Romance regionalista: o que é, características e autores

O romance regionalista surgiu no século XIX com a intenção de retratar lugares e personagens brasileiros que eram ignorados pela maioria dos escritores da época.

Os escritores do Romantismo do início do século XIX sentiram a necessidade de criar um panorama dos espaços brasileiros. Foi então que surgiu o romance regionalista.

Do sertão do Mato Grosso ao interior de Minas Gerais, passando pela grandeza dos campos gaúchos, aparece no romance romântico a figura de um país com tamanho de continente.

A descrição de espaços e costumes desconhecidos estabelece o confronto entre os tipos rurais e urbanos, maximizando, assim, o conhecimento que se tinha do país até então.

Brasil: Um país sem fronteiras

O regionalismo traz para o centro do romance romântico as paisagens e os tipos de um Brasil bem desconhecido. A partir de então, os leitores começam a conhecer outros tipos de figuras e personagens, como os vaqueiros dos pampas e os fortes sertanejos do Nordeste.

No romance regionalista é apresentada ao leitor uma sociedade rural de comportamentos e valores bem díspares daqueles da corte. Assim, o país que surge no romance regionalista configura-se com proporções enormes em sua extensão e arcaico nos costumes.

A ficção romântica vai aos poucos “ganhando” o território nacional pelas mãos e letras de escritores como José de Alencar, Alfredo d’Escragnolle Taunay – o Visconde de Taunay –, Franklin Távora e Bernardo de Guimarães.

Para você ter uma ideia da variedade de romances regionalistas do século XIX, dê uma espiadinha nesse mapa abaixo.

Mapa do romance regionalista

Revelar o Brasil para os brasileiros

Pronto! Com esse título, já te disse, estudante, qual era o objetivo do escritor do romance regionalista.

Isso porque, na primeira metade do século XIX, o comportamento daquela galera que vivia nas cidades era influenciado demais por modelos importados da Europa. Os livros e folhetins que as pessoas liam colaboravam para a, digamos, propaganda desses modelos.

Então, alguns escritores optaram por usar suas narrativas para divulgar os aspectos locais que foram ignorados por seus contemporâneos.

Inocência

“Inocência”, do Visconde de Taunay, por exemplo, é um romance regionalista que mostra bem esse processo. Quando um leitor do Rio de Janeiro ou de São Paulo lia essa obra, experimentava um Brasil bem patriarcal, em que a vida das mulheres era inteiramente decidida e controlada pelos homens.

Saca só:

[…] Antes de sair da sala, deteve Pereira o hóspede com ar de quem precisava tocar em assunto de gravidade e ao mesmo tempo de difícil explicação.

Afinal começou meio hesitante:

– Sr. Cirino, eu cá sou homem muito bom de gênio, muito amigo de todos, muito acomodado e que tenho o coração perto da boca como vosmecê deve ter visto…

Por certo, concordou o outro.

– Pois bem, mas… tenho um grande defeito; sou muito desconfiado. Vai o doutor entrar no interior da minha casa e… deve portar-se como…

– Oh, Sr. Pereira! atalhou Cirino com animação, mas sem grande estranheza, pois conhecia o zelo com que os homens do sertão guardam da vista dos profanos os seus aposentos domésticos, posso gabar-me de ter sido recebido no seio de muita família honesta e sei proceder como devo. […]

TAUNAY, Visconde de. Inocência. 29. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 35. (Fragmento).

Análise

Pereira pede para que Cirino examine sua filha doente. Impressiona constatar que, mesmo com preocupado com a saúde de Inocência, sua filha, Pereira hesita bastante em permitir que o médico entre em seu quarto.

Essa é uma cena que mostra bem como, no Brasil Império, em diferentes partes do país, várias pessoas ainda viviam sob estruturas bem coloniais.

É por isso que podemos notar que as obras mostram mais retratos locais das pessoas e dos costumes do meio rural do que o panorama de uma época.

Além disso, podemos observar que o sertanejo, um homem do interior, é a figura que representa o elemento nacional que, nos romances indianistas, era simbolizando pela natureza e o índio.

Portanto, para o público dos romances românticos, essencialmente urbano, inaugurava-se um Brasil completamente inédito, desafiador e heroico.

Produção e circulação

Os meios de produção e de circulação dos romances regionalistas são praticamente os mesmos dos outros romances românticos. Os escritores quase sempre publicavam as obras primeiro em forma de folhetins, nos jornais.

Em seguida, quando ganhava e crescia o interesse do público, juntavam os muitos capítulos em um livro e, na capa, acrescentavam o “rótulo” que trazia a origem do livro e o orgulho do autor: um romance brasileiro.

A maioria dos romances em língua portuguesa vinha de Portugal. No entanto, nossos escritores românticos ajudaram muito a criar, aos poucos, um catálogo de obras “brasileiras”.

O público do romance regionalista

O público dos romance regionalista era exatamente o mesmo que lia todos os outros romances românticos: a população de classe média dos centros urbanos, principalmente do Rio de Janeiro.

Algumas cenas de romances regionalistas permitem entender ainda melhor por que o brasileiro do interior não consumia os romances românticos.

Isso porque eram pessoas que viviam distantes das influências europeias e viam o conhecimento como algo perigoso. Entendiam que os livros eram uma ameaça à moral das moças de família.

Voltemos, então, ao nosso querido Visconde de Taunay, em “Inocência”, para ver como o autor registra essa maneira de compreender esse fato.

[…] – Eu repito, disse ele com calor, isto de mulheres, não há que fiar. Bem faziam os nossos do tempo antigo. As raparigas andavam direitinhas que nem um fuso… Uma piscadela de olho mais duvidosa, era logo pau… Contaram-me que hoje lá nas cidades… arrenego!… não há menina, por pobrezinha que seja, que não saiba ler livros de letras de forma e garatujar no papel… que deixe de ir a fonçonatas com vestidos abertos na frente como raparigas fadistas e que saracoteiam em danças e falam alto e mostram os dentes por dá cá aquela palha com qualquer tafulão malcriado…[..]

TAUNAY, Visconde de. Inocência. 29. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 36. (Fragmento).

Essa cena mostra a imagem do livro e da leitura como algo que corrompe o comportamento feminino e transforma as jovens de família em raparigas fadistas que sorriem, dançam e falam alto.

A própria Inocência, protagonista dessa história, não sabe ler nem escrever porque essa é a vontade do pai.

Linguagem e idealização do território brasileiro

Como já dissemos nos estudos sobre poesia romântica, a idealização é uma constante no Romantismo. Na prosa romântica não seria diferente.

A imagem grandiosa que os românticos desejam fazer dos espaços brasileiros se forma através dos cenários que aparecem nas narrativas regionalistas.

[…] Quantos seres habitam as estepes americanas, sejam homem, animal ou planta, inspiram nelas uma alma pampa. Tem grandes virtudes essa alma. A coragem, a sobriedade, a rapidez são indígenas da savana.

[..]

Até a árvore solitária que se ergue no meio dos pampas é tipo dessas virtudes. Seu aspecto tem o quer que seja de arrojado e destemido; naquele tronco derreado, naqueles galhos convulsos, na folhagem desgrenhada, há uma atitude atlética. Logo se conhece que a árvore já lutou com o pampeiro e o venceu. Uma terra seca e poucos orvalhos bastam à sua nutrição. A árvore é sóbria e feita às inclemências do sol abrasador. Veio de longe a semente; trouxe-a o tufão nas asas e atirou-a ali, onde medrou. […]

ALENCAR, José de. O gaúcho. 5. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 16. (Fragmento).

A visão romântica recorre à adjetivação idealizada para ilustrar o cenário brasileiro.

Os adjetivos utilizados para criar o retrato da árvore – aspecto arrojado e destemido; galhos convulsos, tronco derreado, folhagem desgrenhada –  fazem com que ela represente o símbolo da atitude “atlética” que marca os habitantes dos pampas.

Videoaula sobre romance regionalista

Por fim, assista à videoaula da prof. Camila no nosso canal e resolva os exercícios:

Exercícios sobre romance regionalista

1 – (Fundação Instituto de Educação de Barueri SP)

Considere o texto de Alfredo Bosi, acerca de um dos mais importantes romances da literatura brasileira.

A revolução dessa obra, que parece cavar um fosso entre dois mundos, foi uma revolução ideológica e formal: aprofundando o desprezo às idealizações românticas e ferindo no cerne o mito do narrador onisciente, que tudo vê e tudo julga, deixou emergir a consciência do indivíduo, fraco e incoerente.

(História concisa da literatura brasileira.
3. ed. São Paulo, Cultrix, 1985, p. 197)

Em seu comentário, Alfredo Bosi refere-se à obra

a) A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, que narra as maldades que um senhor inflige a uma bela e bondosa escrava branca.

b) O guarani, de José de Alencar, que renova a prosa brasileira do século XIX, ao apresentar um índio como herói protagonista.

c) Inocência, de Visconde de Taunay, cuja protagonista, que representa um ideal de beleza e ingenuidade, morre por amor.

d) A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, cuja prosa é geralmente descrita como melodramática e repleta de clichês.

e) Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que inaugura o Realismo brasileiro, no final do século XIX.

2- (UFPR)

Leia o trecho abaixo, do capítulo XII de Inocência, do Visconde de Taunay. Trata-se de um diálogo entre o pai de Inocência, Pereira, e o médico ambulante, Cirino, sobre o naturalista alemão, Meyer.

—Nem sei como me contenha… Estou cego de raiva… Que presente me mandou o Chico!… É uma peste, este diabo melado… Vê uma rapariguinha e enche logo as bochechas para lhe dizer meia dúzia de pachuchadas e graçolas… Não está má esta!… É um perdido. Nada… Isto não me cheira bem: vou ficar de olho nele…

—Faz muito bem, apoiou Cirino.

—Vejam só, continuou Pereira retendo o seu interlocutor para deixar Meyer distanciar-se, em boas me fui eu meter! … Se não fosse a tal carta do mano, o cujo dançava ao som do cacete… Malcriadaço! Uma mulher que daqui a dois dias está para receber marido… Deus nos livre que o Manecão o ouvisse… Desancava-o logo, se não o cosesse a facadas… Vejam só, hem?… Sempre é gente de outras terras… Cruz! Também vi logo… um latagão bonito… todo faceiro… havera por força de ser rufião.

(Visconde de Taunay, Inocência. São Paulo: FTD, 1992, p. 87)

Assinale a alternativa correta.

a) Cirino discorda de Pereira, pois tem opinião muito diferente dele sobre as mulheres, mas o apoia porque foi hospedado por ele e depende de sua proteção.

b) A desconfiança de Pereira em relação a Meyer tem fundamento, pois o alemão se vê como um ser superior aos sertanejos e acha que todas as moças dali se apaixonarão por ele.

c) As ameaças violentas feitas por Pereira em razão da honra da filha acabam se concretizando, mas não será Meyer que sofrerá essa violência.

d) Manecão é um velho capanga de Pereira que conhece Inocência desde que a menina nasceu e lhe é inteiramente dedicado, por isso seria violento diante de um desrespeito a ela.

e) O casamento próximo de Inocência, dali a dois dias, torna os ânimos mais exaltados, por isso Pereira fica tão irritado com Meyer.

3- (UFSM RS)

Escreve Antônio Cândido que “nosso romance tem fome de espaço e uma ânsia topográfica de apalpar todo o país”. Nesse sentido, a literatura regionalista propicia a expressão da diversidade geográfica, social e cultural do Brasil. Atente para o que se diz a seguir.

I. No regionalismo romântico, as personagens são individualizadas e existem independentemente das particularidades regionais. Cultivaram o tema: Bernardo Guimarães em O garimpeiro e O seminarista, Visconde de Taunay em Inocência e José de Alencar em O gaúcho, O sertanejo, O tronco do ipê e Til.

II. No pré-modernismo, o homem se reduz a um elemento da paisagem; anula-se o aspecto humano e privilegia-se o pitoresco, traduzido pela reconstituição de cenas, gestos e da fala regional. Nesse contexto, figura Monteiro Lobato com seu mundo caboclo. No modernismo dos anos 30, a literatura regionalista atinge a maturidade estética, principalmente com Graciliano Ramos.

III. Já em nosso século, a obra Eles eram muitos cavalos desafia os cânones do romance. Para tratar de modo inusitado o problema da violência no campo, Luiz Ruffato quebra a sintaxe, recorre a expedientes da poesia e do jornal e introduz vários outros tipos de texto, numa espécie de colagem cujo efeito são flashes dramáticos da vida rural.

Está(ão) correta(s) a(s) afirmativa(s)

a) I apenas.

b) II apenas.

c) III apenas.

d) I e II apenas.

e) I, II e III.

Gabarito:

  1. E
  2. C
  3. D

Sobre o(a) autor(a):

Anderson Rodrigo da Silva é professor formado em Letras Português pela UNIVALI de Itajaí. Leciona na rede particular de ensino da Grande Florianópolis.

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