Como ocorreu o renascimento comercial e urbano na Europa

Confira o que foi o Renascimento comercial e urbano e todas as mudanças que ele trouxe para a população da Idade Média. Estude para o colégio, Enem e vestibulares.

Tente parar um pouco e imaginar como seria uma cidade medieval. O que vem à sua mente? Um lugar com ruelas apertadas, com barracas de vendedores ao ar livre, pequenas oficinas de artesãos e muros cercando toda a cidade? Pois a aula de hoje é sobre como esse cenário foi composto durante o renascimento comercial e urbano!

O que foi o Renascimento comercial e urbano

Durante o período que conhecemos como Alta Idade Média (século V ao X), a Europa Ocidental era predominantemente rural. As cidades eram pequenas e não muito expressivas.

Mas a partir do século XI, uma série de fatores contribuiu para a decadência do feudalismo e para a expansão comercial e urbana. Este período e suas respectivas transformações é chamado de Renascimento comercial e urbano.

Introdução ao Renascimento Comercial e Urbano – Veja agora com o professor Felipe de Oliveria, do canal do Curso Enem Gratuito uma introdução que ajuda você a compreender este tópico para gabaritar nas provas.

Como você viu com o professor Felipe, o renascimento comercial e urbano teve seu início na Europa, no chamado período da Baixa Idade Média (uma das subdivisões da Idade Média) e foi consequência direta das Cruzadas.

Inovações no campo

Quem vê a utilização de arados, cavalos e moinhos no campo como métodos arcaicos, não deve nem imaginar que eles impulsionaram importantes transformações do renascimento comercial e urbano entre os séculos XI e XIII.

A invenção da charrua, um arado de ferro com uma lâmina de metal, tornou o preparo da terra e o plantio mais rápidos e eficientes. Antes da charrua, era utilizado o arado romano, feito de madeira.

charrua antes do renascimento comercial
Imagem de camponês utilizando charrua ainda puxada por bois. Iluminura de Pol de Limbourg, século XV.

Além disso, se antes eram utilizados bois para puxar os arados, a partir desse momento começaram a ser utilizados cavalos. Eles eram mais rápidos e resistentes para essa tarefa. Também houve uma melhoria na forma de atrelar os cavalos, o que aumentava a força de tração.

o uso da força do cavalo no renascimento comercial
Na imagem da esquerda, o cavalo é atrelado pelo pescoço. Na segunda, é atrelado pelo peito, o que aumenta sua força de tração.

A invenção dos moinhos de água e de vento também foi muito importante no aumento da produção agrícola durante o Renascimento comercial e urbano. Eles aceleraram processos que antes eram manuais, como a moagem de grãos para fabricar farinha. Estima-se que um único moinho fazia o trabalho de 40 pessoas.

Por fim, a adoção da rotação de culturas trienal aumentou a área de cultivo e melhorou a produtividade. A terra era dividida em três partes e duas eram utilizadas ao mesmo tempo. Enquanto isso, a terceira permanecia em repouso por um ano para o solo recuperar sua fertilidade.

Além de evitar o empobrecimento do solo, foi possível usar parte da terra no verão e outra no inverno. Como antes era feita uma rotação bienal, só era possível utilizar o solo em uma estação, pois a outra metade estava em repouso.

Aumento da produtividade agrícola

Você deve estar se perguntando o que essas mudanças no campo têm a ver com algo chamado renascimento comercial e urbano, não é? Pois saiba que elas foram essenciais.

As inovações aumentaram a produtividade e, assim, a necessidade de mão de obra diminuiu. A partir de então, os camponeses buscaram novos modos de vida nas cidades. E, se aumenta a produtividade, também cresce a quantidade de alimentos. Por isso, foi possível a muitos camponeses venderem excedentes agrícolas.

Dessa maneira, eles passaram a ter condições de comprar sua liberdade dos senhores feudais e irem para as cidades, ou permanecerem no campo como assalariados.

gráfico com o crescimento populacional no renascimento comercial
Fonte: FRANCO JR, Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006.

Outra consequência da maior oferta de alimentos foi a população comendo melhor e vivendo mais. E como as invasões entre os povos também era menos frequente e menos gente morria em combate, houve um salto no crescimento populacional.

Retomada do comércio no Renascimento

O aumento da oferta de produtos do campo e o crescimento do artesanato feito pelos novos habitantes da cidade fizeram o dinheiro voltar a circular. As atividades comerciais estavam se revigorando cada vez mais. O resultado foi a proliferação de algo que é popular até hoje: as feiras.

As feiras

Para a realização das feiras, eram montadas bancas cobertas por um toldo para proteger da chuva, e havia lugares numerados para cada vendedor. Na maioria das cidades aconteciam duas vezes por semana, mas em locais maiores, como Paris, funcionavam todos os dias.

as feiras surgiram no renascimento comercial
Iluminura do século XV mostrando um vendedor de frutas e outro de cereais.

Os camponeses vendiam seus cultivos e os artesãos negociavam produtos como ferramentas, tecidos e sapatos. Era lá que se conseguia gêneros alimentícios, matérias-primas, joias e todo o tipo de suprimentos.

Logo surgiram feiras ainda maiores e de caráter internacional. Mercadores de todas as partes da Europa se reuniam uma ou duas vezes por ano em cruzamentos de rotas comerciais.

rotas comerciais renascimento comercial

Além de produtos europeus, era possível encontrar artigos de locais como o norte da África, Península Arábica, Índia e China.

Em alguns locais, essas feiras se tornaram eventos muito importantes e passaram a ocorrer com maior frequência. O movimento fez com que fossem formados novos centros urbanos.

Foi dessa maneira que surgiram cidades como Champagne (França), Bruges (Bélgica), Sevilha (Espanha) e Pisa (Itália). Em meio às multidões e ao grande volume de troca, ocorria o renascimento comercial.

Os banqueiros

Com mercadores de tantos lugares diferentes, também circulavam uma grande variedade de moedas. E como saber o quanto pagar e receber, se as moedas não possuíam os mesmos valores?

A solução veio pelo surgimento das atividades bancárias. Muitos mercadores passaram a se dedicar à atividade de câmbio.

Eles estabeleceram que as moedas valeriam de acordo com a quantidade de material que possuíam. Foi nesse contexto que surgiram as palavras “banco” e “banqueiro”.

oficio de cambista
“O cambista e sua mulher”, Quentin Matsys, século XVI. Fonte: https://bit.ly/39ERhLF.

Enquanto alguns historiadores apontam que as palavras começaram a ser usadas porque as moedas ficavam expostas em bancas de madeira, outros afirmam que é porque os cambistas realizavam suas atividades apoiados em bancos.

Com o tempo, os banqueiros ampliaram suas atividades. Eles começaram a aceitar depósitos reembolsáveis e, para atrair clientes, passaram a pagar juros sobre os valores.

E pensando em facilitar negociações de mercadores que viajavam, criaram as letras de câmbio.

Elas funcionavam de maneira que o cliente poderia fazer um depósito e receber em troca um recibo. Ele poderia apresentá-lo em qualquer filial do banco para receber o valor de volta. Assim, não precisava carregar o dinheiro consigo durante as viagens.

Além disso, também passaram a fazer empréstimos com juros, a chamada usura. Essa prática era condenada pela Igreja com a justificativa de que as pessoas estariam vendendo o seu tempo aos banqueiros.

E, como supostamente o tempo pertencia a Deus, não poderia ser vendido. No entanto, a instituição tinha interesse em manter a ordem estamental e impedir que mercadores e comerciantes ascendessem socialmente.

O Renascimento urbano e o crescimento das cidades

Com a expansão do comércio, também houve o renascimento urbano. A população das cidades crescia alimentada pela grande produtividade agrícola, e movimentava o comércio local.

xilogravura de nuremberg
Xilogravura da cidade medieval de Nuremberg (Alemanha). Wilhelm Pleydenwurff, 1493. Fonte: https://bit.ly/2wOVjnm

Além do crescimento de cidades em torno das feiras e de entrepostos comerciais, também se formaram centros urbanos a partir de iniciativas de senhores feudais. Notando que o comércio rendia cada vez mais, permitiram trocas comerciais em suas terras em troca de impostos.

Os burgueses

Com o crescimento das cidades e o renascimento comercial, os mercadores passaram a se instalar nos subúrbios fora das muralhas que cercavam as cidades. Era lá que se realizavam as feiras e que foram criados mercados.

Conforme eles ganhavam cada vez mais poder econômico e prestígio, foram sendo construídos muros também em volta de seus bairros. Eram os chamados burgos. A partir disso, os moradores dos burgos começaram a ser chamados de burgueses.

Como eles haviam conseguido se desvincular dos senhores feudais e prosperar pelo comércio, a palavra “burguês” era associada a uma pessoa livre. Só mais tarde é que recebeu a conotação ligada à detenção de dinheiro e dos meios de produção.

Mas para conseguir uma liberdade plena e não precisar mais pagar impostos para negociar em terras de senhores feudais, os comerciantes lutavam para conseguir as cartas de franquia. Elas davam o direito de os burgueses manter um comércio regular, cunhar suas próprias moedas e administrar as cidades.

O que eram as corporações de ofício

O trabalho também foi transformado pelo renascimento comercial e urbano. Em algumas cidades, artesãos que tinham a mesma profissão se uniram sob a forma de corporações de ofício. Essas associações tinham o objetivo de defender interesses coletivos. Elas estabeleciam os preços, as quantidades a serem produzidas, os salários, as jornadas de trabalho e garantiam a qualidade dos produtos.

As corporações de ofício eram organizadas de acordo com uma divisão hierárquica do trabalho. O posto mais importante era o do mestre, que geralmente era o dono do empreendimento, e tinha direito ao lucro das vendas. Logo abaixo ficavam os jornaleiros ou oficiais, que recebiam por dia trabalhado.

Por fim, havia os aprendizes, que começavam a aprender o ofício desde muito jovens. As famílias pagavam os artesãos para que ensinassem seus filhos a se tornarem mestres.

O aprendizado durava cerca de 12 anos. Somente quando eles conseguissem executar uma obra-prima é que poderiam deixar a condição de aprendiz.

oficina de ourives ilustração
Representação de oficina de ourives, século XVI.

É importante pontuar que a palavra obra-prima tinha um significado diferente do atual. Não era uma única obra excepcional feita por um artista, mas sim um produto construído corretamente, sem nenhum defeito. Uma comissão avaliava a obra do aspirante a mestre e concedia o título caso fosse uma obra-prima.

Quem participava das corporações de ofício?

As mulheres que viviam nas cidades também realizavam trabalhos nas oficinas artesanais. Nas atividades têxteis, por exemplo, cabia a elas a função de tosar, escovar a lã, tirar irregularidades dos tecidos e fazer acabamentos. Mas também havia aquelas que trabalhavam em serviços pesados, como construções, carpintaria e metalurgia.

Além dos artesãos, os mercadores também se organizavam em associações. Foi uma forma de criar regras para o comércio e de estabelecer um padrão no sistema de pesos e medidas.

A mais rica dessas organizações foi a Liga Hanseática, que chegou dominar o comércio no norte da Europa. Estima-se que no ano de 1356 ela integrava 150 cidades do Sacro Império Romano-Germânico.

A educação

Uma das mais importantes instituições criadas na Idade Medieval foram as universidades. Antes do renascimento comercial e urbano, a Igreja é que monopolizava a educação.

O estudo da Bíblia, além de ser obrigatório, era feito sob a forma de comentários tradicionais elaborados pela lógica. Nada de questionamentos por parte dos estudantes.

No entanto, os comerciantes começaram a financiar a criação de instituições de ensino. Dessa forma, se antes só estudavam clérigos, monges e filhos de nobres, a partir de então, filhos de mercadores e quem mais pudesse pagar poderia frequentar uma escola.

Inicialmente, essas escolas funcionavam de forma semelhante às corporações de ofício. Havia o mestre, que seria o professor, e os aprendizes, que eram os alunos. Autores clássicos, como Aristóteles, passaram a ser utilizados no ensino. Os alunos também deveriam formular questões e resolver sentenças propostas pelos mestres.

A criação das universidades

Logo esse formato de ensino se difundiu e se tornou mais importante do que as instituições monásticas. Mas como em cada local se ensinavam conteúdos diferentes e sob métodos diversos, surgiu uma necessidade de criar estatutos educacionais.

Em 1215, mestres de Paris se reuniram voluntariamente para elaborar diretrizes. Eles foram reconhecidos pelo papa, que concedeu a eles o estatuto de universidades. Dessa forma, diferentes universidades se organizaram para que cada uma fosse responsável pelo ensino de áreas diferentes.

Em Salerno (Itália), por exemplo, se ensinava Medicina. Já em Bolonha (Itália) se aprendia Direito, e Paris (França) era especializada em Artes e Teologia. Em todas elas o idioma oficial era o latim e a Teologia continuou tendo destaque em todas as instituições.

Apesar de boa parte das escolas e universidades não serem administradas pela Igreja, elas permaneceram ligadas ao papado. Era o pontífice o responsável por fornecer licenças e privilégios as instituições. Em troca, ele exigia a mestres e alunos que permanecessem fiéis e defendessem a doutrina cristã.

universidade medieval
Aula em uma universidade medieval, gravura de Laurentius de Voltolina da metade do século XIV.

A conexão era tão importante que franciscanos e dominicanos tomaram frente dessas instituições. Quem teve o maior destaque foi o dominicano Tomás de Aquino. Ele formularia um currículo que seria seguido pelas escolas por vários anos.

Manifestações culturais

Além das escolas e universidades, também se desenvolveu uma vida cultural urbana. As praças eram tomadas por artistas que se apresentavam nos idiomas locais. Atores representavam peças de teatro, e jograis e menestréis performavam canções.

Foi nessa época que surgiu o Trovadorismo, com suas cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer. Os trovadores declamavam suas poesias para a nobreza com o acompanhamento de músicas. E nesse contexto que surgiu uma das obras mais importantes na literatura mundial: A Divina Comédia, de Dante Alighieri.

A arquitetura também se transformou. As igrejas de estilo românico deram lugar ao estilo gótico, com suas torres altas, janelas decoradas com vitrais e tetos com abóbodas enormes.

vitral igrejas goticas renascimento comercial
Vitral característico das igrejas góticas. Fonte: https://bit.ly/2JCuvcK.

Essa ampliação dos templos, tanto no tamanho quanto na luminosidade, representava uma maior abertura com a nova realidade promovida com o renascimento comercial e urbano.

Antes de terminar, é importante pontuar que apesar de as cidades terem despontado num momento de crise do feudalismo e renascimento do comércio, cerca de 80% da população da Europa Ocidental ainda habitava o campo.

Mas as transformações ocorridas nesse período seriam fundamentais para a entrada de uma nova fase na Europa. Elas possibilitaram o surgimento do absolutismo, das grandes navegações e do colonialismo.

Exercícios sobre o Renascimento comercial

Para finalizar, resolva os exercícios abaixo e verifique se você aprendeu tudo sobre o renascimento comercial e urbano.

1 – (PUC SP/2019)

ilustração renascimento comercial exercício puc
(Le Goff, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1988 – p. 26 e 27)

Iluminura extraída de La vie de Monseigneur Saint Denis, glorieux apôtre de France, compilada segundo Hilduin pelo abade Gilles, século XIV (manuscrito 2092, f.1). Paris, Biblioteca Nacional da França.

Em 1300, menos de 20% da população do Ocidente reside em cidades e a maior aglomeração é, de longe, Paris, com… 200 mil habitantes, não mais.

Podemos inferir, com base nas afirmações acima, que as cidades medievais:

a) Surgiram ou se multiplicaram durante o período tradicionalmente conhecido como “Baixa Idade Média”, resultando da crise do Sistema Feudal europeu e despontando como áreas comerciais e aristocráticas que traduziam um mundo em transição.

b) Evidenciaram uma mudança radical do modo de vida feudal, haja vista que se tornaram centros comerciais por excelência, reduzindo a presença aristocrática num cenário preponderantemente urbano.

c) Eram áreas caracterizadas pela defesa, como percebemos na imagem, o que explica a exclusividade do comércio, indústria e produção agrícola intramuros.

d) Eram áreas de extensão do poder feudal, com total poder aristocrático sobre a ascendente burguesia, que naturalmente se submetia aos seus senhores, mantendo a política de obrigações ou impostos que vinha sendo praticada desde o início da “Idade Média”.

2 – (UFU MG/2019)

A partir do século XI, observa-se em várias localidades da Europa Ocidental uma intensificação das atividades comerciais. Dentre os fatores que explicariam esse “renascimento comercial”, analise as informações abaixo.

I. Uma forte diminuição demográfica, causada pela chamada peste negra e pelas chamadas invasões bárbaras.

II. O aumento do número de cidades e da intensificação da divisão social do trabalho que ajudou no desenvolvimento do artesanato.

III.  O aumento da atividade bancária como atividade cada vez mais significativa para expansão do comércio.

Em relação a essas informações, assinale a alternativa que apresenta as afirmativas corretas.

a) II e III.

b) I e II.

c) I e III.

d) I, II e III.

3 – (ENEM/2019)

A cidade medieval é, antes de mais nada, uma sociedade da abundância, concentrada num pequeno espaço em meio a vastas regiões pouco povoadas. Em seguida, é um lugar de produção e de trocas, onde se articulam o artesanato e o comércio, sustentados por uma economia monetária. É também o centro de um sistema de valores particular, do qual emerge a prática laboriosa e criativa do trabalho, o gosto pelo negócio e pelo dinheiro, a inclinação para o luxo, o senso da beleza. É ainda um sistema de organização de um espaço fechado com muralhas, onde se penetra por portas e se caminha por ruas e praças e que é guarnecido por torres.

LE GOFF, J.; SCHMITT, J.-C. Dicionário temático do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2006.

No texto, o espaço descrito se caracteriza pela associação entre a ampliação das atividades urbanas e a

a) emancipação do poder hegemônico da realeza.

b) aceitação das práticas usurárias dos religiosos.

c) independência da produção alimentar dos campos.

d) superação do ordenamento corporativo dos ofícios.

e) permanência dos elementos arquitetônicos de proteção.

Gabarito

  1. A
  2. A
  3. E

Sobre o(a) autor(a):

Ana Cristina Peron é formada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestranda em História na mesma universidade. Também é redatora do Curso Enem Gratuito e do Blog do Enem.

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