Instinto materno existe mesmo? A ciência mostra que o cuidado vai muito além disso

Entenda o que a ciência diz sobre o instinto materno e como o cuidado vai além da biologia, sendo uma escolha humana e afetiva.

Com a chegada do Dia das Mães, é comum ver mensagens dizendo que “toda mulher nasce com o instinto materno”, como se cuidar de um filho fosse algo automático, natural e obrigatório para todas. Mas será que isso faz mesmo sentido? 🤔

A ciência mostra que essa história é muito mais complexa — e, na verdade, muito mais bonita — do que parece.

O que é, afinal, um “instinto”?

Na biologia, um instinto é um comportamento automático, inato e comum à espécie, como os filhotes de tartaruga correndo pro mar logo que nascem. Isso acontece sem aprendizado prévio e é ativado por estímulos específicos.

Agora pense: cuidar de um bebê humano é um comportamento fixo, igual para todo mundo? A resposta é não. Criar uma criança envolve aprendizado, emoção, adaptação, cultura, tempo… ou seja, tá longe de ser um reflexo biológico simples.

Mas e os hormônios? Eles influenciam?

Com certeza! Durante a gestação e o parto, o corpo da mãe libera hormônios como:

  • Ocitocina: promove o vínculo e a confiança.
  • Prolactina: estimula a produção de leite e pode influenciar o comportamento de cuidado.
  • Dopamina e serotonina: reforçam a sensação de bem-estar e conexão com o bebê.

Mas aqui vem a grande virada: pais, cuidadores e até pais adotivos também podem apresentar níveis elevados desses hormônios. E isso acontece com o tempo, por meio da convivência, do toque, da troca de olhares. Ou seja, o “laço” não é exclusivo da mãe biológica — ele é construído na prática.

Existe instinto paterno?

Essa pergunta é ótima — e a resposta surpreende. Estudos mostram que pais que se envolvem ativamente no cuidado dos filhos — trocam fraldas, alimentam, brincam, colocam pra dormir — também passam por mudanças hormonais. Em alguns casos, os níveis de ocitocina (hormônio do vínculo) chegam a ser tão altos quanto os das mães. Isso mostra que o vínculo não é automático, mas construído na interação diária.

Além disso, a liberação de dopamina e serotonina, associadas à sensação de prazer e bem-estar, também está presente em pais quando eles cuidam e se conectam emocionalmente com seus filhos. Esses hormônios reforçam o comportamento de cuidado, o que cria um ciclo positivo: quanto mais o pai cuida, mais ele se sente conectado — e mais cuida ainda.

Ou seja: os pais não nascem sabendo, assim como as mães também não. Mas eles podem aprender e desenvolver os mesmos laços afetivos, com base na presença, na prática e no afeto. O que muitas vezes impede isso de acontecer é a cultura patriarcal, que ainda coloca o cuidado como uma “missão feminina”.

Romper com esse modelo é essencial não só para dividir as responsabilidades parentais, mas também para fortalecer os laços entre pais e filhos — algo que beneficia toda a família.

E no mundo animal?

Suricatos são conhecidos por realizar vigilância constante. Enquanto algumas fêmeas alimentam seus filhotes, outros membros do grupo ficam em postos de observação, prontos para alertar sobre qualquer ameaça, como predadores. (Foto: Jon Pinder)

Em muitas espécies, como leões ou passarinhos, o comportamento de cuidado é mais automático, ligado à sobrevivência. Mas nem sempre dá certo: há registros de mães que rejeitam ou até atacam suas crias.

Ou seja, nem na natureza o instinto materno é infalível ou garantido.

De onde vem essa ideia, então?

A noção de “instinto materno” como algo natural, inato e exclusivamente feminino tem raízes muito mais culturais e históricas do que biológicas.

Durante os séculos XVIII e XIX, com o avanço do pensamento iluminista e o fortalecimento da ideia de uma ordem social “natural”, começaram a se consolidar discursos que associavam a mulher ao espaço doméstico e à maternidade. Autores influentes da época, como Jean-Jacques Rousseau, defendiam que o papel da mulher era educar os filhos e servir como guardiã da moral familiar — não por escolha, mas por uma suposta predisposição biológica.

No século XX, essa ideia ganhou ainda mais força com a consolidação do modelo de família nuclear e a divisão sexual do trabalho. A mulher passou a ser vista como naturalmente mais apta ao cuidado, enquanto o homem era destinado ao sustento material. A ciência da época, muitas vezes influenciada por valores patriarcais, reforçava essa visão ao interpretar dados biológicos fora de contexto, associando a maternidade ao destino natural feminino.

Essa construção social teve (e ainda tem) efeitos profundos: serviu para excluir homens do exercício do cuidado, invisibilizar mães que não se encaixam no padrão idealizado e culpabilizar aquelas que não desejam ou não conseguem exercer a maternidade como se espera. A ideia do “instinto materno” como obrigação biológica também pressiona mulheres a desempenhar sozinhas a tarefa de cuidar, mesmo em contextos de exaustão física e emocional.

No entanto, os estudos contemporâneos — que envolvem neurociência, sociologia, psicologia e antropologia — vêm desconstruindo esse mito. Eles mostram que o vínculo com um filho é construído, estimulado por fatores emocionais, sociais, hormonais e, sobretudo, pela convivência. O cuidado não é exclusivo das mães biológicas, nem tampouco é espontâneo ou garantido. Ele é aprendido, incentivado, cultivado — e pode ser compartilhado.

Um novo olhar: o “instinto de cuidado”

Nos últimos anos, cientistas e educadores começaram a usar um termo que faz muito mais sentido: instinto de cuidado. Em vez de pensar que só as mães têm uma “chamada interna” para cuidar, essa ideia reconhece que o cuidado é uma capacidade humana — que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa, independentemente do gênero ou do laço biológico.

Sarah Hrdy, renomada antropóloga, desafiou a ideia do instinto materno exclusivo e mostrou como o cuidado é um esforço coletivo. Em seus estudos, ela destaca que o vínculo materno não é instintivo, mas construído ao longo do tempo, com o apoio de toda a rede de cuidados. (Foto: Reprodução)

Pesquisas de especialistas como Sarah Hrdy mostram que, ao longo da nossa evolução, cuidar de uma criança sempre foi uma tarefa coletiva, que envolvia não só mães, mas também pais, avós e outros membros da comunidade. O psicólogo Michael Lamb também reforça que pais são perfeitamente capazes de criar vínculos afetivos fortes e oferecer tudo o que uma criança precisa emocionalmente. E estudos de neurociência, como os da pesquisadora Ruth Feldman, mostram que o cérebro de quem cuida — seja homem ou mulher — se transforma com a convivência, o toque, o afeto.

Ou seja, o que realmente importa é a presença, a atenção e a conexão. Ao falar em instinto de cuidado, a gente tira o peso da maternidade como destino obrigatório e abre espaço para um mundo em que todos podem amar, proteger e criar juntos.

Cuidar é humano — e ser mãe é um ato de coragem e afeto

Neste Dia das Mães, vale lembrar: ser mãe vai muito além da biologia. É um papel vivido de muitas formas — por quem gerou, adotou, criou, acolheu. Mães são presença constante, são quem escolhe cuidar mesmo nos dias difíceis, quem aprende no caminho, quem ama com intenção.

A ciência pode até mostrar que o cuidado é uma capacidade humana compartilhada, mas há algo de profundamente transformador no modo como as mães — de todos os tipos — constroem vínculos, seguram o mundo e fazem o cotidiano funcionar com amor e paciência.

Por isso, mais do que falar em “instinto materno”, o que vale é reconhecer a força do ato de cuidar. É ali, no toque, na escuta, na presença, que o amor floresce.

Hoje, a homenagem vai para todas as mães que cuidam com o coração, que se reinventam, que fazem do afeto uma escolha diária. Ser mãe é, sim, um gesto poderoso — e merece ser celebrado com toda a nossa gratidão. 💛

Questões do Enem sobre o assunto

O conceito de instinto materno não está apenas em discussões científicas, mas também permeia questões sociais e culturais, o que o torna um tema recorrente em exames como o Enem. Ao abordar o cuidado e a maternidade, é interessante refletir sobre como a sociedade e a cultura influenciam as percepções sobre esses temas.

Questão 1 (Enem 2018)

O anúncio publicitário da década de 1940 reforça os seguintes estereótipos atribuídos historicamente a uma suposta natureza feminina:

a) Pudor inato e instinto maternal.
b) Fragilidade física e necessidade de aceitação.
c) Isolamento social e procura de autoconhecimento.
d) Dependência econômica e desejo de ostentação.
e) Mentalidade fútil e conduta hedonista.

Questão 2 (Enem 2022)

A senhora manifestava-se por atos, por gestos, e sobretudo por um certo silêncio, que amargava, que esfolava. Porém desmoralizar escancaradamente o marido, não era com ela.[…]

As negras receberam ordem para meter no serviço a gente do tal compadre Silveira: as cunhadas, ao fuso; os cunhados, ao campo, tratar do gado com os vaqueiros; a mulher e as irmãs, que se ocupassem da ninhada. Margarida não tivera filhos, e como os desejasse com a força de suas vontades, tratava sempre bem aos pequenitos e às mães que os estavam criando. Não era isso uma sentimentalidade cristã, uma ternura, era o egoísta e cru instinto da maternidade, obrando por mera simpatia carnal. Quanto ao pai do lote (referia-se ao Antônio), esse que fosse ajudar ao vaqueiro das bestas.

Ordens dadas, o Quinquim referendava. Cada um moralizava o outro, para moralizar-se.

PAIVA, M. O. Dona Guidinha do Poço. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d

No trecho do romance naturalista, a forma como o narrador julga comportamentos e emoções das personagens femininas revela influência do pensamento

a) capitalista, marcado pela distribuição funcional do trabalho.
b) liberal, buscando a igualdade entre pessoas escravizadas e livres.
c) científico, considerando o ser humano como um fenômeno biológico.
d) religioso, fundamentado na fé e na aceitação dos dogmas do cristianismo
e) afetivo, manifesto na determinação de acolher familiares e no respeito mútuo

Questão 3 (Enem 2017)

A participação da mulher no processo de decisão política ainda é extremamente limitada em praticamente todos os países, independentemente do regime econômico e social e da estrutura
institucional vigente em cada um deles. É fato público e notório, além de empiricamente comprovado, que as mulheres estão em geral subrepresentação nos órgãos do poder, pois a proporção não corresponde jamais ao peso relativo dessa parte da população.

TABAK, F. Mulheres públicas: participação política e poder. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2002.

No âmbito do Poder Legislativo brasileiro, a tentativa de reverter esse quadro de subrepresentação tem envolvido a implementação, pelo Estado, de:

a) leis de combate à violência doméstica.
b) cotas de gênero nas candidaturas partidárias.
c) programas de mobilização política nas escolas.
d) propagandas de incentivo ao voto consciente.
e) apoio financeiro às lideranças femininas.

GABARITO: 1) B / 2) C / 3) B

      Sobre o(a) autor(a):

      Luana Santos - Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, é redatora com foco em educação, produção de conteúdo para o Enem e vestibulares. Atualmente, integra a equipe da Rede Enem, onde cria materiais informativos e inspiradores para ajudar estudantes a alcançarem seus objetivos acadêmicos. Ama café, livros e uma boa conversa sobre educação.  

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