Morfossintaxe: entenda o que são forma e função linguística

Chegou a hora de pensarmos um pouco sobre a “famigerada” morfossintaxe. O nome pode soar estranho, ainda mais acompanhada de “famigerada”, mas é um assunto importantíssimo para o Enem e os vestibulares. Vamos lá.

No subtítulo desta revisão sobre morfossintaxe, temos a palavra “famigerada”. Talvez você não saiba o que significa, mas, de repente, pode até chutar a classe gramatical, não é? Bem, como está diante de um substantivo, tem grandes chances de ser um adjetivo, certo?

Todavia, não se preocupe, pois temos um conto de Guimarães Rosa chamado Famigerado que traz justamente esse conflito. Você já deve ter lido, não é?

Este conto serve – além de tudo – para ilustrar essa aula. Isso porque temos um personagem chamado Damázio, homem perigosíssimo, responsável por muitas mortes, que precisa saber o que significa a palavra famigerado.

Leia esse fragmento do conto:

“— “Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado… faz-megerado… falmisgeraldo… familhas-gerado…?

[…]

— Famigerado?
— “Sim senhor…” — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos.”

Agora, veja a tirinha de Chris Browne:
tirinha-chris-browne-morfossitaxe
Imagem 1:Tirinha de Hagar, do cartunista Chris Browne. No primeiro quadrinho vemos três personagens: dois vikings e um inglês. O inglês fala: “O senhor é a epítome de um viking estúpido” e um dos vikings responde: “Acho que não gostei do que você disse!”. No segundo quadrinho, esse mesmo viking vira para o outro e fala: “Vá descobrir o que é “epítome”!

No segundo quadrinho, fica claro que Hagar não sabe o que significa epítome, não é verdade? Mesmo sem saber, Hagar também demonstrar ter se sentindo ofendido.

Tanto no conto de Guimarães Rosa como na tirinha temos uma interessante situação: mesmo sem saber o significado de famigerado e epítome, o viking Hagar e Damázio, personagem do conto, desconfiam que foram xingados.

Essa “desconfiança” dos dois personagens é a base da nossa aula sobre morfossintaxe. Ela nos ajuda a perceber algo muito relevante sobre a construção de sentido de um enunciado.

Antes de tudo, o enunciado não depende somente do significado isolado das palavras que fazem parte dele. Além disso, devemos entendê-lo como uma gama de relações que se estabelecem entre as palavras, os lugares que ocupam nas estruturas sintáticas do enunciado bem como o contexto em que ocorrem. Por exemplo: adorei a manga.

O que seria um enunciado?

Poderíamos dizer que é tudo o que se enuncia. Mas daí, seria pouco. E você, caro estudante, pensaria que estamos fazendo piadas redundantes. Então, para essa aula, definiremos enunciado como ocorrências discursivas, ou ainda, unidades de comunicação entre sujeitos que interagem verbalmente.

Por exemplo: imagine que uma amiga deixou escrita, em um bilhete, a seguinte frase “adorei a manga”. Sem um contexto, fica difícil saber do que se trata, concorda? Seria alguém muito religioso que louvou a deusa manga? Será que ela comeu uma manga? Ou será que gostou da manga de uma blusa? Ou seja: de que manga estamos falando?

Sendo assim, para que possamos compreender esse enunciado de maneira plena, precisamos saber sua condição de produção. Então, desta maneira, não é suficiente analisá-lo morfológica ou sintaticamente, mas, sim, em quais condições ele foi criado.

O que são morfologia e sintaxe?

A palavra morfologia vem do grego “morphe” (morfo = forma) e (logos = estudo) e estuda a palavra de maneira isolada dentro das dez classes gramaticais (Substantivo, Adjetivo, Artigo, Pronome, Numeral, Verbo, Advérbio, Conjunção e Preposição).

Sintaxe são as normas que determinam as mais variadas possibilidades de associação dos termos – palavras – da língua para a construção de enunciados. É responsabilidade da sintaxe organizar a estrutura das unidades linguísticas que se encaixarão em sentenças.

Forma linguística

Quando paramos para analisar, percebemos que cada um dos elementos da língua possui uma significação própria, ou seja, formas linguísticas. Isso inclui palavras isoladas ou mesmo frases e textos mais complexos.

Tomemos como exemplo a forma verbal é, que é constituída por apenas um fonema.

Esse significado pode ser lexical – que tem relação com a um radical da língua – ou gramatical – que tem relação com gênero, número, pessoa, modo, tempo etc.

Agora, vamos observar os seguintes exemplos: árvore e falávamos.

Árvore temos o radical arvor, com significa linguístico e dele derivam as outras palavras como “arvoredo” ou “arvorar”.

Já em falávamos, temos o significado lexical do radical fal, depois o morfema de significado gramatical va e a desinência de modo e tempo mos que nos dá a informação de número e pessoa, correto? Primeira pessoa do plural, modo indicativo do pretérito imperfeito.

Função linguística

Você conhece estes dois personagens, né?

pateta-e-pluto-morfossitaxe
Imagem2: Na imagem vemos o personagem Pateta levando o cachorro Pluto para passear. Fonte: Google Imagens

Neste momento, não se faz necessário pensar na semântica da frase, mas vamos usar de exemplo a seguinte sentença:

O cachorro comprou um cachorro.

Na primeira vez que a palavra cachorro aparece na frase, podemos classificá-la como sujeito do verbo comprar e é um substantivo. Em seguida, passa um objeto direto do verbo comprar.

Podemos dizer que a mesma forma linguística – cachorro – desempenha funções sintáticas diferentes, ora como sujeito, ora como objeto direto.

Portanto, a conclusão a que chegamos aqui é simples. Função linguística é a aplicação que uma forma tem na língua com base em seu valor gramatical. Como vimos, substantivos podem ter funções de sujeito, objeto direto, objeto indireto etc.

Anota aí: sistema linguístico é o conjunto das formas linguísticas organizadas nas estruturas que constituem os níveis fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos.

Morfossintaxe

Agora ficou entender que morfossintaxe estuda as relações entre a morfologia e a sintaxe.

As classes gramaticais para análise

A preocupação com a classificação das palavras da língua não é coisa recente. Platão e Aristóteles já a estudavam e definem nome e verbo como as principais partes de um discurso, já que formam a essência das proposições.

No âmbito filosófico, proposições são enunciados verbais que podem ser considerados como verdadeiro ou falsos.

Todavia, quando se trata de estudos gramaticais, devemos falar em classe de palavras. Dessa forma, fazemos referência à divisão das palavras da língua, de acordo com critérios morfológicos, semânticos e sintáticos.

Além disso, elas podem variar. As palavras consideradas variáveis são aquelas que podem ser flexionadas em:

Gênero, número e grau: substantivos e adjetivos

boneco, boneca, bonecos, bonecas, bonequinho, bonequinha, bonequinhos, bonequinhas, bonecão, bonecona, bonecões, boneconas. – Substantivos

feio, feia, feios, feias, feinho, feinha, feinhos, feinhas, feião, feiona, feiões, feionas, feíssimo, feíssima, feíssimos, feíssimas – Adjetivos

Gênero e número: artigo e numerais

o, a, os, as, um, uma, uns, umas – Artigos

uma, dois, duas, duzentos, duzentas, primeiro, primeira, vigésimas, duplas, terços, meia, décadas – Numerais

Gênero, número e pessoa: pronomes

meu, minha, meus, minhas, teu, tua, teus, tuas

Modo, tempo, número, pessoa e voz: verbos

amo, amasse, amamos, amam, sou amado

Em contrapartida, existem as que não variam, ou seja, invariáveis. São aquelas que não apresentam formas flexionadas. Os advérbios – não, nunca, jamais -, as preposições – de, para, com – e as interjeições – ah!, ei!, ufa.

Finalizando a revisão sobre morfossintaxe

Para finalizar essa revisão sobre morfossintaxe¸ deixamos aqui um pequeno texto do humorista Millôr Fernandes. Nem é preciso pedir para que você, estudante, observe o estranhamento curioso que o deslocamento de algumas palavras pode ocasionar:

Assalto

Um grupo de perigosos cidadãos assaltou, ontem à noite, dois pacíficos meliantes. Três detonações acorreram ao ruído de um guarda. Uma calçada jazia sobre a vítima de um dos cadáveres. A pista já está na polícia do assaltante.

Videoaula

Exercícios sobre morfossintaxe

Ah!, agora é o momento de testarmos nossos conhecimentos sobre morfossintaxe. Temos aqui alguns exercícios como desafio. Bora lá?

TEXTO: 1 – Comum à questão: 1

1 Mito, na acepção aqui empregada, não significa mentira, 2 falsidade ou mistificação. Tomo de empréstimo a formulação 3 de Hans Blumenberg do mito político como um processo 4 contínuo de trabalho de uma narrativa que responde a uma 5 necessidade prática de uma sociedade em determinado 6 período. Narrativa simbólica que é, o mito político coloca em 7 suspenso o problema da verdade. Seu discurso não pretende ter 8 validade factual, mas também não pode ser percebido como 9 mentira (do contrário, não seria mito). O mito político confere 10 um sentido às circunstâncias que envolvem os indivíduos: ao 11 fazê-los ver sua condição presente como parte de uma história 12 em curso, ajuda a compreender e suportar o mundo em que 13 vivem.

ENGELKE, Antonio. O anjo redentor.
Piauí, ago. 2018, ed. 143, p. 24.

Questão 01) Sobre o sujeito da oração “em que vivem” (Ref. 12-13), é correto afirmar:

a) Expressa indeterminação, cabendo ao leitor deduzir a quem se refere a ação verbal.

b) Está oculto e visa evitar a repetição da palavra “circunstâncias” (Ref. 10).

c) É uma função sintática preenchida pelo pronome “que” (Ref. 12).

d) É indeterminado, tendo em vista que não é possível identificar a quem se refere a ação verbal.

e) Está oculto e seu referente é o mesmo do pronome “os” em “fazê-los” (Ref. 11).

Questão 02) Veja com atenção a imagem a seguir:
imagem-revista-veja
(Veja, edição 2437, agosto de 2015)

Considerando o texto da imagem acima, a frase “Nossa escola é resultado de um sonho…”, a expressão em negrito tem a função de:

a) objeto direto

b) predicativo do sujeito

c) objeto indireto

d) sujeito

e) complemento nominal

TEXTO: 2 – Comum à questão: 3

Filhos

Daqui escutei

quando eles

chegaram rindo

e correndo

na sala

e logo

invadiram também

o escritório

(onde eu trabalhava)

num alvoroço

e rindo e correndo

se foram com sua alegria

se foram

só então

me perguntei

por que

não lhes dera

maior

atenção

se há tantos

e tantos

anos

não os via

crianças

já que

agora

estão os três

com mais

de trinta anos

(Ferreira Gullar, Muitas vozes)

Questão 03) Nos versos – e logo / invadiram também / o escritório –, o verbo em destaque tem a mesma predicação que o destacado em:

a) quando eles / chegaram rindo

b) (onde eu trabalhava)

c) se foram com sua alegria

d) não os via / crianças

Gabarito: 1. E; 2. B; 3. D

Sobre o(a) autor(a):

Anderson Rodrigo da Silva é professor formado em Letras Português pela UNIVALI de Itajaí. Leciona na rede particular de ensino da Grande Florianópolis.

Compartilhe: