Movimento abolicionista no Brasil: história e ativistas

O movimento abolicionista se consolidou no Brasil no século XIX e contou com a participação de homens e mulheres que lutaram em diversas frentes pelo fim da escravidão.

A luta pela liberdade começou desde o início da escravização, mas apenas no século XIX ela se consolidou no Brasil como um movimento político-social. Vamos ver mais sobre esta história nesta aula completa sobre o movimento abolicionista!

Escravidão e resistência

A escravidão é uma forma de dominação do ser humano que existe desde a Antiguidade. A palavra “escravo” deriva de “eslavo”, povos do leste europeu que eram constantemente submetidos a este tipo de situação.

Além disso, por trás da tão famigerada democracia ateniense, estava a escravidão que possibilitava o ócio dos filósofos. Da mesma forma, Roma se tornou o maior império da Antiguidade graças às progressivas guerras que alimentavam o mercado de escravizados.

Mas a escravidão colonial vivida não só pelo Brasil, mas por várias outras regiões do globo durante a Era Moderna, sobretudo na América, diferenciava-se dos moldes antigos. Isso porque o mercantilismo impregnou a mentalidade ocidental com a lógica da acumulação a todo custo, inclusive o da liberdade de outros indivíduos.

A partir de uma justificativa religiosa e etnocêntrica de superioridade europeia, uma vasta diversidade de povos não brancos, sobretudo de origem africana, sucumbiu à escravidão para atender à lógica da produção colonial.

Individualmente ou em grupos restritos, esses sujeitos sempre lutaram como puderam contra as condições que lhes foram impostas. Talvez por terem origens diversas, muitas vezes sem falar a mesma língua, por muito tempo tornou-se difícil organizarem-se contra tamanha instituição.

Contudo, o movimento abolicionista só irá surgir no início do século XIX e chegará na América escravista como uma maneira de combater a escravidão pela mesma lógica de sua instituição: juridicamente.

Abolicionistas

A partir da segunda metade do século XIX começam a proliferar pelo Brasil focos de campanhas abolicionistas. Assim, seus adeptos formaram clubes, jornais e organizaram eventos em prol da causa.

A maior parte desses sujeitos eram brancos e membros da elite liberal do império, como Joaquim Nabuco, que viam na escravidão um atraso econômico e social, já que na Europa tal instituição não era mais vigente.

No entanto, muitos abolicionistas pretos tiveram importante papel nestas campanhas. Entre os nomes mais destacados estão Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, Castro Alves e Maria Firmina.

Luís Gama

Luís Gama - Movimento abolicionista

Luís Gama nasceu na Bahia em 1830 e é um dos mais conhecidos abolicionistas brasileiros. Seu pai era um fidalgo português e sua mãe era africana. Ele havia nascido livre, mas foi vendido pelo próprio pai aos 10 anos como escravo, condição da qual só se viu livre sete anos depois.

Atuando como advogado autodidata, ele contribuiu para a libertação de mais de mil indivíduos, tendo o ofício postumamente reconhecido pela OAB em 2015, mais de 130 anos após sua morte. Uma estratégia utilizada por Gama foi a de requerer a liberdade de indivíduos trazidos para o Brasil invocando a lei de 7 de novembro de 1831, que formalmente já extinguia o tráfico negreiro.

Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina - movimento abolicionista

Outra figura importante na causa abolicionista foi Maria Firmina dos Reis. Nascida no Maranhão em 1825, ela se formou como professora e atuou também como escritora romancista. Em vida ela já era reconhecida por sua atividade intelectual, recebendo prêmios e aparecendo em jornais. Isso não significou que sua vida foi livre de preconceitos.

Dentre suas obras mais importantes destaca-se Úrsula, de 1959, que é considerado um romance abolicionista. Nele, personagens negros ganham destaque e criticam a escravidão. Infelizmente, muitos vestígios da vida de Maria Firmina perderam-se. A autora faleceu em 1917, na pobreza.

Outros nomes importantes no movimento abolicionista

Em seguida você confere um pouco sobre Adelina, André Rebouças, Castro Alves, Francisco José do Nascimento e Maria Tomásia Figueira Lima, homens e mulheres que lutaram pelo fim da escravidão no Brasil.

O movimento abolicionista e o fim da escravidão

Apesar da atuação de grandes nomes como os que foram citados anteriormente, o Brasil acabou sendo o último país a abolir a escravidão. Isso ocorreu porque, historicamente, a economia do país se manteve baseada no latifúndio, setor que mais utilizava mão de obra escravizada.

Atualmente, mesmo com a escravidão abolida há mais de 130 anos, sujeitos ainda são encontrados em zonas rurais presos ao local em situações análogas à escravidão.

Lei do ventre livre - movimento abolicionistaImagem digitalizada do documento da Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871. Fonte: https://cutt.ly/dgzOG1r.

Dica: As leis abolicionistas, como todas as outras leis desde a independência do Brasil, podem ser acessadas através do site do governo federal.

Podemos dizer que a abolição da escravidão se deu de maneira gradual no Brasil pelos mesmos fatores que justificam sua duração. Apesar de o tráfico de africanos escravizados para o país ser proibido desde 1831, na prática só em 1850, com a pressão britânica e a Lei Eusébio de Queirós, essa restrição começou a valer.

Lei do Ventre Livre

A Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871, determinava que todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir daquela data seriam considerados livres.

Parecia um avanço, mas essa liberdade não era plena. As crianças nascidas sob a lei permaneciam sob tutela dos senhores até completarem 21 anos.

Nesse período, seus serviços eram explorados, muitas vezes de maneira tão intensa quanto os dos próprios escravizados. A intenção de garantir uma transição gradual para o fim da escravidão se mostrou insuficiente, já que a maioria dos senhores utilizava os jovens como força de trabalho gratuita até a idade adulta.

Muitos recorriam à venda dessas crianças antes de atingirem a maioridade, o que prolongava a exploração e a manutenção da escravidão em outras formas.

A Lei do Ventre Livre, embora vista como uma lei abolicionista, não oferecia proteção total às crianças nascidas de mulheres escravizadas. Sua implementação foi limitada, e a escravidão continuou a marcar as vidas de muitos desses “libertos” que, na prática, permaneciam presos a um sistema opressor.

Lei dos Sexagenários

A Lei dos Sexagenários, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe, foi promulgada em 28 de setembro de 1885, e concedia liberdade aos escravizados com 60 anos ou mais.

No entanto, a expectativa de vida de uma pessoa escravizada no Brasil do século XIX era extremamente baixa, sendo raro que alguém chegasse aos 60 anos.

A lei ainda previa que os senhores receberiam indenizações pelos escravizados libertados, o que reforçava o caráter econômico da escravidão e limitava o impacto real da medida.

Para quem atingia essa idade, a liberdade chegava tarde demais, quando a capacidade de trabalho já estava comprometida, e a maioria não tinha recursos para sobreviver de forma independente.

A Lei dos Sexagenários não oferecia assistência ou amparo a essas pessoas, deixando-as em situações de extrema vulnerabilidade. Assim, a lei serviu mais como uma medida para aliviar as pressões abolicionistas do que como uma verdadeira ação para a liberdade dos escravizados.

Comparação entre as duas leis

As duas leis abolicionistas foram promulgadas durante um período de intensos debates sobre o fim da escravidão, tanto no Brasil quanto no cenário internacional.

Na segunda metade do século XIX, o Brasil era um dos poucos países do mundo que ainda mantinha a escravidão como base de sua economia. Pressões internacionais, especialmente da Inglaterra, que já havia abolido a escravidão em seus domínios, eram constantes. A crescente mobilização abolicionista interna também começou a ganhar força.

As leis do Ventre Livre e dos Sexagenários surgiram nesse contexto de tentativas de apaziguar a sociedade e responder às demandas internacionais, sendo frequentemente chamadas de “leis para inglês ver”.

No entanto, seu impacto prático na vida dos escravizados foi limitado. Em vez de uma libertação imediata e plena, essas medidas contribuíram para prolongar a transição e adiar a abolição definitiva.

Característica Lei do Ventre Livre Lei dos Sexagenários
Beneficiários Filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir de 1871 Escravos com 60 anos ou mais
Objetivo Redução gradual do número de escravos Diminuição da pressão abolicionista e dos custos de manutenção
Consequência Liberdade futura para os nascidos livres Liberdade imediata para um grupo específico
Impactos Redução gradual da mão de obra escrava Pouco impacto na estrutura escravista

O racismo no Brasil

Apesar de sermos todos iguais perante a lei, há profundas desigualdades entre os membros da sociedade brasileira e uma delas é a desigualdade racial. A história do nosso povo foi construída tendo como um dos seus pilares o racismo e a cruel escravidão.

Vem entender melhor esse tema fundamental agora com o Curso Enem Gratuito:

O Brasil falou ao não dar um suporte de transição educacional e socioeconômica aos ex-escravos após a Lei Áurea, e nem aos seus descendentes. Somente um século depois, já no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é que tiveram início formal as iniciativas de reparação histórica.

Videoaula sobre o movimento abolicionista

Revise esta aula com este vídeo do canal Curso Enem Gratuito, apresentado pelo professor Dudu e, em seguida, resolva os exercícios:

Exercícios sobre o movimento abolicionista

1– (ENEM/2010)

Negro, filho de escrava e fidalgo português, o baiano Luiz Gama fez da lei e das letras suas armas na luta pela liberdade. Foi vendido ilegalmente como escravo pelo seu pai para cobrir dívidas de jogo. Sabendo ler e escrever, aos 18 anos de idade conseguiu provas de que havia nascido livre. Autodidata, advogado sem diploma, fez do direito o seu ofício e transformou-se, em pouco tempo, em proeminente advogado da causa abolicionista.

AZEVEDO, E. O Orfeu de carapinha. In: Revista de História. Ano 1, n.o 3. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, jan. 2004 (adaptado).

A conquista da liberdade pelos afro-brasileiros na segunda metade do séc. XIX foi resultado de importantes lutas sociais condicionadas historicamente. A biografia de Luiz Gama exemplifica a

a) impossibilidade de ascensão social do negro forro em uma sociedade escravocrata, mesmo sendo alfabetizado.

b) extrema dificuldade de projeção dos intelectuais negros nesse contexto e a utilização do Direito como canal de luta pela liberdade.

c) rigidez de uma sociedade, assentada na escravidão, que inviabilizava os mecanismos de ascensão social.

d) possibilidade de ascensão social, viabilizada pelo apoio das elites dominantes, a um mestiço filho de pai português.

e) troca de favores entre um representante negro e a elite agrária escravista que outorgara o direito advocatício ao mesmo.

2- (UFPR/2020)

Em 1888, a princesa Isabel, filha do imperador do Brasil, Pedro 2º, assinou a Lei Áurea, decretando a abolição […]. A decisão veio após mais de três séculos de escravidão, que resultaram em 4,9 milhões de africanos traficados para o Brasil, sendo que mais de 600 mil morreram no caminho.

(Amanda Rossi e Camilla Costa, postado em 13 de maio de 2018 – BBC Brasil em São Paulo. Disponível em: https://www.bbc.com/ portuguese/brasil-44091469. Acesso em 25 de junho de 2019.)

De acordo com o trecho acima, considere as seguintes afirmativas:

  1. A chamada “Lei Áurea”, assinada pela princesa Isabel, não pode ser vista como uma concessão da monarquia, sendo resultado de um longo processo de luta e resistência que contou com a presença ativa de escravizados e escravizadas para sua libertação do cativeiro.
  2. No período imediato que sucedeu à abolição, os libertos puderam contar com medidas de apoio na forma de distribuição de pequenos lotes de terra, tal como aconteceu nos Estados Unidos após a Guerra Civil, com a chamada “Reconstrução”.
  3. Escravizados e escravizadas receberam apoio de muitos setores da sociedade da época ligados ao movimento abolicionista, sendo Luís Gama, filho de escrava e advogado autodidata, um dos personagens mais célebres e atuantes, empenhando-se na libertação de centenas de cativos e cativas.
  4. Os segmentos da sociedade adeptos do regime escravista defendiam a “emancipação gradual” e nutriam o profundo receio de que a abolição imediata da escravidão trouxesse desorganização econômica e provocasse o caos social.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente a afirmativa 3 é verdadeira.

b) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.

c) Somente as afirmativas 2 e 4 são verdadeiras.

d) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras.

e) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras.

3- (PUCCamp SP/2019)

Em fins da década de 1780, navios negreiros haviam cruzado o Atlântico aos milhares, transportando milhões de escravos para plantations do Novo Mundo e ajudando a criar uma nova e pujante economia capitalista atlântica. De repente, em 1788-9, todos eles foram chamados de volta para casa por assim dizer, por abolicionistas, que tomaram consciência de que o que se passava nesses navios era moralmente indefensável e que a violência do tráfico devia ser conhecida em seus portos de origem, em Londres, Liverpool, Bristol – na Inglaterra; em Boston, Nova York e Filadélfia – nos Estados Unidos.

(REDIKER, Marcus. O Navio negreiro: uma história humana São Paulo, 2011, p. 314)

 As pressões abolicionistas que incidiram sobre o Brasil, no fim do período imperial, provinham de países como

a) Estados Unidos, que haviam abolido a escravidão em sua primeira Constituição, e França, que defendia os Direitos Universais dos Homens desde a Revolução Francesa.

b) Inglaterra, que praticamente obrigou o Brasil a decretar a Lei Eusébio de Queirós, e Holanda, que desde o período das invasões holandesas se mostrara contrária às práticas de escravização de índios e negros.

c) Argentina e outras jovens repúblicas hispano-americanas vizinhas, que já haviam abandonado a escravidão e a monarquia; e os Reinos Africanos da costa ocidental que protestavam contra as perdas econômicas e humanas da escravidão.

d) França, que, em meados do século XIX, aboliu a escravidão em sua colônias, e Inglaterra, que possuía fortes movimentos antiescravistas e decretou medidas de combate ao tráfico negreiro internacional.

e) Alemanha e Dinamarca, que haviam aderido às concepções iluministas em defesa do racionalismo e do progresso, e a Igreja católica, que no século XIX se posicionou frontalmente contra a prática da escravidão.

Gabarito:

  1. B
  2. D
  3. D

Sobre o(a) autor(a):

Os textos acima foram preparados pelo professor Angelo Antônio de Aguiar. Angelo é graduado em história pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestrando em ensino de história na mesma instituição e dá aulas de história na Grande Florianópolis desde 2016.

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