Augusto dos Anjos: quem foi e características da obra

Revise a vida e a obra de um dos poetas mais originais e autênticos da literatura brasileira. Autor de uma única obra, Augusto dos Anjos continua despertando interesse entre estudiosos e acadêmicos. Seu legado literário continua atual e já foi tema de questões do Enem e de inúmeros vestibulares brasileiros.

Nesta aula você vai conhecer um breve panorama da vida e da obra do poeta Augusto dos Anjos, também conhecido como Poeta da Morte. Didaticamente esse autor está inserido no período pré-modernista. Sua poesia, porém, é de difícil classificação, uma vez que reúne elementos naturalistas, parnasianos, simbolistas, expressionistas, modernistas, e até mesmo ultrarromânticos.

Isso o insere na galeria dos poetas mais ousados, autênticos e originais de nossa literatura. Autor de uma única obra, intitulada Eu, Augusto dos Anjos morreu precocemente, aos 30 anos de idade. Entretanto, seu legado literário reverbera até os dias de hoje, imortalizando a figura desse poeta que é único.

Quem foi Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos estudou no Liceu Paraibano e, em 1903, matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, formando-se em 1907. Nos anos seguintes, não advogou, trabalhando como professor de Português no Liceu Paraibano.

retrato augusto dos anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914) nasceu no engenho Pau d’Arco, na Paraíba.

Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a lecionar, dessa vez, Geografia no Ginásio Nacional e no Colégio Dom Pedro II. Em 1912, mudou-se para Leopoldina, em Minas Gerais, onde assumiu a direção de um grupo escolar.

Publicou diversos poemas em jornais da época, mas o seu primeiro e único livro, intitulado Eu, apareceu para o público somente em 1912.

Características

A produção de Augusto dos Anjos é de difícil classificação. Durante muito tempo, os críticos discutiram se os seus poemas eram simbolistas ou parnasianos. Mas, ainda que a obra deste escritor pareça uma manifestação única no sistema literário nacional, a verdade é que Augusto dos Anjos dialoga com muitas estéticas.

Pelo uso da métrica rígida, da cadência musical, das aliterações e das rimas preciosas, aproxima-se do Parnasianismo, compartilhando o rigor da forma. Porém, distancia-se dessa escola pelo uso do esdrúxulo vocabulário extraído da área científica.

No poema a seguir, por exemplo, é possível identificar a presença de rimas interpoladas (ABBA); de aliterações, em especial na repetição do fonema /k/ em “caixão”, “caixas cranianas” e “cartilagens”; ou do fonema /s/ em “célebre” e “cinza”; ou ainda, no quarto verso na repetição da consoante “b”. A métrica rígida segue o esquema decassílabo.

O caixão fantástico

Célere ia o caixão, e, nele, inclusas,

Cinzas, caixas cranianas, cartilagens

Oriundas, como os sonhos dos selvagens,

De aberratórias abstrações abstrusas!

Nesse caixão iam talvez as Musas ,

Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens

Enchiam meu encéfalo de imagens

As mais contraditórias e confusas!

A energia monística do Mundo,

À meia-noite, penetrava fundo

No meu fenomenal cérebro cheio …

Era tarde! Fazia muito frio.

Na rua apenas o caixão sombrio

Ia continuando o seu passeio!

temas de Augusto dos Anjos
Still-Life with a Skull (1671), de Philippe de Champaigne, sintetiza alguns dos assuntos preferidos de Augusto dos Anjos, presentes em muitos de seus poemas: a morte, a vida, a dor, a solidão, a melancolia, o horror, a angústia, o tempo e o amor

Em outros momentos, encontra-se muito ligado ao Simbolismo ao fazer uma profunda investigação do “eu”, como o próprio título do livro indica. A vida é filtrada pelo viés da ciência, tudo é fruto da combinação de elementos químicos que dão forma à sua angústia e pessimismo.

Pode-se dizer, ainda, que adianta a melancolia típica da vanguarda europeia do Expressionismo, ao manifestar a subjetividade de um indivíduo em crise no começo do século XX. Essa característica está presente nos versos do poema abaixo:

Saudade

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,

E o coração me rasga atroz, imensa,

Eu a bendigo da descrença, em meio,

Porque eu hoje só vivo da descrença.

À noute quando em funda soledade

Minh’alma se recolhe tristemente,

P’ra iluminar-me a alma descontente,

Se acende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,

E à dor e ao sofrimento eterno afeito,

Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida

Guardo a lembrança que me sangra o peito,

Mas que no entanto me alimenta a vida.

Antecipa também a poesia modernista a utilizar um vocabulário prosaico que é misturado a termos poéticos e científicos. Assim como pela adjetivação e representação de situações inusitadas e cotidianas, que produzem uma sensação de perplexidade. Ao se compararem os primeiros versos de Augusto dos Anjos aos do poeta modernista Carlos Drummond de Andrade, é possível perceber esse paralelo.

Veja:

Mágoas

Quando nasci, num mês de tantas flores,

Todas murcharam, tristes, langorosas,

Tristes fanaram redolentes rosas,

Morreram todas, todas sem olores.

[…]

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto

Desses que vivem na sombra

Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida

[…]

O poema abaixo é um dos mais conhecidos e lembrados quando falamos em Augusto dos Anjos:

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênese da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,

Este ambiente me causa repugnância…

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

fachada de museu em minas gerais
Fachada do Museu Espaço dos Anjos, em Leopoldina-MG, última residência do poeta Augusto dos Anjos. Além de museu, o local também é utilizado para eventos artísticos e culturais, como saraus literários.

Augusto dos Anjos faleceu em 12 de novembro de 1914, às 4 horas da madrugada, aos 30 anos, em Leopoldina-MG. A causa de sua morte foi a pneumonia. Na casa em que residiu durante seus últimos meses de vida funciona hoje o Museu Espaço dos Anjos.

Resumo sobre Augusto dos Anjos

Continue estudando com a professora Camila, de Literatura, na videoaula do nosso canal:

Questões sobre Augusto dos Anjos

Questão 1 (Enem-2014)

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênese da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,

Este ambiente me causa repugnância…

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

(ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.)

A poesia de Augusto dos Anjos revela aspectos de uma literatura de transição designada como pré-modernista. Com relação à poética e à abordagem temática presentes no soneto, identificam-se marcas dessa literatura de transição, como:

a) a forma do soneto, os versos metrificados, a presença de rimas, o vocabulário requintado, além do ceticismo, que antecipam conceitos estéticos vigentes no Modernismo.

b) o empenho do eu lírico pelo resgate da poesia simbolista, manifesta em metáforas como “Monstro de escuridão e rutilância” e “Influência má dos signos do zodíaco”.

c) a seleção lexical emprestada do cientificismo, como se lê em “carbono e amoníaco”, “epigênese da infância”, “frialdade inorgânica”, que restitui a visão naturalista do homem.

d) a manutenção de elementos formais vinculados à estética do Parnasianismo e do Simbolismo, dimensionada pela inovação na expressividade poética e o desconcerto existencial.

e) a ênfase no processo de construção de uma poesia descritiva e ao mesmo tempo filosófica, que incorpora valores morais e científicos mais tarde renovados pelos modernistas.

Resposta correta: D.

Questão 2 (Enem-2009)

Texto I

O morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.

Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:

Na bruta ardência orgânica da sede,

Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”

Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho

E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,

Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego

A tocá-lo. Minh’alma se concentra.

Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!

Por mais que a gente faça, à noite, ele entra

Imperceptivelmente em nosso quarto!

ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994.

Texto II

O lugar-comum em que se converteu a imagem de um poeta doentio, com o gosto do macabro e do horroroso, dificulta que se veja, na obra de Augusto dos Anjos, o olhar clínico, o comportamento analítico, até mesmo certa frieza, certa impessoalidade científica.

CUNHA, F. Romantismo e modernidade na poesia. Rio de Janeiro: Cátedra, 1988 (adaptado).

Em consonância com os comentários do texto II acerca da poética de Augusto dos Anjos, o poema O morcego apresenta-se, enquanto percepção do mundo, como forma estética capaz de:

a) reencantar a vida pelo mistério com que os fatos banais são revestidos na poesia.

b) expressar o caráter doentio da sociedade moderna por meio do gosto pelo macabro.

c) representar realisticamente as dificuldades do cotidiano sem associá-lo a reflexões de cunho existencial.

d) abordar dilemas humanos universais a partir de um ponto de vista distanciado e analítico acerca do cotidiano.

e) conseguir a atenção do leitor pela inclusão de elementos das histórias de horror e suspense na estrutura lírica da poesia.

Resposta correta: D.

Questão 3 (UFPB-2006)

Astrologia

Minha estrela não é a de Belém:

A que, parada, aguarda o peregrino.

Sem importar-se com qualquer destino

A minha estrela vai seguindo além…

– Meu Deus, o que é que esse menino tem? –

Já suspeitavam desde eu pequenino.

O que eu tenho? É uma estrela em desatino…

E nos desentendemos muito bem!

E quando tudo parecia a esmo

E nesses descaminhos me perdia

Encontrei muitas vezes a mim mesmo…

Eu temo é uma traição do instinto

Que me liberte, por acaso, um dia

Deste velho e encantado Labirinto

(QUINTANA, Mario. Quintana de bolso. Porto Alegre: L&P,1997, p. 102).

A influência dos astros na vida dos homens faz-se presente, também, nos seguintes versos do poeta Augusto dos Anjos:

“Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênese da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.”

(Psicologia de um vencido. In: ANJOS, Augusto dos. Os melhores poemas de Augusto dos Anjos. São Paulo: Global, 1997, p. 51).

Comparando o poema Astrologia, de Mario Quintana, com os versos de Augusto dos Anjos, considere as afirmativas:

I. Nos versos de Augusto dos Anjos e no poema de Mario Quintana, há uma visão pessimista da matéria, da vida e do cosmo.

II. No poema de Mario Quintana a inquietação em relação ao destino não assume um tom angustiado, como se observa nos versos de Augusto dos Anjos.

III. O poema de Mario Quintana e os versos de Augusto dos Anjos expressam a dor de existir e uma profunda descrença na vida humana.

Está(ão) correta(s):

a) todas

b) apenas I e II

c) apenas I e III

d) apenas II e III

e) apenas II

Resposta correta: e.

Sobre o(a) autor(a):

Texto produzido pelo Professor João Paulo Prilla para o Curso Enem Gratuito. JP é licenciado em Letras- Português, Inglês e respectivas Literaturas (2010) pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e mestrando em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina. Ministra aulas de Literatura, Língua Portuguesa e Redação em escolas da Grande Florianópolis desde 2011.

Compartilhe: