Conheça a trajetória de José “Pepe” Mujica e como ela ajuda a entender temas políticos e sociais importantes para vestibulares e Enem.

Você já ouviu falar de um presidente que trocou o palácio por uma chácara simples, andava de Fusca 87 e doava a maior parte do salário? Esse era José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai — uma figura que rompeu com os padrões tradicionais da política e conquistou o mundo com sua humildade e coerência — , falecido ontem, dia 13 de maio.
Nascido em 1935, Mujica viveu uma trajetória digna de roteiro de cinema: foi guerrilheiro, passou quase 14 anos preso durante a ditadura militar uruguaia e, décadas depois, se tornou um dos líderes mais admirados da América Latina.
Para quem está se preparando para o vestibular, entender a vida de Mujica é mais do que conhecer uma biografia inspiradora — é explorar questões centrais da história do continente, como autoritarismo, movimentos sociais, redemocratização e políticas progressistas. Estudar sua trajetória é também refletir sobre os caminhos possíveis da política: com ética, resistência e propósito.
Da juventude militante à guerrilha

Mujica nasceu e cresceu num bairro humilde — Paso de la Arena — de Montevidéu, capital do Uruguai. Desde cedo, mostrou interesse por política: influência que vinha, em parte, de seu tio materno, nacionalista, que costumava falar sobre o país e suas injustiças. Mas o que realmente despertou a militância em Mujica foi o contexto turbulento do Uruguai nos anos 1960.
O país enfrentava uma crise econômica séria, com desemprego em alta, inflação, salários baixos e uma desigualdade social cada vez mais visível. Para muitos jovens da época, parecia que o sistema político tradicional não dava conta de resolver esses problemas. Foi nesse clima de frustração e desejo por mudanças que a Revolução Cubana (1959) virou uma espécie de farol: se em Cuba o povo tinha conseguido tomar o poder, por que não tentar algo parecido em outros países da América Latina?
Movido por esse ideal revolucionário, Mujica se uniu ao Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, conhecido como MLN-T. O grupo era uma organização de guerrilha urbana, que pregava a luta armada contra o que chamava de sistema opressor e desigual. Para os tupamaros, o objetivo era claro: redistribuir riqueza, enfrentar a repressão do Estado e construir uma sociedade mais justa — nem que isso envolvesse confrontos violentos.

Mujica participou de várias ações do grupo, incluindo o ataque à cidade de Pando, em 1969, uma operação ousada que acabou chamando atenção nacional. No ano seguinte, foi baleado em um confronto com a polícia e preso. O que ele talvez não soubesse na época era que estava começando o capítulo mais difícil (e transformador) da sua vida.
Durante a ditadura militar que se instalou no Uruguai nos anos 1970, Mujica passou quase 14 anos preso. Foram anos marcados por torturas físicas e psicológicas, longos períodos em isolamento e condições precárias de sobrevivência.
Ele tentou fugir duas vezes, mas também teve muito tempo para refletir — sobre política, sobre violência, sobre o que significa lutar por justiça. Essa fase não apagou sua vontade de mudar o mundo, mas o fez repensar os caminhos para isso. E essas reflexões iriam moldar o político que ele se tornaria no futuro.
Da prisão ao parlamento
Depois de quase 14 anos atrás das grades, José Mujica saiu da prisão em 1985, com a redemocratização do Uruguai. Aquele país autoritário e fechado começava a dar lugar a uma nova fase: a do diálogo, da política feita nas urnas — e não mais na clandestinidade.
Mujica poderia ter seguido no caminho da resistência armada, mas escolheu outra rota: a política institucional. Ao lado de antigos companheiros dos Tupamaros, entrou para a Frente Ampla (Frente Amplio), uma coalizão de partidos de esquerda que vinha crescendo desde os anos 1970. E, dentro dela, ajudou a fundar o Movimento de Participação Popular (MPP), um partido legal, democrático, que herdava o espírito dos Tupamaros, mas agora com foco na disputa eleitoral.
Foi uma transição simbólica: o ex-guerrilheiro estava trocando as armas pelo microfone, a resistência pela construção coletiva nas instituições. E, aos poucos, Mujica foi ganhando espaço. Primeiro como deputado, depois como senador. Em 2005, chegou ao cargo de ministro da Agricultura no governo de Tabaré Vázquez, também da Frente Ampla. Nesse período, mostrou que não era apenas um ex-rebelde com fama de figura excêntrica: era também um político habilidoso, com um jeito direto de falar e um pé sempre fincado nas questões do campo e da vida simples.
Mas o momento mais marcante da sua trajetória política veio em 2009, quando foi eleito presidente do Uruguai. Para muitos, foi uma surpresa ver aquele homem de fala mansa, que usava roupas simples e dirigia um Fusca, ocupar o cargo mais alto do país. E foi justamente esse jeito “gente como a gente” que o tornou uma figura tão admirada — dentro e fora do Uruguai.
Um presidente fora do comum
De 2010 a 2015, José Mujica esteve à frente do Uruguai — e, desde o começo, deixou claro que seria um presidente diferente de todos os outros. Nada de luxo, segurança exagerada ou discursos cheios de pompa. Mujica recusou morar no palácio presidencial, continuou vivendo em sua chácara simples nos arredores de Montevidéu, cultivando flores com a esposa, e doava cerca de 90% do seu salário para projetos sociais. Seu carro oficial? Um Fusca azul de 1987, que virou símbolo do seu jeito descomplicado de governar.
Essa simplicidade chamou a atenção do mundo todo. Mujica ganhou o apelido de “presidente mais pobre do mundo”, mas, para ele, riqueza nunca foi sobre bens materiais. Ele defendia uma vida com propósito, onde o consumo exagerado dá lugar à solidariedade e ao bem comum.
Só que o impacto do seu governo foi muito além do estilo de vida. Mujica liderou uma série de reformas sociais que transformaram o Uruguai em uma das democracias mais avançadas da América Latina:
Política | Ano | O que mudou |
Legalização da maconha | 2013 | O Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar totalmente o uso recreativo da maconha, regulando sua produção e venda pelo Estado. |
Legalização do aborto | 2012 | As mulheres conquistaram o direito de interromper a gravidez até a 12ª semana de gestação — uma medida pioneira na América do Sul. |
Casamento igualitário | 2013 | Casais do mesmo sexo passaram a ter o direito ao casamento civil, com os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais. |
Essas decisões enfrentaram resistência, é claro, mas consolidaram o Uruguai como uma referência global em direitos civis e políticas progressistas.
Além disso, o país viveu um período de crescimento econômico estável. A pobreza e o desemprego diminuíram, os investimentos aumentaram e o Uruguai se destacou internacionalmente por apostar em energias renováveis, como a eólica e a solar — um passo importante em direção a um modelo de desenvolvimento mais sustentável.
Mujica mostrou que é possível governar com coerência entre discurso e prática, colocando as pessoas no centro das decisões.
Mujica e o Brasil: uma amizade com Lula

A trajetória de José Mujica também tem uma forte conexão com o Brasil — especialmente por meio da amizade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois líderes, que vieram de origens humildes e passaram por momentos difíceis antes de chegar ao poder, compartilhavam uma visão parecida de mundo: acreditavam que a política deve servir aos mais pobres, que a integração entre os países da América Latina é fundamental e que a democracia precisa caminhar junto com a justiça social.
Mais do que afinidade pessoal, essa parceria se traduziu em ações concretas. Durante seus mandatos, tanto Mujica quanto Lula atuaram em defesa da integração regional, por meio de blocos como o MERCOSUL e a UNASUL. Eles viam esses espaços como oportunidades de fortalecer os laços econômicos e políticos entre os países do sul, buscando soluções conjuntas para desafios comuns — da pobreza à dependência externa.
Mas essa relação também teve momentos simbólicos marcantes, que revelam o carinho mútuo entre os dois. Em 2024, já fora da presidência, Lula condecorou Mujica com a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria concedida pelo governo brasileiro a personalidades estrangeiras. E com o falecimento de Mujica, Lula foi pessoalmente ao funeral no Uruguai, representando não só o Brasil oficial, mas também o afeto de milhões de brasileiros que viam em Mujica um exemplo raro de coerência, humildade e coragem.
A amizade entre os dois expressa algo maior: a possibilidade de uma política mais humana, em que líderes não se distanciam do povo — e que enxergam, na solidariedade entre nações, um caminho para o futuro.
O que Mujica ensina aos vestibulandos?
A trajetória de José Mujica oferece um excelente repertório para compreender temas recorrentes no Enem e nos vestibulares, como autoritarismo, participação política, movimentos sociais e integração latino-americana.
Ao conhecer a juventude de Mujica e sua participação na guerrilha dos Tupamaros, a gente entende melhor o clima político dos anos 1960, marcado pela influência da Revolução Cubana e pela luta contra as desigualdades na América Latina. Sua prisão durante a ditadura militar uruguaia também ajuda a abordar os regimes autoritários do Cone Sul e a repressão aos que se opunham ao sistema.
Abaixo, um trecho do documentário “Human”, de Yann Arthus-Bertrand, que entrevistou o ex-presidente em 2016:
Depois de assistir ao vídeo, vale destacar também suas reflexões sobre simplicidade e felicidade — temas que rendem ótimas discussões sobre consumismo e sustentabilidade, assuntos sempre presentes nas provas. Já sua atuação como presidente, com foco na justiça social e na legalização da maconha, pode enriquecer debates sobre direitos humanos e políticas públicas. Além disso, sua defesa da integração latino-americana tem tudo a ver com temas de geopolítica e relações internacionais.
Em resumo, estudar Mujica é uma forma de conectar diferentes momentos da história da América Latina e explorar temas super relevantes para o Enem e os vestibulares — de política e sociedade até meio ambiente e atualidades.