Quem foi o cartunista Jaguar e por que conhecê-lo pode te ajudar no Enem
Descubra quem foi o cartunista Jaguar, sua importância na cultura brasileira e por que suas charges são tema recorrente no Enem.
A morte de Sérgio Jaguaribe, conhecido simplesmente como Jaguar, aos 93 anos no dia 24 de agosto de 2025, no Rio de Janeiro, marca mais do que a despedida de um grande artista. É também a chance de revisitar sua trajetória e entender como ele influenciou a cultura brasileira. Neste texto, vamos explorar sua carreira, seu papel em O Pasquim e como sua obra pode ajudar quem se prepara para o Enem.
Jaguar mostrou que a arte pode ser resistência. Seu humor ácido e irreverente era uma arma poderosa contra a opressão, e sua visão de mundo – a de um “botequeiro” carioca – registrou com inteligência e leveza um dos períodos mais difíceis da história do Brasil. Mais do que desenhos, ele nos deixou uma lição: a união entre o pessoal e o político, a crítica social e a originalidade podem ser profundamente populares e acessíveis.
A trajetória de um ícone carioca
Do Banco do Brasil ao Pasquim
Jaguar nasceu em 29 de fevereiro de 1932, no Rio de Janeiro, e teve uma infância marcada por mudanças. Por causa do trabalho do pai, no Banco do Brasil, e de recomendações médicas para sua asma, a família se mudou várias vezes, passando por Juiz de Fora e Santos. Essas experiências moldaram seu olhar atento e adaptável, que mais tarde seria refletido em sua arte.
Sua carreira começou em 1952 na revista Manchete, quando, por sugestão de um colega, adotou o pseudônimo “Jaguar”. Curiosamente, ele conciliava o trabalho no banco com seus desenhos – um contraste entre a segurança de um emprego formal e a paixão pelo humor. Nos anos 1960, consolidou seu nome, publicando em revistas como Senhor, Civilização Brasileira, Última Hora e Tribuna da Imprensa. Em 1968, lançou sua primeira coletânea de charges, Átila, você é bárbaro, e começou a pavimentar o caminho para a revolução que viria no ano seguinte.
O botequeiro carioca
Jaguar vivia e respirava a cultura boêmia do Rio de Janeiro. Seu jeito de “botequeiro contumaz” não era só um estilo de vida; era a base do seu humor e da sua crítica social. Participou da fundação da Banda de Ipanema, bloco de carnaval satírico e anárquico, que reforçava sua ideia de resistência cultural. O mesmo homem que ria, bebia e celebrava a vida era capaz de usar seu traço para desafiar a ditadura militar.
O Pasquim
O Pasquim nasceu em 1969, como resposta à censura e repressão da ditadura militar após o AI-5. Criado por Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral, o jornal tinha a missão clara: bater na ditadura com humor e coragem.
Revolução no jornalismo

O Pasquim trouxe uma linguagem coloquial, ácida e divertida, que conquistou leitores rapidamente. A tiragem semanal cresceu de 28 mil para mais de 200 mil exemplares, mostrando que a sociedade buscava uma voz de oposição autêntica. Jaguar sugeriu o nome do jornal, inspirado na palavra italiana para “panfleto difamador”, e permaneceu na publicação até seu encerramento em 1991, mantendo vivo o espírito de resistência.
Além disso, ele inovou ao publicar entrevistas na íntegra, permitindo que a voz das pessoas fosse ouvida sem filtros – uma pequena revolução contra a imprensa engessada.
Prisão e resistência
Em 1970, Jaguar foi preso por três meses junto com a equipe do jornal. O motivo? Uma charge satírica que parecia simples à primeira vista: uma brincadeira com o quadro Independência ou Morte de Pedro Américo e a frase “Eu quero mocotó!!”. Esse episódio mostra que a ditadura via o humor como uma ameaça real. Anos depois, em 2008, o Estado reconheceu oficialmente a perseguição, concedendo indenização a Jaguar e outros jornalistas.
A sátira de Jaguar
Traço e personagens
O traço de Jaguar é único. Ele começava a desenhar pelo pé do personagem e subia até a cabeça, criando personagens marcantes como Rato Sig, Gastão, o Vomitador e Bóris, o Homem-Tronco.
Rato Sig: a alter-ego da resistência
Rato Sig, mascote do Pasquim, era o alter-ego de Jaguar. Inspirado em Freud, ele satirizava não só a política, mas a própria sociedade brasileira, seus tabus e repressões. O rato, que age nas sombras, simboliza a resistência silenciosa que corroía o poder de dentro.
Comparativo: nomes do Pasquim
Artista | Personagens | Estilo | Contribuição |
---|---|---|---|
Jaguar | Rato Sig, Gastão, o Vomitador, Bóris | Ácido, irreverente, boêmio | Fundador do Pasquim, permanência até o fim, entrevistas na íntegra |
Henfil | Graúna, Fradinhos, Capitão Zeferino | Direto, combativo | Crítica à ditadura, defesa dos direitos, renovação das ilustrações |
Ziraldo | Menino Maluquinho, Turma do Pererê | Irônico, intelectual | Humor de resistência, sucesso na literatura infantil |
Millôr Fernandes | Censor | Intelectual, jogo de palavras | Humor em múltiplas linguagens, crítica textual e gráfica |
Jaguar e o Enem
Por que charges e cartuns caem no Enem?
A razão principal é que o Enem não é uma prova de memorização, mas de competências e habilidades. Charges e cartuns são a forma perfeita de avaliar a capacidade do estudante de analisar criticamente a realidade.
Intertextualidade e leitura múltipla
A prova exige que você leia textos verbais e não verbais (a imagem, a expressão dos personagens, o cenário). Além disso, a charge quase sempre dialoga com outros textos, como notícias, fatos históricos, músicas ou ditados populares. O aluno precisa fazer essas conexões para “desvendar” o significado completo.
Contextualização
Uma charge não existe no vácuo. Ela é produzida em um momento específico, com um propósito claro. Para entender a crítica, é fundamental ter o contexto histórico, social e político da época. Por exemplo, uma charge sobre o governo Vargas só faz sentido se o aluno souber sobre a Era Vargas.
Subjetividade e crítica
A charge é, por essência, um texto que manifesta uma opinião e uma crítica. Ela usa ironia, sarcasmo e hipérbole para fazer o leitor refletir. A prova do Enem, ao usar charges, busca testar se o estudante é capaz de identificar e interpretar essas figuras de linguagem para compreender a crítica embutida.
Exemplo prático

Uma das charges de Jaguar já virou até questão de simulado do Enem, e ilustra bem como interpretar imagens exige olhar além do óbvio. Publicada na extinta revista Pasquim logo após a vitória do Brasil na Copa de 1970, a charge mostrava uma família com seis filhos em situação de miséria, enquanto o pai segurava uma placa com os dizeres: “Avante Seleção”.
O objetivo de Jaguar era criticar o ufanismo exagerado que tomava conta do país após a vitória da seleção. Na época, o treinador João Saldanha havia se negado a convocar o jogador Dario, seguindo a pressão do general Emílio Garrastazu Médici, que indicava pessoalmente os jogadores da seleção. Saldanha foi demitido e Mário Zagalo assumiu rapidamente o comando da equipe, incluindo o jogador Dadá. A Seleção venceu, mas, nas palavras de Jaguar, “os milicos faturaram os louros (e os negros) da vitória”.
Ou seja, a charge satirizava a mistura de futebol, política e propaganda oficial, mostrando a disparidade entre a glória esportiva e a realidade social do país.
Quando a questão do simulado do Enem pediu que os alunos interpretassem a charge, a resposta oficial foi: “estabelece uma ironia com o ‘milagre econômico’ que o Brasil vivia à época”. Jaguar, no entanto, considerou que várias interpretações poderiam estar corretas. Ele mesmo respondeu que a charge “propõe uma sátira ao povo brasileiro por sua acomodação”, destacando a subjetividade da interpretação.
O cartunista comentou: “Fiquei pasmo, surpreso e perplexo… ainda não me decidi se comemoro ou lamento. Comemoro porque o humor está sendo levado a sério ou lamento pelo mesmo motivo. É uma espécie de loteria: o estudante tem que acertar o que o organizador da prova pretende”.
Esse episódio mostra que, no Enem, interpretar charges vai além de identificar o que o autor quis dizer. É preciso compreender o contexto histórico, político e social da época, percebendo nuances de ironia, crítica e sátira que vão além da intenção original do desenho.
A charge da prisão

A charge, que parece “boba” à primeira vista, é uma das mais contundentes de Jaguar. Ele usou a ironia para desconstruir um símbolo de poder e autoridade da ditadura militar. A prisão, que deveria ser um local de autoridade e ordem, é retratada de forma absurda e ineficaz. Ao fazer isso, o cartunista não apenas critica o sistema carcerário, mas também ridiculariza o próprio autoritarismo do regime.
Essa charge é a prova de que a crítica não precisa ser explícita ou violenta. O humor e a ironia podem ser ferramentas poderosas para questionar o poder. Para o Enem, analisar essa charge significa ir além do óbvio e entender como a linguagem não verbal pode carregar uma carga política e histórica imensa.