John Rawls: a teoria de Justiça e o véu da ignorância

John Rawls foi um filósofo norte-americano, autor de Uma Teoria da Justiça, Liberalismo Político e O Direito dos Povos. Ele trabalhou como professor de filosofia em Harvard.

Já pensou como as leis poderiam ser diferentes? Talvez mais justas? John Rawls já! Embarque nessa aula sobre Política e Justiça, dois conteúdos super em alta no Enem e nos vestibulares.

Quem foi John Rawls

O filósofo estadunidense John Rawls trouxe à tona as ideias contratualistas, criando uma abordagem mais inovadora a fim de atender as demandas do século XXI.

retrato de john rawls
Retrato de John Rawls.

Rawls foi um filósofo que se dedicou com afinco aos temas políticos. Ele era adepto do contratualismo, um modelo que ganhou fama com as ideias de Hobbes, Locke e Rousseau há alguns séculos.

Contratualismo

Para entender qual é a discussão que John Rawls está inserido, é bacana a gente fazer uma rápida excursão nas ideias contratualistas. O Contratualismo é uma teoria filosófica que se fundamenta na existência de um Contrato Social. Ou seja, a gente entra em um comum acordo para que conseguir viver em harmonia.

Segundo os filósofos contratualistas, é a partir do firmamento desse contrato que nos libertamos da Natureza. Ou seja, deixamos de agir conforme nossos instintos primitivos.

Passamos a estabelecer uma nova lógica de funcionamento para realidade a nossa volta, a viver de maneira racional. Ao contrário dos demais animais, a espécie humana é capaz de criar suas leis, sua moral e sua cultura.

O que é Contrato Social

Ora, a partir do Contrato Social é possível buscar uma existência mais harmônica através da nossa capacidade – ímpar – de sair do estado original e criarmos uma sociedade a parte dessa natureza, na qual coexistimos com outros seres humanos sob uma lógica própria e em harmonia. Ou quase.

Caso você esteja se indagando sobre quando assinou tal contrato, ou esteja ligando para um advogado para analisar melhor as cláusulas de tal arranjo funesto, calma! Não existe concretamente um contrato.

É mais como uma alegoria que representa todo o processo que falamos há pouco. Então, infelizmente, não há como processarmos a sociedade por esse malogro da nossa espécie.

contrato social john rawls
Ilustração mostrando um aventureiro encontrando finalmente o Contrato Social. No último quadrinho, após analisar o contrato, ele não encontra sua assinatura.

Partindo dos Primórdios

A visão contratualista de John Rawls, embora compartilhe da essência de seus predecessores, como Locke e Hobbes, se dá a partir de uma experiência alicerçada na ideia de posição original. Ou seja, uma população que esqueceu seus lugares na sociedade.

Para facilitar seu entendimento, vamos criar uma metáfora. Imagine só que você está de boa em casa, no conforto do sofá com a bebida de seu gosto em vossas mãos.

Um estrondo de proporções colossais corta os céus e rola o apocalipse nuclear, as cidades são reduzidas as cinzas e a civilização como você conheceu deixa de existir.

Passado a loucura atômica que seria esse apocalipse, você se encontra refugiado com um grupo de pessoas desconhecidas em uma ilha inabitada até então. Com desamparo no olhar, vocês percebem que não restou nada, será necessário reconstruir a sociedade desde o início.

Conceito de posição original de John Rawls

O exemplo, embora exagerado, tem como objetivo demostrar o que John Rawls chamou de posição original. Isto é, regressar ao período de concepção da sociedade afim de entender e moldar as principais características que deram forma as diversas civilizações pelo mundo, culminando na sociedade que temos hoje.

Segundo o autor, nessa reconstrução do mundo, você vai tentar garantir a sua sobrevivência. Para isso ocorrer, muito provavelmente você irá agir de acordo com seus próprios interesses. No entanto, perceberá que determinadas coisas só poderão ser alcançadas através do trabalho coletivo. Esse trabalho coletivo é o tal Contrato Social, do qual estamos falando.

John Rawls e a teoria da justiça

Agora que já temos nosso pano de fundo, o estado original – você está prestes a reconstruir a sociedade – a grande sacada de Rawls começou ao indagar e que maneira seriam estabelecidos os princípios da Justiça.

E isso é algo bem complexa, visto que conceituar uma palavra carregada de significados e representações é por si só uma tarefa hercúlea.

Todavia, para não nos perdermos nos limites da linguagem, vamos definir Justiça de maneira bem simples e corriqueiramente encontrada nos dicionários, como qualidade do que está em conformidade com o que é justo, correto, direito.

Observe que é muito complicado falar daquilo que é certo ou justo. Há muito tempo essa discussão é palco de embates filosóficos. Um bom exemplo disso são as escolas helenísticas, cada qual com sua visão de justo e correto.

Ora, para haver Justiça, na visão de Rawls, devemos nos guiar por princípios tais como a imparcialidade e a racionalidade. Logo, devemos estabelecer regras que sejam imparciais e racionais.

Exemplos de regras

Por exemplo, imagine que em um país qualquer, decreta-se uma lei do pescotapa (aquele tapa que a gente dá no pescoço dos amigos sabe-se lá por qual motivo), que autoriza esbofetear o pescoço de quem tem renda baixa.

Assim sendo, banqueiros, fazendeiros e grandes empresários se beneficiarão dessa medida imediatamente, pois se enquadram nos critérios safos. Ao passo que trabalhadores assalariados, pequenos produtores e pequenos empresários irão contorcer-se para sobreviver a caça dos pescoços.

Segundo Rawls, essa seria uma lei injusta, visto que não respeita o princípio da imparcialidade. O mesmo aconteceria se estapeássemos o infeliz pescoço de alguém ao acaso, uma vez que, isso não tem um sentido racional explicito.

Portanto, as leis devem respeitar tais princípios para serem justas.

Exemplos reais

Se um exemplo fictício lhe pareceu forçado, lembre-se do Apartheid, quando pessoas de outras etnias eram obrigadas – por força da lei – a condições de vida inferiores aos brancos.

Na década de sessenta nos Estados Unidos, uma senhora negra foi presa por não sentar no fundo do ônibus, lugar destinado a pessoas que não eram brancas.

segregacao racial
As pessoas negras sequer podiam beber água no mesmo lugar que as brancas.

Para além da questão racial podemos lembrar também do sufrágio universal. Aqui nas terras tupiniquins, fazem aproximadamente uns oitenta anos que é permitido por lei as mulheres votarem.

Foi só 1932 que se expediu um decreto permitindo as “minas” de votarem, o que se consolidou na constituição de 1934 e está em rolando desde então.

Conclusões de John Rawl

Bom, John dizia que em face dessas injustas conjunturas é preciso ignorar os fatores externos. Isto é, Rawls falava em lançar um véu da ignorância sobre as coisas que nos cercam.

Desta maneira, não saberemos de onde viemos, no que trabalhamos, qual etnia pertencemos, enfim, para além do sexo, classe social ou credo, conseguiríamos pensar numa lei que beneficiaria a todos.

Ora, para você estruturar a sua sociedade justa será necessária uma pitada de ignorância sobre os demais companheiros para assim todas as partes conseguirem entrar num acordo genuinamente imparcial.

Portanto, partindo-se do princípio que você não sabe qual é o seu lugar na sociedade, e como dissemos no início, você vai agir de acordo com seus próprios interesses e para isso será necessário a cooperação dos demais é natural que vocês formem leis para assegurar isso.

Assim, para melhor servir a si, é bom que essas leis sejam aplicadas igualmente a todos, assim sendo, os princípios da Justiça devem ser escolhidos sobre o véu da ignorância.

Questões políticas atuais

A teoria de John Rawls acerca da Justiça foi a sua principal contribuição para o debate atual sobre a política contemporânea, pois critica a forma como são formuladas as decisões governamentais e a estrutura política vigente.

Essa problemática é algo exaustivamente debatido pela Filosofia ao longo dos séculos, uma vez que  escolher o que é melhor para todos é sempre um problema político fundamental. Já pensou, por exemplo, nos diferentes sistemas de votação que existem e qual seria o melhor para você ou para a sociedade como um todo?

Checa só esse vídeo para entender o mar de possibilidades que estamos falando:

Peguemos nosso país como exemplo. O Brasil após a redemocratização converteu-se em uma república federativa, adotando o presidencialismo e uma democracia representativa.

O véu da ignorância

Por conta disso, nossas leis são elaboradas por pessoas de determinados segmentos, tais como empresários, grandes pecuaristas, religiosos entre outros.

Fazendo uso das ideias de Rawls que acabamos de ver, podemos concluir que essas pessoas, que compõe o poder legislativo, buscam aquilo que julgam melhor para elas.

Ora, o poder legislativo representa parcelas da população que o elegeu. Portanto, o poder legislativo busca aquilo que julga melhor para quem o elegeu, uma vez que, representa parcelas da população ao invés da população como um todo.

Dessa maneira, as leis elaboradas no país estão em desacordo com aquilo que Rawls chamou de véu da ignorância, pois existe uma evidente discriminação das pessoas que se beneficiam ou não com as leis.

De forma que um representante das pessoas que são canhotas dificilmente será o autor de uma lei que oferece vantagens aos destros.

Por fim, John Rawls foi um importante filosofo que ajudou no desenvolvimento do debate sobre a política atual, suas ideias foram contestadas em 1947 por Robert Nozick que criticou sua teoria da posição original, em sua celebre obra “Anarquia, Estado e Utopia”.

Entretanto, as ideias de Rawls ainda são importantes para compreensão do contratualismo contemporâneo.

Videoaula sobre John Rawls

Confira esse vídeo aula sobre o tema disponibilizada pelo Curso Enem Gratuito e fique ainda mais por dentro do assunto:

Exercícios sobre John Rawls

1- (FGV 2013)

O pensador norte-americano John Rawls (1921-2002), contribuiu para a reformulação do pensamento moral contemporâneo, ao pretender ampliar o conceito e o papel da justiça. Nesse sentido, seu modelo de justiça

(A) é igualitarista, identificando a justiça com igualdade econômica, a ser conquistada por meio da planificação e estatização da economia.

(B) se baseia em uma concepção metafísica e apriorística de Bem, que obriga a pessoa a se orientar etinicamente através de imperativos categóricos que comandam o sentido individual de suas ações.

(C) é utilitarista, pois concebe uma sociedade justa quando suas organizações são instituídas de forma a alcançar a maior soma de satisfação para o conjunto de indivíduos.

(D) defende as assimetrias econômicas e sociais, na medida em que recusa o argumento de ser vantajoso amparar os menos favorecidos.

(E) é pluralista, no sentido de compreender o universo social como composto por elementos diferentes e conflitantes, mas orientado por princípios, entre os quais, o da liberdade.

2- (SEDUCI 2015)

Sobre a teoria da justiça de John Rawls, marque a alternativa CORRETA.

(A) Um conceito central no contratualismo de Rawls é o de Estado de Natureza.

(B) Em Rawls a justiça é definida como equidade, baseada em princípios formulados por sujeitos situados no que denominou de “posição original”.

(C) Rawls defende uma versão renovada do utilitarismo na formulação de seu conceito de justiça.

(D) Segundo Rawls, uma sociedade justa eliminaria toda a desigualdade natural entre os homens.

(E) Na teoria rawlsiana da justiça como equidade há uma prevalência do bem sobre o justo.

Gabarito

1. E, 2. B,

Sobre o(a) autor(a):

Os textos e exemplos acima foram preparados pelo professor Ernani Silva para o Blog do Enem. Ernani é formado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista. Ministra aulas de Filosofia em escolas da Grande Florianópolis. Facebook: https://www.facebook.com/ErnaniJrSilva

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