A poesia de João Cabral de Melo Neto

Você sabia que a poesia de João Cabral de Melo Neto tem muita relação com a música? Analise a metalinguagem modernista e saia bem na prova do Enem!

Nesse post, você vai estudar um ponto importante para a análise de poemas modernistas: a metalinguagem na poesia de João Cabral de Melo Neto. Também verá um pouco da relação da poesia e do poeta com a música.

O que é uma Ode?

Pra quem ainda não sabe, Ode é um gênero poético criado pelos antigos gregos com o objetivo de ser cantado, como uma música, pressupondo assim o acompanhamento e instrumentos musicais, contendo versos de medida regular e tom alegre ou triste.

No Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia, a forma clássica desse gênero seria marcada pela influência dos poetas gregos Safo de Lesbos e Píndaro, e do latino Horário.  Alguns séculos mais tarde, esse gênero influenciaria o cansó provensal e a canzone italiana, florescendo particularmente na Itália, França, Alemanha, Portugal e Inglaterra. A partir de então, a presença desse tipo de composição poética seria constante de diferentes maneiras até hoje.

Bom lembrar que a música está ligada à literatura desde a sua origem, e na Grécia Antiga o termo mousiké, “as artes das musas”, englobava poesia, música, dança, comédia, tragédia, astronomia e retórica. Naturalmente, portanto, nossos Poetas Modernos, em seu conjunto de ideias, exploraram a música e o canto.

(Sappho. Pintura de Amanda Brewster Sewell, 1891)

As obras modernistas são um tema bastante explorado nos exames vestibulares e também apareceu no ENEM 2016. Veja nosso comentário sobre a abaixo:

Antiode

Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude — em
disfarçados urinóis).

Flor  é a  palavra
flor; verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.

Flor é o salto
da ave para o voo:
o salto fora do sono
quando teu tecido
se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.

(MELO NETO, J.C. Psicologia da composição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997)

A poesia é  marcada pela recriação do  objeto por  meio da  linguagem, sem  necessariamente  explicá-lo. Nesse fragmento de  João Cabral de  Melo  Neto, poeta da geração de  1945, o  sujeito  lírico propõe a recriação poética de

(A) uma palavra, a partir de  imagens com as  quais ela  pode ser comparada, a fim de assumir  novos  significados.

(B) um urinol, uma referência às artes visuais  ligadas às vanguardas do início do século  XX.

(C) uma ave, que  compõe, com seus movimentos, uma  imagem historicamente ligada à palavra  poética.

(D) uma máquina, levando em  consideração a relevância do discurso técnico-científico  pós-Revolução Industrial.

(E) um tecido, visto  que sua composição depende de elementos intrínsecos ao eu  lírico.

A alternativa correta dessa questão é a letra A. Vamos descobrir por quê?

O modernismo de João Cabral de Melo Neto

O pernambucano João Cabral de Melo Neto é um dos principais escritores da Terceira Geração Modernista, também chamada Geração de 45. Esse grupo não se constituiu propriamente de um movimento literário, mas empenhou-se na pesquisa estética e no experimentalismo da linguagem e forma poética, com o objetivo de retomar temas clássicos da literatura.

O poema de João Cabral joga com uma das características  do texto literário moderno que é a liberdade de criação. Um dos pontos fundamentais da obra de João Cabral é a metalinguagem, função por meio da qual investiga-se a própria estrutura da linguagem.

É por meio de recursos metalinguístico, por exemplo, que um texto literário abrange o processo de criação do autor. Nesse exemplo, é possível ver como o poeta faz uso de uma apóstrofe (figura de pensamento que se caracteriza por fazer referência a um interlocutor – aquele com quem se fala): “Poesia, não será esse / o sentido em que / ainda te escrevo”. Não dá a impressão de que o eu – lírico abre diálogo com a própria poesia? Isso é apóstrofe e isso é um recurso que utiliza o conceito de diálogo, por exemplo, para se expressar – ou seja, metalinguagem.

Assim, retomando o exercício acima – no qual o autor brinca o significado das palavras, ele propõe a ressignificação da palavra  flor, o que é mais um exemplo do seu processo criativo metalinguístico. Fora isso, João Cabral de Melo Neto, tal como uma de suas grandes influências Fernando Pessoa, outro célebre autor de Odes, também possui uma obra marcada por buscar a redenção mística nas coisas cotidianas e banais, tais como a pedra, a faca e a flor, figuras recorrentes em sua poesia.

Nesse poema, a flor que o poeta “escreve” está para além da “virtude-disfarçada em urinóis”, fazendo aqui clara referência ao Dadaísmo, e em especial ao artista plástico Marcel Duchamp devido à sua obra “O urinol”. Esse movimento, muito caro a João Cabral, tinha como principal problema a posição da arte diante da indústria cultural, fazendo com o que o objeto artístico questionasse o próprio conceito e linguagem da arte.

Vemos, assim, que também a escolha das referências inscreve o poeta no discurso metalingüístico. Sendo que o seu poema, tal como sua flor, não está rotulado  artisticamente com o formalismo de museus e galerias, tal e está sim para os acontecimentos, inevitável “como as manhãs no tempo”, natural como o “salto/da ave para o vôo”, e exata, “posta a funcionar/como uma máquina/uma jarra de flores.” Tais traços demonstram o poder metalingüístico da poesia cabralina.

Temos aqui, diga-se ainda, um poema que faz referência a esse gênero clássico na poesia, a Ode, que o poeta, conhecido por não gostar de música, inverte como também numa expressão metalinguística – pertencente à língua, não à canção; e porque não dizer: franca e sincera.

Além disso, a geração de João Cabral viu surgirem técnicas de gravação sonora que muito contribuíram para um olhar mais aprofundado sobre a linguagem humana, que então era livremente gravada e distribuída. Não por acaso o vigor com que a metalinguagem foi empregada na poesia moderna.

Para saber mais sobre o tema e o poeta, confiram também os links e exercícios a seguir:

Resumo sobre João Cabral de Melo Neto

Para reforçar o conteúdo sobre João Cabral de Melo Neto, veja a aula da prof. Camila:

Questões

Para terminar, resolva as questões abaixo e veja como a obra do autor é cobrada no Enem e vestibulares.

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