Graça Aranha, o autor de Canaã

Revise os principais aspectos da vida e da obra do autor de Canaã, um romance inovador que fundiu Realismo e Simbolismo em sua narrativa. Estude Literatura Brasileira para o Enem!

Nesta aula você vai aprender um pouco mais sobre os principais aspectos da vida e da obra do escritor maranhense Graça Aranha. Além de ter desempenhado uma carreira nas letras, Graça Aranha também foi diplomata e magistrado.

Sua atuação no cenário literário e cultural foi notável, sendo ele um dos intelectuais envolvidos na idealização e organização da Semana de Arte Moderna de 1922. Canaã, seu romance pré-modernista de maior expressividade, rompe padrões estéticos ao fundir Realismo e Simbolismo em sua narrativa.

Fotografia do escritor Graça Aranha. O romancista Afrânio Peixoto certa vez assim o descreveu: “Magistrado, diplomata, romancista, ensaísta, escritor brilhante, às vezes confuso, que escrevia pouco, com muito ruído.”

Quem foi Graça Aranha?

José Pereira da Graça Aranha nasceu em São Luís, no Maranhão, em 21 de junho de 1868. Além de escritor, exerceu o ofício de diplomata brasileiro. Também foi um imortal da Academia Brasileira de Letras, considerado um autor pré-modernista no Brasil. Fato curioso é que Graça Aranha foi o único dos fundadores da referida Academia a nela entrar sem nenhum livro publicado, contrariando o estatuto.

fotografia graça aranha

Nascido em uma família abastada do Maranhão, Graça Aranha graduou-se em Direito pela Faculdade do Recife e exerceu cargos na magistratura e na carreira diplomática. Exerceu a magistratura no interior do Estado do Espírito Santo, fato que lhe iria fornecer matéria para um de seus mais notáveis trabalhos – o romance Canaã, publicado com grande sucesso editorial em 1902.

Como diplomata, serviu em Londres, com Joaquim Nabuco, e foi ministro na Noruega, Holanda e na França, onde se aposentou. Também na França, publicou em 1911, o drama Malazarte. Em 1920, já no Brasil, publica A estética da vida e, três anos mais tarde, A correspondência de Joaquim Nabuco e Machado de Assis.

Assumiu o cargo de juiz de direito no Rio de Janeiro, ocupando depois a mesma função em Porto do Cachoeiro (hoje Santa Leopoldina), no Espírito Santo. Nesse município ele buscou elementos necessários para criar sua obra mais importante, Canaã. Esta é um marco do chamado Pré-Modernismo, publicada em 1902, junto com a obra Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Graça Aranha e a Semana de Arte Moderna de 1922

De convicções polêmicas, Graça Aranha apresentou uma visão filosófica e artística assimilada de fontes muito diferentes e às vezes contraditórias. No entanto, sua atuação na Semana de Arte Moderna de 1922 foi determinante para o sucesso do evento, uma vez que foi um de seus idealizadores/organizadores.

Na ocasião, pronunciou o texto A Emoção Estética na Arte Moderna, defendendo uma arte, uma poesia e uma música novas, com algo do “Espírito Novo” apregoado por Apollinaire. Devido aos cargos que ocupou na diplomacia brasileira em países europeus, esteve a par dos movimentos vanguardistas que surgiam na Europa. O escritor tentou introduzi-los, à sua maneira, na literatura brasileira. Tal atitude não teve uma boa recepção entre os demais intelectuais e não vingou.

O rompimento com a Academia Brasileira de Letras

Iniciou-se uma fase agitada nos círculos literários do país. Graça Aranha é considerado um dos chefes do movimento renovador de nossa literatura, fato que vai acentuar-se com a conferência O Espírito Moderno, lida na Academia Brasileira de Letras, em 19 de junho de 1924. Na ocasião, o escritor declarou: “A fundação da Academia foi um equívoco e foi um erro”.

Assim, Graça Aranha rompia com a Academia Brasileira de Letras em 1924, a qual acusou de passadista e dotada de total imobilismo literário. Ele chegou a declarar “Se a Academia se desvia desse movimento regenerador, se a Academia não se renova, morra a Academia!”.

Publicou, em 1930, A viagem maravilhosa, seu derradeiro romance. Tal obra dividiu a opinião dos críticos, sendo que alguns a louvaram e outros a atacaram com críticas ferrenhas e mordazes.

Faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 26 de janeiro de 1931.

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O romance Canaã

Canaã é a obra mais representativa de Graça Aranha. Trata-se de um romance do Pré-Modernismo que aborda a imigração alemã no estado do Espírito Santo.

Os conflitos do romance se dão por meio dos dois personagens principais, Milkau e Lentz, os quais representam diferentes linhas filosóficas e ideológicas. O romance desenvolve múltiplas temáticas. Entretanto, os temas explorados com maior ênfase são: opressão feminina, imperialismo germânico, militarismo, corrupção dos administradores públicos, ostracismo e conflito de adaptação à nova terra.

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Uma das primeiras capas do romance Canaã, com ortografia do português arcaico

O enredo de Canaã gira em torno de dois personagens, Milkau e Lentz, dois jovens alemães que imigram para Porto do Cachoeiro, no Espírito Santo. Trabalhando como colonos, desenvolvem uma relação de amizade e de competição, ao expressarem duas filosofias de vida diferentes.

Paralelamente, a personagem Maria, filha de imigrantes que trabalha para a família Kraus, é seduzida pelo filho do patrão. Após muitas vicissitudes, dá à luz seu filho no mato, onde a criança é devorada por porcos. Maria, acusada de matar seu filho, é presa e resgatada por Milkau, que foge com ela para a sua Canaã, a terra prometida, em busca da liberdade.

Esse romance foi inspirado no naturalismo filosófico alemão e inaugurou uma nova fase do romance brasileiro, com a fusão entre Realismo e Simbolismo. O livro pertence à fase do Pré-Modernismo brasileiro, que apresenta a renovação formal, a nacionalização, o regionalismo e a preocupação com a realidade nacional. Reflete sobre uma situação histórica nova ou até então não considerada: a imigração alemã no Espírito Santo. Essa característica lhe confere o caráter inovador próprio do pré-modernismo.

Além disso, o aspecto descritivo e realista, a fixação da paisagem, as impressões visuais, tácteis e olfativas são alguns aspectos que sobressaem ao longo da narrativa. Outro fato interessante é que Canaã é uma das únicas obras literárias brasileiras em prosa com traços típicos do Simbolismo.

Trecho da obra

Destaco para você um dos fragmentos que melhor ilustra a ocorrência do Simbolismo nesse romance, extraído das páginas 174-175:

“Os primeiros vaga-lumes começavam no bojo da mata a correr as suas lâmpadas divinas… No alto, as estrelas miúdas e sucessivas principiavam também a iluminar… Os pirilampos iam-se multiplicando dentro da floresta, e insensivelmente brotavam silenciosos e inumeráveis nos troncos das árvores, como se as raízes se abrissem em pontos luminosos… A desgraçada, abatida por um grande torpor, pouco a pouco foi vencida pelo sono; e deitada às plantas da árvore, começou a dormir… Serenavam aquelas primeiras ânsias da Natureza, ao penetrar no mistério da noite. O que havia de vago, de indistinto, no desenho das coisas transformava-se em límpida nitidez. As montanhas acalmavam- -se na imobilidade perpétua; as árvores esparsas na várzea perdiam o aspecto de fantasmas desvairados… No ar luminoso tudo retomava a fisionomia impassível. Os pirilampos já não voavam, e miríades e miríades deles cobriam os troncos das árvores, que faiscavam cravados de diamantes e topázios. Era uma iluminação deslumbrante e gloriosa dentro da mata tropical, e os fogos dos vaga-lumes espalhavam aí uma claridade verde, sobre a qual passavam camadas de ondas amarelas, alaranjadas e brandamente azuis. As figuras das árvores desenhavam-se envoltas numa fosforescência zodiacal. E os pirilampos se incrustavam nas folhas, e aqui, ali e além, mesclados com os pontos escuros, cintilavam esmeraldas, safiras, rubis, ametistas e as mais pedras que guardam parcelas das cores divinas e eternas. Ao poder dessa luz o mundo era de um silêncio religioso, não se ouvia mais o agouro dos pássaros da morte; o vento que agita e perturba calara-se… Por toda parte a benfazeja tranquilidade da luz… Maria foi cercada pelos pirilampos que vinham cobrir o pé da árvore em que adormecera. A sua imobilidade era absoluta, e assim ela recebeu num halo dourado a cercadura triunfal; e interrompendo a combinação luminosa da mata, a carne da mulher desmaiada, transparente, era como uma opala encravada no seio verde de uma esmeralda. Depois os vaga-lumes incontáveis cobriram-na, os andrajos desapareceram numa profusão infinita de pedrarias, e a desgraçada, vestida de pirilampos, dormindo imperturbável, como tocada de uma morte divina, parecia partir para uma festa fantástica no céu, para um noivado com Deus… E os pirilampos desciam em maior quantidade sobre ela, como lágrimas das estrelas. Sobre a cabeça dourada brilhavam reflexos azulados, violáceos, e daí a pouco braços, mãos, colo, cabelos sumiam-se no montão de fogo inocente. E vaga-lumes vinham mais e mais, como se a floresta se desmanchasse toda numa pulverização de luz, caindo sobre o corpo de Maria até o sepultarem numa tumba mágica. Um momento, a rapariga inquieta ergueu docemente a cabeça, abriu os olhos, que se deslumbraram. Pirilampos espantados faiscavam relâmpagos de cores… Maria pensou que o sonho a levara ao abismo dourado de uma estrela, e recaiu adormecida na face iluminada da Terra…”

Canaã representou a ligação entre as correntes histórias e filosóficas do final do século XIX e a revolução modernista da segunda década do século XX. Esta obra apresentou ao Brasil um novo estilo de romance: o romance-tese, em que o debate de ideias filosóficas se integra à narrativa e muitas vezes a suplanta em importância. Milkau e Lentz representam duas ideologias postas em contraste: o universalismo (Milkau) e o divisionismo (Lentz), entre a “lei do amor” (Milkau) e a “lei da força” (Lentz).

Questões sobre Graça Aranha

Questão 1 (Enem-2011)

— Adiante… Adiante… Não pares… Eu vejo. Canaã! Canaã!

Mas o horizonte da planície se estendia pelo seio da noite e se confundia com os céus.

Milkau não sabia para onde o impulso os levava: era o desconhecido que os atraía com a poderosa e magnética força da Ilusão. Começava a sentir a angustiada sensação de uma corrida no Infinito…

— Canaã! Canaã!… suplicava ele em pensamento, pedindo à noite que lhe revelasse a estrada da Promissão.

E tudo era silêncio, e mistério… Corriam… corriam. E o mundo parecia sem fim, e a terra do Amor mergulhada, sumida na névoa incomensurável… E Milkau, num sofrimento devorador, ia vendo que tudo era o mesmo; horas e horas, fatigados de voar, e nada variava, e nada lhe aparecia… Corriam… corriam…

ARANHA, G. Canaã. São Paulo: Ática, 1998 (fragmento).

O sonho da terra prometida revela-se como valor humano que faz parte do imaginário literário brasileiro desde a chegada dos portugueses. Ao descrever a situação final das personagens Milkau e Maria, Graça Aranha resgata esse desejo por meio de uma perspectiva:

a) subjetiva, pois valoriza a visão exótica da pátria brasileira.

b) simbólica, pois descreve o amor de um estrangeiro pelo Brasil.

c) idealizada, pois relata o sonho de uma pátria acolhedora de todos.

d) realista, pois traz dados de uma terra geograficamente situada.

e) crítica, pois retrata o desespero de quem não alcançou sua terra.

Resposta correta: e.

Questão 2 (SEDU/ES-2016)

A fase Pré-Modernista passa a ser tomada como marginal ou subsidiária à estética passadista ou ao próprio Modernismo. Consequentemente, as obras que lhe remetiam pertencimento cronológico, dentre elas Canaã, eram tomadas pelo sincretismo das escolas Realismo, Naturalismo, Simbolismo, mas também pela aproximação temática ao Modernismo.

(Adaptado de: ARAÚJO, Bárbara Del Rio. O registro de estilo em Canaã: uma reflexão sobre a historiografia e o rótulo Pré- modernista. In: Entretextos, Londrina, v.14, n.1, p. 240-257, jan./jun.2014)

O contraditório de classificação de Canaã, de Graça Aranha, é reiterado em:

a) Grande parte das análises feitas da obra prefere caracterizá-la pela relevância temática, pelo debruçar sobre os problemas sociais e morais do país, o qual é apresentado sob uma perspectiva de antecipação ao movimento Modernista na medida em que se observa o interesse pela realidade.

b) Aproveitando criaturas e fatos reais, pondo em cena colonos e caboclos, não fez, contudo, um livro realista e ainda menos regionalista. Não interessava ao autor o pitoresco nem se sentia inclinado a submeter-se passivamente a observação, um e outro entram na obra, mas no seu lugar como elementos de construção e nunca como fim.

c) Na historiografia Literária brasileira o nome de Graça Aranha costuma abrir com todo o direito o capítulo do movimento de 1922, pela adesão entusiasta, determinante que essa grande personalidade, antes mesmo de grandes escritores, iria dar aos jovens de São Paulo na revolta contra as instituições.

d) Canaã reflete sobre situações novas como a imigração alemã no Espírito Santo, desembocando em discussões raciais, sociais e morais, prelúdio inequívoco ao Modernismo.

e) Embora estejam presentes na obra ideias pessimistas quanto ao Brasil e tons idílicos da colônia alemã, não há nenhuma tendência a provar a superioridade do colono branco sobre o mestiço.

Resposta correta: b.

Questão 3

Os primeiros vaga-lumes começavam no bojo da mata a correr as suas lâmpadas divinas… No alto, as estrelas miúdas e sucessivas principiavam também a iluminar… Os pirilampos iam-se multiplicando dentro da floresta, e insensivelmente brotavam silenciosos e inumeráveis nos troncos das árvores, como se as raízes se abrissem em pontos luminosos. (…) Os pirilampos já não voavam, e miríades e miríades deles cobriam os troncos das árvores, que faiscavam cravados de diamantes e topázios.

In Canaã (fragmento), de Graça Aranha

O fragmento desta questão foi extraído da obra Canaã, de Graça Aranha. Nele e em várias outras passagens do romance há a recorrência de imagens plásticas e sensações visuais, olfativas e auditivas povoando a narrativa.  Sendo o Pré-modernismo um período de transição, no qual várias tendências literárias coexistiam e o Modernismo já era anunciado, constatamos que no fragmento lido há a predominância de um estilo:

a) parnasiano

b) simbolista

c) romântico

d) naturalista

e) realista

Resposta correta: b.

Sobre o(a) autor(a):

Texto produzido pelo Professor João Paulo Prilla para o Curso Enem Gratuito. JP é licenciado em Letras- Português, Inglês e respectivas Literaturas (2010) pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e mestrando em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina. Ministra aulas de Literatura, Língua Portuguesa e Redação em escolas da Grande Florianópolis desde 2011.

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