O que é anistia e por que ela é tão polêmica
Saiba o que é anistia, por que esse conceito é tão debatido no Brasil e como ele pode aparecer na sua prova do Enem.
Nos últimos tempos, a palavra “anistia” tem aparecido bastante no noticiário, nas redes sociais e em debates políticos.
Mas, apesar de estar cada vez mais presente nas conversas, nem todo mundo sabe exatamente o que ela significa — ou por que ela gera tantas polêmicas.
Este texto é um convite para entender de forma acessível o que é anistia, como surgiu, como funciona no Brasil e por que é um tema que continua tão atual.
O que é anistia?
Anistia é um perdão dado pelo Estado a pessoas que cometeram certos tipos de crimes. Mas não é só um “perdão” no sentido comum da palavra. A anistia, quando concedida, apaga o crime como se ele nunca tivesse existido. Isso quer dizer que ela não apenas livra a pessoa da pena, como também limpa seus antecedentes e até restabelece seus direitos, como o de se candidatar a cargos públicos.
O termo vem do grego “amnistia”, que significa “esquecimento”. Já na origem, a ideia era deixar certos acontecimentos no passado para permitir que a sociedade seguisse em frente. É uma ferramenta usada em momentos delicados da história de um país, como transições de regime, reconciliações após conflitos ou crises institucionais graves.
Origem e evolução histórica
A anistia não é uma invenção recente. Um dos primeiros registros históricos vem da Grécia Antiga, por volta de 594 a.C., quando o legislador Solon promoveu uma grande reconciliação entre grupos políticos, perdoando crimes cometidos durante disputas internas. Já em 405 a.C., Trasíbulo também aplicou o conceito ao ordenar a destruição de registros para permitir o retorno de cidadãos ao convívio político.
Esses exemplos mostram que, desde sempre, a anistia tem sido usada não apenas como uma medida jurídica, mas como uma ferramenta política para reorganizar sociedades divididas.
Como funciona no Brasil?
No Brasil, a anistia está prevista tanto na Constituição Federal quanto no Código Penal. Quem pode conceder esse tipo de perdão é o Congresso Nacional, por meio de uma lei aprovada pelos deputados e senadores e sancionada pelo presidente da República. Ou seja: não é uma decisão individual, mas sim coletiva, debatida e votada.

O artigo 107, inciso II, do Código Penal, diz que a anistia extingue a punibilidade. Isso significa que, uma vez concedida, a pessoa não pode mais ser punida — e, mais que isso, o crime desaparece do ponto de vista jurídico. Essa extinção tem efeitos retroativos, ou seja, vale como se o crime nunca tivesse existido.
Além disso, a Constituição determina que certos crimes não podem ser anistiados. Entre eles estão os chamados crimes hediondos, como tortura, tráfico de drogas, terrorismo e outros definidos em lei. Isso é importante porque define um limite: nem tudo pode ser perdoado em nome da paz social.
Quais as diferenças entre anistia, graça e indulto?
Apesar de muitas vezes serem usados como sinônimos, anistia, graça e indulto são coisas diferentes. Todos têm a ver com o perdão penal, mas cada um tem características específicas:
- Anistia: é coletiva e impessoal. Aplica-se a categorias de crimes ou situações específicas. É concedida pelo Congresso Nacional. Apaga o crime e todas as suas consequências, como se ele nunca tivesse ocorrido.
- Graça: é individual e concedida diretamente pelo Presidente da República. Pode ser pedida pela pessoa condenada, por terceiros ou concedida de ofício. Livra da pena, mas não apaga o crime — o registro continua lá.
- Indulto: também é um perdão presidencial, mas coletivo. Costuma ser concedido por decreto, como no caso do indulto de Natal. Também não apaga o crime, só a pena.
Há ainda o perdão judicial, que é dado por um juiz em casos muito específicos, quando se entende que a punição seria desnecessária — por exemplo, quando o sofrimento da pessoa por causa do crime já foi extremo.
Quais os tipos de anistia?
A anistia pode ser classificada de várias formas:
- Própria: concedida antes da condenação, impedindo que o processo continue.
- Imprópria: dada depois da condenação, extinguindo a pena e seus efeitos.
- Geral: abrange todos os envolvidos em determinada situação.
- Parcial: exclui certos crimes ou pessoas específicas.
- Condicional: exige que o beneficiado cumpra certas condições.
- Incondicional: é concedida sem exigência de nada em troca.
Essa variedade mostra como a anistia é uma ferramenta flexível, que pode ser usada de formas diferentes conforme os interesses políticos, sociais e jurídicos.
O que dizia a Lei da Anistia de 1979?
Um dos casos mais conhecidos de anistia no Brasil é a Lei nº 6.683, sancionada em 1979, durante o fim da ditadura militar. Ela foi resultado da pressão de movimentos sociais e políticos que lutavam pela redemocratização do país.
A lei permitiu que milhares de presos políticos fossem libertos, que exilados voltassem ao Brasil e que perseguidos políticos tivessem seus direitos restaurados. Por outro lado, ela também concedeu perdão a militares e agentes do Estado que haviam cometido tortura e outros abusos durante o regime — o que gerou (e ainda gera) muitas críticas.
Para alguns, isso foi uma “autoanistia”, ou seja, o próprio regime militar se perdoando antes de sair do poder. Esse ponto ainda divide opiniões e é constantemente questionado por entidades de direitos humanos, tanto no Brasil quanto internacionalmente.
O que dizem os tribunais internacionais?
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por manter a Lei da Anistia nos moldes em que foi criada. No caso da Guerrilha do Araguaia (Gomes Lund vs. Brasil), a Corte decidiu que crimes como tortura e desaparecimentos forçados não podem ser anistiados, pois são considerados crimes contra a humanidade e, portanto, imprescritíveis.
A decisão teve impacto, mas até hoje a lei não foi revista. O Brasil permanece como uma exceção entre os países do Cone Sul — como Argentina, Chile e Uruguai — que reviram suas leis e puniram agentes do Estado envolvidos em crimes graves durante as ditaduras.
E por que esse tema voltou agora?
O debate sobre anistia voltou com força após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando prédios dos Três Poderes foram invadidos por manifestantes inconformados com o resultado das eleições. Desde então, grupos políticos têm pressionado por uma nova anistia para essas pessoas.

Um projeto de lei (PL 2858/2022) foi apresentado no Congresso para tentar anistiar todos os envolvidos nos atos — desde manifestantes até financiadores e organizadores. O texto propõe inclusive restaurar os direitos políticos dos investigados e extinguir penas já aplicadas. Isso gerou uma reação imediata de outros setores da sociedade, que veem nesse projeto uma tentativa de impunidade.
“Sem anistia”: o clamor por justiça
A frase “sem anistia” ganhou força nas ruas e nas redes sociais como um grito por justiça e responsabilização. O argumento principal dos opositores à nova anistia é que atos que atentam contra a democracia, como os do 8 de janeiro, não podem ser tratados com clemência.
Além disso, existe a preocupação de que perdoar essas ações abra espaço para novas ameaças ao Estado Democrático de Direito. Isso porque a anistia pode acabar servindo como sinal de que crimes políticos podem ser cometidos sem consequência.
O que a Constituição diz?
A Constituição Federal é clara: crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo não podem ser anistiados. Isso serve de base legal para contestar o PL 2858/2022, principalmente se os atos do 8 de janeiro forem enquadrados como crimes dessa natureza.
Além disso, há o entendimento crescente de que tentar abolir o Estado Democrático de Direito pode se enquadrar como uma forma de terrorismo — o que reforça os limites legais para qualquer tentativa de perdão coletivo.
Por que isso importa para quem vai fazer o Enem?
Porque esse tema pode aparecer de forma direta ou indireta em questões de atualidades, história, sociologia e até na redação, especialmente quando o assunto envolve democracia, direitos humanos e justiça.
Discutir anistia é discutir o modo como o Brasil lida com o próprio passado — e isso tem tudo a ver com temas como memória histórica, justiça de transição, autoritarismo, responsabilização e participação cidadã.
Além disso, compreender temas complexos como esse ajuda a desenvolver o pensamento crítico, essencial para interpretar textos e argumentos — uma habilidade que o Enem valoriza muito. A relação do conteúdo com a realidade, assim como a reflexão sobre ele de forma consciente e bem fundamentada, é esperada pelos avaliadores.