E a energia nuclear? Por que o sonho da energia barata e limpa está terminando?

Entenda como a energia nuclear vem sendo debatida atualmente com esta aula de Atualidades para o Enem.

A Energia nuclear é a energia produzida a partir de reatores nucleares e está presente em diferentes países ao redor do mundo. Apesar de ser também a fonte para produzir as temidas armas de destruição em massa – como a Bomba Atômica – a energia nuclear foi vista, durante muito tempo, como uma fonte de energia barata e limpa.

Mas, com o ônus de ser muito perigosa em relação à radioatividade dos materiais utilizados, esse “sonho” tem se mostrado cada vez mais ilusório. Saiba mais sobre como a energia nuclear vem sendo debatida nesta aula de Atualidades para o Enem.

Figura 1: Torres de resfriamento de uma Usina Nuclear. Fonte: Pexels.

Segundo dados da WNA (Associação Nuclear Mundial) existiam, em 2019, cerca de 447 reatores nucleares em operação, com 30 países fazendo uso desse tipo de energia. Mesmo que isso represente apenas cerca de 10% da produção de energia elétrica no mundo atualmente (segundo a International Energy Agency), as políticas em torno de seu uso têm mudado drasticamente.

Entretanto, durante muito tempo, a energia nuclear foi vista como um bom investimento em diversos países. Tanto por “parecer” se uma energia limpa e barata a curto prazo, como também por representar uma rápida saída para questões econômicas e políticas.

O auge do investimento e incentivos à produção de energia nuclear deu-se nos anos 70. Isso aconteceu pois os países árabes exportadores proclamaram um embargo às nações aliadas de Israel na Guerra do Yom Kipur (1973), gerando um forte aumento do barril de petróleo. Ao perceberem essa dependência energética dos países árabes, os países compradores começaram a mudar suas políticas energéticas para evitar que algo da mesma dimensão ocorresse no futuro.

Além disso, outros dois eventos fomentaram mudanças na produção de energia nos anos 80, a Revolução Iraniana (1979) e a Guerra Irã-Iraque (1980). Para se ter ideia, esses eventos fizeram com que entre os anos 70 e 80 o valor do barril do petróleo subisse mais de dez vezes, gerando instabilidade política e econômica.

Apesar da crise, os Estados Unidos não mudaram a sua política de uso e dependência de combustíveis fósseis. Enfrentando greves de caminhoneiros e longas filas nos postos de combustíveis, a política norte americana foi se constituindo por estabelecer uma nova forma de relacionamento com os países produtores. 

Exemplo disso foi a nova relação com a família real saudita, que enfrentava grupos fundamentalistas islâmicos em seu território fazendo com que os EUA oferecessem cooperação militar. No Brasil, pelo contrário, buscou-se desenvolver uma nova forma de energia para evitar o desabastecimento, surgindo assim, em 1975, o Proálcool.

Mas as consequências da crise do petróleo foram sentidas fortemente no restante do mundo. Como a tecnologia de produção de energia a partir dos reatores nucleares já existia e era considerado, de certa maneira, de baixo custo, estas passaram a ser uma prioridade na gestão energética de muitos países. 

Passados 50 anos desde a descoberta da fissão, o otimismo com a energia nuclear logo se constituiu numa promessa messiânica-tecnológica graças ao conhecimento acumulado. Em geral, usinas nucleares são mais complexas e caras para serem construídas que as usinas que utilizam combustíveis fósseis. Porém o custo do combustível de usinas nucleares é significativamente mais baixo tornando-as atrativas naquele período.

Nos Estados Unidos a opinião pública permaneceu altamente favorável à energia nuclear até 1979. Via-se nas grandes usinas nucleares a possibilidade futurística de um novo mundo com a geração de empregos e a preservação ambiental do país. Os moradores das cidades maravilhavam-se e orgulhavam-se de hospedar, perto das suas casas, o esplendor da arquitetura nuclear que garantiria e representava a liberdade – o American Dream. Todavia, com o grave acidente da central nuclear de Three Mile Island, tudo começou a mudar.

Em março de 1979 o sistema de refrigeração da central nuclear entrou em colapso com uma falha de válvulas na unidade de purificação de água do circuito. Com inúmeros procedimentos burocráticos e as dificuldades de análise do que poderia estar ocorrendo na usina, além de falhas do sistema, um técnico desativou equivocadamente a turbina, mas não o reator, fazendo com que a temperatura interna subisse a níveis alarmantes.

Além disso, a falta de procedimentos técnicos em caso de acidente, somadas à demora da comunicação da Metropolitan Edison, (empresa responsável pela usina, que tentava minimizar a crise) e a falta de acesso das autoridades responsáveis pelo setor nuclear do país, levou que parte do material radioativo fosse expelido no meio ambiente levando ao pânico da comunidade local. O acidente minou a confiança na energia nuclear na população estadunidense.

Figura 2: Fotografia onde é possível observar as torres de resfriamento da Usina de Three Miles Island. Observe como o complexo da usina é próximo das residências. Fonte da imagem: Gretchen Images.

Na Europa as coisas começaram a mudar em 1986 com o acidente nuclear de Chernobyl, na antiga União Soviética. Esse acidente foi resultado de falhas humanas que aconteceram durante um procedimento de manutenção dos reatores da usina nuclear que ficava em Pripyat. Essas falhas somaram-se a problemas no projeto do reator levando a duas explosões em um dos reatores. 

Durante o período desse acidente, o reator ficou exposto fazendo com que material radioativo, como iodo-131 e estrôncio-90, fossem lançados na atmosfera. Essa radioatividade se espalhou e alcançou regiões vizinhas, como a Rússia e a Bielorrússia, e chegou a locais distantes, como os Estados Unidos. Uma zona de exclusão abarcando um raio de 30 km levou à evacuação de 330 mil pessoas (além do desalojamento da cidade de Pripyat). 

Videoaula sobre Energia Nuclear

Entenda o que é a Energia Nuclear e os riscos envolvidos com esta videoaula apresentada pela professora Larissa Sousa Campos.

Atualmente, o reator de Chernobyl está selado em um grande Sarcófago. A omissão da União Soviética em comunicar a comunidade internacional sobre o acidente foi considerada inconsequente e irresponsável.

O mais recente acidente nuclear ocorreu em Fukushima em março de 2011 a partir de um tsunami causado por um terremoto com magnitude 9. A usina tinha três reatores que funcionavam desde a década de 70 e que, mesmo tendo sido desligados, foram afetados com o desligamento dos geradores que forneciam energia para controlar e operar bombas que serviam para o seu resfriamento.

Esse problema levou a três colapsos com liberação de material radioativo. Mesmo que nenhuma vítima tenha sido registrada, acredita-se que idosos tenham morrido em casas de repouso durante a evacuação. A maioria da radiação – em torno de 80% – acabou sendo direcionada para o Oceano Pacífico.

Todos os eventos descritos acima contribuíram e muito para repensar as políticas de produção de energia através de reatores nucleares. Maior exemplo disso é o fechamento das últimas usinas nucleares da Alemanha em abril de 2023 depois de seis décadas de desenvolvimento e funcionamento (a última usina nuclear inaugurada na Alemanha data de 1989). 

Nos Estados Unidos, apesar da dependência petrolífera, existe um vasto conjunto de usinas e reatores nucleares muito importantes. Mas, algumas dessas usinas estão em processo de fechamento ou desmantelamento e existem também várias usinas nucleares que foram planejadas, mas ainda não construídas.

Apesar de raros os acidentes envolvendo materiais radioativos, graves foram as suas consequências para o meio ambiente e as pessoas. Por exemplo, a radioatividade do desastre de Fukushima foi encontrada em algas marinhas e peixes na costa da Califórnia e a zona de exclusão de Chernobyl permanecerá em vigência por pelo menos vinte mil anos! 

Ainda, a descontaminação do acidente com um aparelho de radioterapia abandonado em Goiânia em 1987 gerou cerca de 3500m3 de lixo radioativo, os quais estão armazenados em contêineres de concreto na região de Goiânia e cujos níveis de radiação são monitorados constantemente. E olha que aqui não mencionamos outros desastres, como as centenas de testes com bombas atômicas e todo o material radioativo das usinas em funcionamento.

Videoaula sobre radioatividade

Nesta aula de Química, o professor Felipe Sobis traz um resumo para que você entenda melhor o que é a radioatividade.

Por isso, é urgente a necessidade de mecanismos e agências reguladoras internacionais que possam inspecionar esse tipo de produção de energia nos próximos anos. O problema é que muitos países, por questões de protecionismo (seja pela sua soberania política e econômica, seja pelo seu conhecimento sobre a construção de reatores), não permitem acesso destas equipes especializadas e geram incertezas sobre a sua segurança e o destino das enormes quantidades de lixo dali provenientes. 

A tendência é que esse tipo de produção se torne muito cara nos próximos anos, não só pelas raras matérias primas, mas pela criação de protocolos cada vez mais complexos para construção, produção e previsibilidade de acidentes. Além disso, a sociedade civil tem se colocado cada vez mais contra este tipo de matriz energética, pois a sua relação com a natureza tem mudado drasticamente com um viés mais ambientalista.

Apesar das tendências contra esse tipo de produção de energia, certos fatores não podem ser esquecidos, em especial, o aumento da população mundial (estimativas falam em 10 bilhões no ano 2100) e as expectativas sobre a mudança na geopolítica mundial com a Guerra da Ucrânia. 

O certo é que, assim como no profético seriado “Os Simpsons”, em que o uso da energia nuclear é retratado como um tipo de perigo sempre à espreita, as relações com esse tipo de matriz energética passarão por enormes mudanças nos próximos anos, seja no incremento de seu uso, seja pelo seu fim.

Fontes

ENERGIA nuclear no mundo. Disponível em: https://www.eletronuclear.gov.br/Sociedade-e-Meio-Ambiente/Espaco-do-Conhecimento/Paginas/Energia-nuclear-no-mundo.aspx. Acesso em: 19 maio 2023.

ENERGIA NUCLEAR. Disponível em: http://www.cepa.if.usp.br/energia/energia1999/Grupo4A/nuclear/enuclear.htm. Acesso em: 20 maio 2023.

Comissão Nacional de Energia Nuclear. A História da Energia Nuclear: apostila educativa. Rio de Janeiro, 2020. 28 p. Disponível em: http://antigo.cnen.gov.br/images/cnen/documentos/educativo/historia-da-energia-nuclear.pdf. Acesso em: 20 maio 2023.

Sobre o(a) autor(a):

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina e graduado em Filosofia pela mesma Universidade. É professor da Rede Pública Estadual de Santa Catarina desde 2015.

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