O Cortiço: resumo e análise do Naturalismo em Aluísio Azevedo

O cortiço foi o último romance de Aluísio Azevedo e tem na sua essência as características do Naturalismo, com um olhar voltado para a ciência e as relações entre os seres humanos.

Aluísio Azevedo, o escritor das massas, foi o grande nome do Naturalismo no Brasil. Dessa maneira, vamos conhecer a sua principal obra, que é “O Cortiço”. Antes de irmos direto ao ponto, vamos dar uma contextualizada em alguns pontos.

Naturalismo

A estética naturalista tem por objetivo colocar a literatura a serviço da ciência. Assim, para cumprir essa difícil missão, os escritores sempre buscavam olhar para a realidade através da ótica do determinismo e das teorias evolucionistas. Teorias essas que eram “moda” naquela época.

Émile Zola, (1840 – 1902) – escritor que inaugurou o Naturalismo – chega a definir o Naturalismo como uma aplicação, na literatura, do método de observação e de experimentação descrito por Claude Bernard no livro “Introdução ao estudo da medicina experimental”.

Então, Zola cria, assim, o que chama de romance experimental.

Características do Naturalismo

Seu objetivo é bem claro: pretende exaltar a “evolução naturalista que empolga nosso século (o XIX), impulsiona aos poucos todas as manifestações da inteligência humana num mesmo caminho científico”.

O interesse de Zola, no entanto, vai muito além disso. Ele acredita que, compreendendo o comportamento humano e seus motivos, é possível intervir na transformação dos indivíduos para atingir o melhor estado social.

Assim tenha sempre em mente que os naturalistas deixam de lado a análise psicológica que serviu de base para literatura realista. Ou seja, para eles os traços individuais não interessam.

Dessa maneira, os naturalistas debruçam-se sob a análise dos fenômenos coletivos, que caracterizam melhor a tese determinista por eles defendida.

Daí o motivo de observarem, ou seja, voltarem o olhar para uma classe social que, até aquele momento – século XIX -, não havia merecido destaque nos romances: o proletariado.

Ora, as obras de Machado de Assis e Eça de Queirós, por exemplo, só retratavam a burguesia.

Em contrapartida, nas obras naturalistas, nós vemos trabalhadores das minas de carvão, das pedreiras brasileiras, marinheiros, entre outros. Nesse sentido, todos são convocados para demonstrar uma mesma ideia: o ser humano é fruto do meio em que vive e das pressões que sofre.

Literatura de tese

Os romances naturalistas são, com bastante frequência, caracterizados como literatura de tese, pois têm uma estrutura pensada para provar ao leitor a visão determinista da sociedade.

Dessa forma, o aviltamento (rebaixamento moral / humilhação) e a perda da dignidade das pessoas que vivem em um meio degradante é a principal tese exposta nesses romances.

O Naturalismo e o público brasileiro

No Brasil, Aluísio Azevedo, em um dos seus folhetins, reflete abertamente sobre a dificuldade de satisfazer os leitores sem abrir mão do projeto naturalista. Por exemplo:

[…]É preciso ir dando a cousa em pequenas doses […] Um pouco de enredo de vez em quando, uma ou outra situação dramática […]

Depois, as doses de romantismo irão gradualmente diminuindo, enquanto as de naturalismo irão se desenvolvendo; até que, um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja completamente habituado ao romance de pura observação e estudo de caracteres. […]

AZEVEDO, Aluísio. Apud: GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis.São Paulo: Nanquin/Edusp, 2004. p. 79. (Fragmento).

Esse texto mostra que, embora estivessem engajados na produção de romances que possibilitassem o estudo de caracteres e de personalidades, os escritores tinham consciência da importância de cativar o interesse do público.

Para não ter que encarar a difícil decisão entre produzir obras para vender – e, portanto, de acordo com as expectativas dos leitores – ou fazer uma opção radical e adotar a forma literária que mais lhes agradasse, Aluísio Azevedo tenta conciliar as duas opções.

Dessa forma, o autor vai, aos poucos, tentando “educar” o gosto do público.

Como resultado, a solução garantiu que tivessem leitores para os romances naturalistas. Mas não evitou que boa parte deles se chocassem com os temas abordados e com o modo como alguns comportamentos eram francamente descritos.

Para entender melhor a escola literária do Naturalismo, assista ao vídeo abaixo! Depois, siga na aula escrita e acompanhe a análise da obra O Cortiço de Aluísio Azevedo.

O Cortiço

O cortiço foi o último romance de Aluísio Azevedo e também o mais bem acabado. Em O Cortiço, o objetivo principal é demonstrar a tese de que o ser humano é fruto do meio em que vive.

Dono de uma pedreira e de uma taverna, João Romão constrói em seu terreno umas casinhas bem ordinárias, de aluguel barato, onde, ali, vêm morar as famílias dos trabalhadores da pedreira.

Junto com ele, mora Bertoleza, trabalhadora incansável, supostamente alforriada, que vive maritalmente com Romão.

Bem ao lado do cortiço, há um sobrado onde mora a família do comendador Miranda. O sobrado é o símbolo, na visão de João Romão, da ascensão social tão almejada. Miranda, por sua vez, abomina a vizinhança – como é de se esperar.

Pense comigo, estudante: o que aconteceria se, naquele ambiente degradado, fosse inserido um homem honesto, dedicado à família e ao trabalho?

A tese a ser demonstrada é a de que o meio determina o indivíduo. Esse homem honesto, o imigrante português Jerônimo, está, portanto, previamente condenado à degradação moral.

Jerônimo muda-se para o cortiço com sua esposa, Piedade, e a filha do casal. Influenciado pelo ambiente promíscuo, deixa-se seduzir por Rita Baiana.

Preste a atenção na cena a seguir, ela traz o momento em que esse processo de sedução tem início.

O meio determinante em Jerônimo

Jerônimo levantou-se, quase que maquinalmente, e seguido por Piedade, aproximou-se da grande roda que se formara em torno dos dois mulatos. […]

E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. […]

Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo.

[…]

E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo;

ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. […]

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 26. ed. São Paulo: Ática, 1994. P. 72-73. (Fragmento).

Zoomorfismo e enredo de O Cortiço

Para descrever os embalos de Rita Baiana, Aluísio Azevedo – na voz do narrado, claro – recorre, por muitas vezes, a comparações com animais e plantas, deixando clara a ligação do texto à estética naturalista.

Já no final da cena, Rita Baiana é ilustrada como uma síntese irresistível da força natural do Brasil, que seduz os estrangeiros que por aqui ficavam.

Sua sensualidade é, portanto, uma sexualidade que pode ser associada aos elementos da fauna e flora nacional, trazendo à tona desejos a que o português Jerônimo não conseguirá se desvencilhar.

O indivíduo é, assim, completamente envolvido pelo meio, que de alguma maneira o devora. Portanto, o cortiço tem a condição de uma personagem, que vai crescendo de maneira exponencial a cada capítulo.

É nesse ambiente promíscuo e insalubre que acontece a mistura das raças, a sexualidade muito forte, a violência e a exploração das pessoas. Nesse sentido, temos o evidenciamento das teses deterministas e evolucionistas que tanto influenciaram os autores da época.

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Questões sobre O Cortiço

Questão 01)

Leia o trecho final de O cortiço.

A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.

Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado.

E depois embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.

João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.

Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.

Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.

Considere as seguintes afirmações sobre o trecho.

I. O narrador em terceira pessoa aproxima-se de Bertoleza, assumindo seu ponto de vista para desmascarar o falso abolicionismo de João Romão; ao mesmo tempo, mantém-se distante dela ao descrevê-la com traços animalescos.

II. A morte terrível de Bertoleza destoa do andamento geral do romance, marcado pelo lirismo da narração, característica naturalista presente no texto de Aluísio Azevedo.

III. A última frase do trecho sugere que João Romão receberá a comissão a despeito do fim de Bertoleza, em uma alegoria do Brasil: abolicionista na sala de visitas, escravocrata na cozinha.

Quais estão corretas?

a) Apenas II.

b) Apenas III.

c) Apenas I e II.

d) Apenas I e III.

e) I, II e III.

Gab: D

Questão 02)

Leia o segmento abaixo, do terceiro capítulo de O cortiço, de Aluísio Azevedo.

Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. (…) O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.

Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes afirmações sobre o segmento.

(   )  O segmento apresenta a descrição do cortiço sem destacar um personagem, com ênfase na coletividade para ações triviais de homens, mulheres e crianças.

(   )  O despertar, matéria cotidiana, é figurado como fato rotineiro de pessoas executando seus hábitos higiênicos matinais.

(   )  A linguagem do narrador, preocupado em mostrar a dimensão natural presente nas ações humanas, evidencia-se em expressões como ―prazer animal de existir‖.

(   )  O objetivo, nesse segmento, é apresentar o cortiço e a venda como empreendimentos comerciais usados no enriquecimento de João Romão.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é

a) V – V – F – F.

b) V – V – V – V.

c) V – F – F – V.

d) F – F – F – V.

e) V – V – V – F.

Gab: E

Questão 03)

Em O Cortiço, Aluísio Azevedo reafirma a ideologia do Naturalismo e cumpre à risca alguns princípios cientificistas vigentes na segunda metade do século XIX.

Dentre as afirmativas a seguir, assinale aquela que não corresponde às propostas da Escola Naturalista:

a) O caráter determinista da obra tem como símbolo a personagem Pombinha, que, se antes era “pura” e de boa conduta moral, acaba prostituindo-se por força daquele meio sórdido e animalesco.

b) Ao enfatizar as atitudes inescrupulosas de João Romão para com os habitantes do cortiço, em especial para com a negra Bertoleza, o narrador confirma as preocupações sociais do Naturalismo em sua inclinação reformadora.

c) Os personagens de O Cortiço constituem-se, em sua maioria, de operários das pedreiras, lavadeiras e outros miseráveis que ali vivem de forma degradante, o que evidencia a preferência do escritor naturalista pelas camadas mais baixas da sociedade.

d) Em O Cortiço, Aluísio Azevedo exprime um conceito naturalista da vida e, ao idealizar seus personagens, integra-os a elementos de uma natureza convencional.

Gab: D

Sobre o(a) autor(a):

Anderson Rodrigo da Silva é professor formado em Letras Português pela UNIVALI de Itajaí. Leciona na rede particular de ensino da Grande Florianópolis.

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