Ao lado de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira compõe a trinca dos principais escritores da Primeira Geração do Modernismo Brasileiro.
Nesta aula de Literatura você vai conhecer os principais aspectos da vida e da obra de Manuel Bandeira, um dos principais escritores da Primeira Fase do Modernismo Brasileiro. Apelidado de bardo, o escritor também se autoapelidou de poeta-menor. Entretanto, seus poemas são de uma riqueza e heterogeneidade sem igual na literatura brasileira, os quais demonstram toda a maestria e genialidade desse poeta.
Assim, sua humildade e modéstia o elevam à categoria de um poeta-maior da literatura brasileira, cuja vida e obra são uma só. Autor de poemas emblemáticos, como os conhecidos Vou-me embora pra Pasárgada, Os Sapos e Pneumotórax, Bandeira soube, como nenhum outro poeta, contrapor o provincianismo modernista com o universalismo da poesia.
Quem foi Manuel Bandeira
Manuel Carneiro de Souza Bandeira (1886-1968) nasceu em Recife, mas ainda jovem mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou o Ensino Médio no prestigiado Colégio Dom Pedro II.
Em 1903, matriculou-se na Escola Politécnica de São Paulo, mudando-se para a cidade a fim de estudar Arquitetura. Porém, descobriu que era acometido por uma doença muito comum no período, a tuberculose. Passou, então, a transferir-se para diversos locais com o intuito de cuidar da saúde. Primeiramente em Campos do Jordão, pois se acreditava que os lugares com o clima mais ameno fizessem bem à saúde daqueles que convalesciam da doença. Depois, com a ajuda da família, passou um período na Suíça, no sanatório Clavadel, tratando-se.
Por conta da Primeira Guerra Mundial, voltou ao Brasil com o seu primeiro livro finalizado, As cinzas das horas (1917). Trata-se de uma publicação com poemas de composição rígida, sonetos, rimas ricas e métricas perfeitas, fortemente influenciadas pela estética parnasiana e simbolista.
Contribuiu com a Semana de Arte Moderna, com a leitura do poema Os Sapos, grande libelo contra literatura parnasiana. Essa participação marcou o início de uma produção de caráter modernista, que teria como auge a publicação dos livros Libertinagem (1930) e Estrela da Manhã (1936).
Manuel Bandeira morreu aos 82 anos, no dia 13 de outubro de 1968, por causa de uma hemorragia gástrica.
Para compreender melhor a figura do poeta, conheça um dos seus poemas mais famosos em que ele apresenta a si mesmo:
Autorretrato
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
Características da obra de Manuel Bandeira
A vida e a obra de Manuel Bandeira ficaram profundamente marcadas pela doença e pela iminência da morte. De maneira geral, os seus textos possuem um tom pessimista e melancólico, ainda que revestidos de um estilo simples e direto.
Nos seus primeiros livros, mais do que no restante, impera uma poesia impregnada de tristeza e desolação, falando principalmente da sua experiência pessoal com a doença.
Depois, tende cada vez mais ao riso, ao cotidiano, ao chiste, retomando temas caros à sua poética que esteve sempre inspirada em sua própria vida. Aparecem, assim, a família, a infância, as prostitutas, as relações amorosas, os pobres etc. Trata-se de um poeta que canta as ruas, o povo e a si próprio, num lirismo confidencial, singelo, mas contundente.
Veja abaixo um poema que retrata essa mudança poética na produção de Manuel Bandeira:
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.
Esse exemplo faz parte do primeiro livro de Manuel Bandeira, As cinzas das horas, de viés mais carregado e mais formalista. Observe que o tema e o vocabulário pendem quase para o dramático: “Eu faço versos como quem chora”, “Meu verso é sangue”, “Cai, gota a gota, do coração”.
Porém, o conjunto das imagens evocadas e a habilidade formal, como o uso de rimas ricas, a pontuação expressiva, a métrica fixa (versos decassílabos) e a melodia, transparecem a sua qualidade poética. Trata-se de um autor em fase de descobrimento, mas que já dá sinais de brilhantismo.
Depois, seu lirismo desenvolve-se de forma mais bem-humorada, ainda que o poeta não tenha se desvencilhado totalmente do peso da morte:
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
………………………………………………………………………………………
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
No caso do poema acima, trata-se de uma produção publicada no livro Libertinagem, de caráter modernista. Como se pode notar, o título faz alusão à doença que se constitui no acúmulo de ar entre o pulmão e a membrana torácica. O uso incomum de um termo técnico já demonstra o grau de ruptura sugerido.
Além disso, observamos que ele mistura diferentes gêneros, fazendo uso do discurso direto, da repetição e numeração de termos, além de organizar o poema em versos livres. Tais elementos conferem humor e leveza ao tratamento do assunto.
Para finalizar, o último verso funciona como uma piada, mostrando que não há uma solução para o doente, somente tocar um tango argentino, gênero musical conhecido pelo seu tom dramático.
Videoaula sobre Manuel Bandeira
Para complementar seus estudos, confira a videoaula da professora Camila no nosso canal:
Questões
01) (Enem-2011)
Estrada
Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo mundo é igual. Todo mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.
BANDEIRA, M. O ritmo dissoluto. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967.
A lírica de Manuel Bandeira é pautada na apreensão de significados profundos a partir de elementos do cotidiano. No poema Estrada, o lirismo presente no contraste entre campo e cidade aponta para:
a) o desejo do eu lírico de resgatar a movimentação dos centros urbanos, o que revela sua nostalgia com relação à cidade.
b) a percepção do caráter efêmero da vida, possibilitada pela observação da aparente inércia da vida rural.
c) a opção do eu lírico pelo espaço bucólico como possibilidade de meditação sobre a sua juventude.
d) a visão negativa da passagem do tempo, visto que esta gera insegurança.
e) a profunda sensação de medo gerada pela reflexão acerca da morte.
02) (Enem-2000)
Poética, de Manuel Bandeira, é quase um manifesto do movimento modernista brasileiro de 1922. No poema, o autor elabora críticas e propostas que representam o pensamento estético predominante na época.
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
[manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o
[cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
[…]
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”
BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro. Aguilar, 1974.
Com base na leitura do poema, podemos afirmar corretamente que o poeta:
a) Critica o lirismo louco do movimento modernista.
b) Critica todo e qualquer lirismo na literatura.
c) Propõe o retorno ao lirismo do movimento clássico.
d) Propõe o retorno ao lirismo do movimento romântico.
e) Propõe a criação de um novo lirismo.
03) (FUVEST)
Leia o poema de Manuel Bandeira para responder ao teste:
Não sei dançar
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria…
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.
Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.
(…)
(Libertinagem, Manuel Bandeira)
Sobre os versos transcritos, assinale a alternativa incorreta:
a) A melancolia do eu-lírico é apenas aparente: interiormente ele se identifica com a atmosfera festiva do carnaval, como se percebe no tom exclamativo de “Eu tomo alegria!”
b) A perda dos familiares e da saúde são aspectos autobiográficos do autor presentes no texto.
c) A alegria do carnaval é meio de evasão para eu-lírico, que procura alienar-se de seu sofrimento.
d) O último verso transcrito associa-se ao título do poema, pois o eu-lírico não participa, de fato, do baile de carnaval.
e) O eu-lírico revela, em tom bem-humorado e descompromissado, ser uma pessoa exageradamente sensível.
Gabarito:
- B
- E
- A