Zygmunt Bauman e a Modernidade Líquida

O Filósofo e Sociólogo Zygmunt Bauman refletiu sobre como as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos na contemporaneidade. Vem ficar por dentro dessa discussão.

O filósofo polonês Zygmunt Bauman se dedicou a estudar quais foram os impactos sofridos pela sociedade após a avassaladora passagem da Modernidade. Nascido em 1925, meu camarada Bauman foi forçado a se mudar para União Soviética em 1939 dado a invasão dos nazistas a Polônia.

As diversas mudanças que o mundo sofreu desde o fim da Idade Média até o século XIX, marcaram o preâmbulo do que chamamos de Modernidade. O Mercantilismo, as invasões europeias ao continente americano, o Iluminismo, as Revoluções Sociais e a Revolução Industrial, culminaram em uma radical mudança social.

Retrato de Zygmunt Bauman. Não parece, mas esse velhinho simpático se juntou ao Exército Vermelho, combatendo os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Retrato de Zygmunt Bauman. Não parece, mas esse velhinho simpático se juntou ao Exército Vermelho, combatendo os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

O período da Modernidade

A Modernidade é um período histórico caracterizado pelas mudanças ocorridas nas mais variadas áreas. Ela foi um processo construído ao longo de um extenso caminho, no qual muito sangue e suor foram derramados para concretizar as transformações sociais que vieram à tona com sua chegada.

Voltando um pouco no tempo, lá no século XV, o filósofo Giordano Bruno partia em sua jornada para provar que o cosmos era muito maior do que se imaginava. Bruno dizia que o Universo era uma parada infinita, sem centro e repleto de mundos habitados.

Essa tentativa de mudar os paradigmas vigentes, desafiando assim o poder que vigorava, rendeu a ele uma sentença bastante dantesca. Condenado a ser queimado vivo, Giordano defendeu até a morte sua visão, que serviria de base para inúmeros outros pensadores ao longo da história.

O início da era da modernidade

Além de Bruno, existem muitos outros exemplos de pensadores que tentaram alterar a forma em que compreendíamos a realidade e acabaram pagando preços demasiadamente altos por isso.

Em todo caso, foram esses esforços que nutriram o sentimento revolucionário responsável pela aurora da Modernidade. Dessa forma, deflagrou-se na Europa uma onda insurgente que varreu praticamente todo o velho mundo, alterando o balanço do poder.

Podemos dizer que a Modernidade começou com Descartes, quando ele promove uma ruptura com a Escolástica, e eclodiu com a Revolução Industrial e a consolidação do Capitalismo.

Modernidade Líquida foi a principal obra de Zygmunt Bauman. O Livro traz uma análise contemporânea do mundo.

O sólido, Líquido e Moderno de Bauman.

Para Bauman, existem dois momentos a serem compreendidos quando nos referimos a Modernidade. Um primeiro momento chamado de Modernidade Sólida e um momento posterior a ela, chamada de Modernidade Líquida.

Para compreendê-los, temos que analisar o espírito inicial da Modernidade.

Os insurgentes da Modernidade tiveram a ideia de promover mudanças sociais, econômicas, cientificas e etc para criar um mundo incorruptível. Isto é, livrar-se daquele mundo infestado de interesses nefastos, injustiça e desconhecimento. Buscava-se promover novos conceitos, novas instituições e novas estruturas sociais.

Esse mundo não aboliu a religião, mas confinou ela ao âmbito pessoal, separando-a do Estado. Bradou-se também que a liberdade era um valor capital da sociedade e, para os capitalistas, também da economia.

Embora existissem diferenças marcantes entre o Leste do mundo, erguido sob ideais Comunistas (a exceção do Oriente Médio) e o Oeste, berço do Capitalismo, que por sua vez fora fruto do mercantilismo, a Modernidade se fazia presente em ambos os lugares. Moldando a realidade e ressignificando as coisas.

Modernidade Sólida de Bauman

Bauman chamou de Modernidade Sólida, a primeira fase da Modernidade, a tentativa de construção de um mundo ordenado, racional e até mesmo previsível. Assim sendo, a Modernidade Sólida é caracterizada por ser estável. A existência dessa Modernidade se baseava na autogarantia racional burocraticamente organizada e relativamente previsível do que se chamou de Estados Modernos.

Na Modernidade Sólida, as pessoas poderiam desfrutar da segurança das normas, instituições e até mesmo algumas tradições. As mudanças se dariam de maneira pronunciável e poderia desfrutar de uma relativa segurança no emprego.

A análise de Zygmunt Bauman da estrutura industrial

Bauman fez uma análise do Fordismo, em seu livro Modernidade Liquida, afim de explicar que, durante essa etapa da Modernidade, a própria estrutura industrial se beneficiava da imobilidade do trabalhador.

Essa imobilidade, repercutia na vida das pessoas geograficamente, quero dizer, as pessoas permaneciam na mesma vizinhança, nas mesmas escolas, nos mesmos bares. Tudo isso, graças as mudanças que se concretizaram principalmente pelas revoluções francesas e russa, que inspiraram as demais nações a promoverem alterações do modo de vida que outrora regia tais Estados.

O marxismo e Bauman

Todavia, o que se viu na prática, foi algo bem diferente daquilo que os visionários mais otimistas apregoavam. Meu camarada Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels, ainda em 1848, já previam a globalização do Capitalismo e as mazelas que com ele assolariam o mundo.

A Modernidade não parou de promover mudanças após seu desabrochar. O espírito crítico que cogitava todas as estruturas e formas de poder não cessou, mas continuou a destruir as certezas que se formavam perante a nova sociedade.

Dessa forma, o mundo começa a se fragmentar, ao passo que a mudança, assim como Heráclito postulara a milênios atrás, é a única coisa que permanece imutável. É isso, que segundo Bauman, caracterizou a transição de uma primeira Modernidade – Modernidade Sólida – para uma segunda etapa chamada Modernidade Líquida.

A modernidade Líquida de Bauman

Segundo o polonês, estamos inseridos no que ele chamou de Modernidade Líquida. Quem é familiarizado com o filósofo, já deve ter percebido que ele tem uma certa tara com esse estado da matéria. Várias de suas obras contam com o termo Líquido, tais como: Modernidade Liquida, Amor Líquido, Vida Líquida, Tempos Líquidos, Medo Líquido. Enfim, o cara deveria ser bem hidratado.

“No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência.” (Bauman“No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência.” (Bauman em Modernidade Líquida: sobre a fragilidade dos laços humanos)

O uso do termo Líquido, serve de metáfora para a vida contemporânea. Estamos inseridos em uma realidade amorfa, maleável, fluída, quase uma Amoeba. Essa falta de um centro de gravidade, faz com que o mundo atual seja algo difícil de se prever. Ao contrário da Modernidade Sólida, a certeza é algo insólito na Modernidade Líquida.

Para entender o que estamos dizendo, veja essa entrevista que Zygmunt concedeu ao Café Filosófico alguns anos atrás:

Os problemas da Liquidez de Bauman

Tentar definir a Modernidade Líquida é algo quase que paradoxal, haja vista que, o termo faz referência as incertezas e fluxos oscilantes que dominaram o mundo. Podemos pautar a Modernidade Líquida ao esvaziamento dos ideais iluministas do século XVIII.

O Iluminismo trouxe um implacável viés racional ao mundo, empoderando os intelectuais e garantindo a soberania do conhecimento científico, depositado nas mãos dos especialistas. A Modernidade Líquida, fez o contrário, democratizou esse conhecimento e tornou as informações disponíveis a qualquer pessoa – claro que não a todas as pessoas.

Isso levou, a um ceticismo global, contudo, diferente do Niilismo do passado, agora não existe quaisquer bases sólidas como parâmetro, apenas uma desconfiança generalizada causada pela ruína das instituições (e seus arautos) detentoras da autoridade do saber.

“A Modernidade Líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos – um amor líquido.“A Modernidade Líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos – um amor líquido. A segurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos.” (Bauman em Modernidade Líquida: sobre a fragilidade dos laços humanos)

A Barba filosófica de Bauman

Essa mudança, pode ser compreendia nos conflitos geracionais presentes em nosso cotidiano. Existe uma afirmação romana que diz: Barba tenus sapientes, que em tradução livre é algo como: tão sábio quanto sua barba.

Essa afirmação faz referência aos filósofos, que em geral, eram barbados. Como a maioria dos filósofos e sem um motivo propriamente estabelecido, optei por não fazer a barba. Ocorre que, toda vez que minha vó me vê, a velhinha briga comigo e pede encarecidamente que me barbeie.

Todavia, a maioria dos filósofos, conforme referenciado, eram barbudos. A icônica figura de Jesus Cristo é retratada como um sujeito barbado, os imperadores do Brasil também tinham eram adeptos da pelugem facial, nosso primeiro presidente tampouco tinha a cara lisa.

As diferenças de pensamento entre gerações

Nota-se então que, para as gerações que precedem o século XX e consequentemente as revoluções tecnológicas, os valores ainda possuem Solidez.

Comparando com as gerações que já tiveram contato com a democratização da informação e já nasceram inseridas dentro da desconstrução dos conceitos que antes eram determinados e previsíveis, conclui-se que o próprio sujeito se moldou a semelhança da Liquidez.

O mundo flui, ele é hoje uma espécie de releitura contemporânea do Panta Rei de Heráclito. Marcado pela inevitabilidade da mudança, que afeta a sociedade em nível sistêmico a nível global.

A crítica de Bauman perante a customização

Nos dias que correm, customizamos tudo, da religião até os elásticos dos aparelhos ortodônticos. Com isso, Bauman apontou um dos grandes problemas em que nos confrontamos. Acabamos por customizar também os campos dos saberes, incluindo a Ética.

A tirinha de Carlos Ruas, faz referência ao movimento de customização que se desenvolve no mundo contemporâneo. A tirinha de Carlos Ruas, faz referência ao movimento de customização que se desenvolve no mundo contemporâneo.

O problema faz com que algumas áreas entrem em colapso nesse mudo líquido. Os indivíduos, validos da liberdade expressão, e da demasiada importância subjetiva do Eu, fruto de uma Modernidade Líquida, se dizem capazes de resolver conflitos e problemas que durante séculos, ou até milênios, a humanidade não foi capaz. O super Ego entra em Crise.

Por fim, como diria Bauman: ‘em uma vida liquida moderna, não há laços permanentes, e caso tenha existido algum… ele deve ser frouxo para que possa ser desfeito quando as circunstâncias mudam.’

Video-aula:

Exercícios

1. (ENEM 2016)
Tendo se livrado do entulho do maquinário volumoso e das enormes equipes de fábrica, o capital viaja leve, apenas com a bagagem de mão, pasta, computador portátil e telefone celular. O novo atributot da volatilidade fez de todo compromisso, especialmente do compromisso estável, algo ao mesmo tempo redundante e pouco inteligente: seu estabelecimento paralisaria o movimento e fugiria da desejada competitividade, reduzindo a priori as opções que poderiam levar ao aumento da produtividade.

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001

No texto, faz-se referência a um processo de transformação do mundo produtivo cuja consequência é o(a)

(A) regulamentação de leis trabalhistas mais rígidas.

(B) fragilização das relações hierárquicas de trabalho.

(C) redução do número de funcionários das empresas.

(D) incentivo ao investimento de longos planos de carreiras.

(E) desvalorização dos postos de gerenciamento corporativo.

2. (UCS 2018)
Conceito central do pensamento do filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), a “modernidade líquida” seria o momento histórico que se vive atualmente, em que as instituições, as ideias e as relações estabelecidas entre as pessoas se transformam de maneira muito rápida e imprevisível: “Tudo é temporário, a modernidade – tal como os líquidos – caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma”.

 Para melhor compreender a modernidade líquida, é preciso voltar ao período que a antecedeu, chamado por Bauman de modernidade sólida, que está associada aos conceitos de comunidade e laços de identificação entre as pessoas, que trazem a ideia de perenidade e a sensação de segurança. Na era sólida, os valores transformavam-se em ritmo lento e previsível. Assim, tinham-se algumas certezas e a sensação de controle sobre o mundo – sobre a natureza, a tecnologia, a economia, por exemplo.

 Alguns acontecimentos da segunda metade do século XX, como a instabilidade econômica mundial, o surgimento de novas tecnologias e a globalização, contribuíram para o enfraquecimento da ideia de controle sobre os processos do mundo, trazendo incertezas quanto à capacidade de adequação aos novos padrões sociais, que se liquefazem e mudam constantemente. Nessa passagem do mundo sólido ao líquido, Bauman chama atenção para a liquefação das formas sociais: o trabalho, a família, o engajamento político, o amor, a amizade e, por fim, a própria identidade. Essa situação produz angústia, ansiedade constante e o medo líquido: temor do desemprego, da violência, do terrorismo, de ficar para trás, de não se encaixar nesse novo mundo.

 Assim, duas das características da modernidade líquida são a substituição da ideia de coletividade e de solidariedade pelo individualismo; e a transformação do cidadão em consumidor. Nesse contexto, as relações afetivas se dão por meio de laços momentâneos e volúveis e tornam-se superficiais e pouco seguras (amor líquido). No lugar da vida em comunidade e do contato próximo e pessoal, privilegiam-se as chamadas conexões, relações interpessoais que podem ser desfeitas com a mesma facilidade com que são estabelecidas, assim como mercadorias que podem ser adquiridas e descartadas. Exemplo disso seriam os relacionamentos virtuais em redes sociais.

 A modernidade líquida, no entanto, não se confunde com a pós-modernidade, conceito do qual Bauman é crítico. De acordo com ele, não há pós-modernidade (no sentido de ruptura ou superação), mas sim uma continuação da modernidade (o núcleo capitalista se mantém) com uma lógica diferente – a fixidez da época anterior é substituída pela volatilidade, sob o domínio do imediato, do individualismo e do consumo.

 Acompanhar o ritmo das transformações com a rapidez exigida pode ser difícil para algumas pessoas. Existe um sentimento de inadequação, cansaço e de estresse diante de tantos estímulos. Fica a pergunta: tais mudanças melhoram ou dificultam a qualidade de vida das pessoas?

Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/a-filosofia-de-zygmunt-bauman-o-pensador-da-modernidade-liquida/. Acesso em: 16 set. 17. (Parcial e adaptado.)

Com base no texto, é correto afirmar que:

(A) a possibilidade de manter a economia mundial estável, o surgimento de novas tecnologias e a capacidade de adequação do ser humano aos novos padrões sociais, que se liquefazem e mudam constantemente, contribuem para a redução de sentimentos como a angústia, a ansiedade e o medo.

(B) o conceito de modernidade líquida traz a palavra “liquidez” de modo metafórico para referir-se ao momento atual, em que as instituições, as ideias e as relações estabelecidas entre as pessoas são perenes e transformam-se de maneira previsível.

(C) o sociólogo polonês Bauman entende que, na época atual, o ritmo incessante das transformações gera angústias e incertezas e dá lugar a uma nova lógica, pautada pelo individualismo e pelo consumo.

(D) o conceito de modernidade líquida pressupõe a substituição da ideia de coletividade e de solidariedade pelo individualismo; assim, as conexões e os relacionamentos virtuais perdem lugar para a vida em comunidade que privilegia o contato próximo e pessoal.

(E) a pós-modernidade, que segundo Bauman só poderia existir com a manutenção do núcleo capitalista, consolidaria o consumo e a solidariedade, mas romperia com a ideia de individualidade.

3. (UERJ 2010) No admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, a sabedoria popular foi rápida em perceber os novos requisitos. Em 1994, um cartaz espalhado pelas ruas de Berlim ridicularizava a lealdade a estruturas que não eram mais capazes de conter as realidades do mundo: “Seu Cristo é judeu. Seu carro é japonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega. Seu café, brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos. Suas letras, latinas. Só o seu vizinho é estrangeiro”.

Zygmunt Bauman Adaptado de Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

A alteração de valores culturais em diversas sociedades é um dos efeitos da globalização da economia. O cartaz citado no texto ironiza uma referência cultural que pode ser associada ao conceito de:

(A) Localismo

(B) Nacionalismo

(C) Regionalismo

(D) Eurocentrismo

Gabarito

1. C, 2. C, 3. B.

Sobre o(a) autor(a):

Os textos e exemplos acima foram preparados pelo professor Ernani Silva para o Blog do Enem. Ernani é formado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista. Ministra aulas de Filosofia em escolas da Grande Florianópolis. Facebook: https://www.facebook.com/ErnaniJrSilva

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