançar o comunismo. Para entender melhor essa “parada” é preciso falar de um outro conceito, o socialismo. De maneira bem resumida e simplista, o socialismo é a etapa de transição entre o capitalismo e o comunismo.
O socialismo seria um sistema com o objetivo de alcançar a igualdade entre as pessoas e abolir a propriedade privada. Desse modo, a sociedade seria a proprietária dos meios de produção. Com isso, conseguiríamos desconstruir a alienação do trabalho, que inevitavelmente culminaria no comunismo.
No entanto, para além da teoria, a coisa é um pouco mais complicada. Podemos citar alguns países que se inspiraram na teoria de Marx como estudo de caso. Alguns exemplos são a China, ou mesmo a Rússia, em especial durante o governo de Stalin. Podemos afirmar que eles não são sequer socialistas, pois seus Estados despóticos firmados sobre um partido único exercem um poder sobre o povo, criando uma outra luta de classes.
Somente o fim da propriedade privada (incluindo a propriedade do Estado) levaria, inevitavelmente, ao fim da alienação do trabalho. Isso, somado às relações mais humanizadas entre as pessoas, criaria um mundo em que seria possível a produção de bens de consumo que satisfizessem a todos e não somente a uma elite dominante.
Por fim, embora tenha morrido na pobreza, as ideias de Karl Marx influenciaram de maneira sem igual os desdobramentos históricos que o sucederam. As mais renomadas academias discutem ainda hoje suas obras. Elas servem de base para novas teorias e diversos outros espíritos revolucionários que não se conformam com as injustiças desse mundão.
Videoaula sobre Karl Marx
Saiba mais sobre o pensamento de Marx com esta aula do professor Alan no nosso canal do YouTube:
Exercícios sobre a alienação do trabalho
1- (UNESP SP/2016)
A condição essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos dos particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. […] O desenvolvimento da grande indústria socava o terreno em que a burguesia assentou o seu regime de produção e de apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.
(Karl Marx e Friedrich Engels. “Manifesto Comunista”. Obras escolhidas, vol. 1, s/d.)
Entre as características do pensamento marxista, é correto citar
(A) A caracterização da sociedade capitalista como jurídica e socialmente igualitária.
(B) O princípio de que a história é movida pela luta de classes e a defesa da revolução proletária.
(C) A celebração do triunfo da revolução proletária europeia e o desconsolo perante o avanço imperialista.
(D) O temor perante a ascensão da burguesia e o apoio à internacionalização do modelo soviético.
(E) O reconhecimento da importância do trabalho da burguesia na construção de uma ordem socialmente justa.
2- (UEG GO/2013)
Em sua 11.ª tese sobre Feuerbach, Karl Marx (1818-1883) afirma que “Os Filósofos até hoje interpretaram o mundo, cabe agora transformá-lo”. Muitos marxistas interpretaram mal a frase de Marx e abandonaram livros, teoria e partiram para a prática, negligenciando o significado da noção de práxis em Marx. Nesse sentido, tem-se que
(A) A tese marxista estimulava a prática e não a teoria, já que a ideia de práxis privilegia o fazer em detrimento do pensar, o que levaria à condenação da filosofia como teoria pura.
(B) A noção de práxis em Marx exige que a filosofia sempre permaneça nos limites do conhecimento teórico, pois a práxis humana deve ser conduzida por peritos técnicos e não por filósofos.
(C) A tese marxista criticava a filosofia por não favorecer uma práxis revolucionária na qual toda prática suscita a reflexão, que por sua vez vai incidir sobre a prática reorientando uma ação transformadora.
(D) A ideia de práxis em Marx foi desvirtuada por aqueles que não perceberam que existe uma ruptura entre teoria e prática, e que o trabalho intelectual deve prevalecer sobre o trabalho manual.
3- (UFGD MS/2013)
Karl Marx e Friedrich Engels são importantes e destacados autores das teses do socialismo científico, cuja proposição se baseou
(A) No desenvolvimento e execução de sucessivas reformas em diferentes modelos econômicos, visando ao aperfeiçoamento do Liberalismo.
(B) Em redefinir o movimento sindical, por considerar que ele estaria ultrapassado após a Revolução Russa.
(C) No desenvolvimento e execução de sucessivas reformas em diferentes modelos econômicos, visando ao aperfeiçoamento do Liberalismo.
(D) Na perspectiva de que seria urgente a redução do papel do Estado na economia.
(E) Em apontar e discutir as contradições do capitalismo, a partir da ideia de que seria necessária a ação revolucionária dos trabalhadores.
Gabarito:
- B
- C
- E