Arthur Schopenhauer foi um filósofo alemão do século XIX que elaborou a teoria do mundo como vontade e representação. Schopenhauer ficou popularizado por sua visão pessimista do mundo e seus charmosos aforismos
Quem foi Arthur Schopenhauer
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer foi um famigerado dissidente da Filosofia de seu tempo. Ele viveu durante o período de transição entre os séculos XVIII e XIX, quando o Iluminismo e a Filosofia de Immanuel Kant já haviam atingido seu ápice.
Schopenhauer admirava muito as ideias de Kant, que foi de extrema influência para elaboração das suas teorias. O filósofo usou a Metafísica de Kant como o ponta pé inicial da sua visão de mundo, assim como boa parte dos filósofos idealistas da época.
Todavia, enquanto a Alemanha olhava admirada para os desdobramentos das ideias de Kant, Schopenhauer se opunha ao chamado idealismo alemão, em especial as teorias de Georg Hegel. Suas críticas a Hegel eram severas e possuíam um tom ácido e debochado, o que popularizou a má fama de Schopenhauer dentro dos círculos acadêmicos.
Artur Schopenhauer se tornou um dissidente de seu tempo, uma espécie de ovelha negra da filosofia alemã.
A influência de Kant no pensamento de Schopenhauer
As teorias propostas por Schopenhauer partem da premissa kantiana acerca da percepção do mundo. Para Kant, apreendemos a realidade que nos cerca por meio dos Fenômenos e dos Númenos, isto é, a partir dos nossos sentidos e das coisas em si.
Em suma, Kant disse que nós construímos uma espécie de visão de mundo própria que é derivada das nossas experiências. Ou seja, a partir do contato com o mundo fenomênico nós apreendemos a realidade através dos nossos sentidos. Todavia, nós somos incapazes de apreender o mundo em si, isto é, o mundo Numênico.
Por conta disso, nós somos dotados de uma visão de mundo limitada, uma vez que só conseguimos apreender aquilo que nossos sentidos são capazes de captar. Como existem coisas que não apreensíveis por meio dos sentidos, acabamos não conhecendo o mundo em sua totalidade.
Os limites do mundo para Schopenhauer
Corroborando com a interpretação de mundo kantiana, Schopenhauer vai acrescer uma indagação acerca do ser humano. Ele pontuou que nós, enquanto humanos, aceitamos os limites do nosso conhecimento como se estes fossem os limites do próprio mundo. Dessa maneira, o mundo é uma representação individual.
Embora essa ideia não seja nada inédita na Filosofia, haja visto que os gregos antigos já debatiam sobre isso, a inovação de Schopenhauer, que foi também sua divergência com o Kant, foi estruturar um sistema em que os mundos Fenomênicos e Numênicos sejam parte de um mesmo mundo.
Assim, o que Schopenhauer está propondo é o seguinte: se nossa visão de mundo é apreendida através dos sentidos, a nossa visão de mundo é algo limitado, dado as restrições com as quais nossos sentidos operam.
Somando isso a ideia de que nós somos apenas parte de uma Vontade maior, podemos então indagar que a minha visão de mundo não pode incluir as questões que meus sentidos não captaram, tampouco a vontade universal que eu não pude experimentar.
Portanto, todos nós acabamos por tomar os limites de nosso campo de visão individual como os limites do mundo.
Essa ideia acima foi desenvolvida na obra “O mundo como Vontade e Representação” que traz uma discussão interessantíssima sobre os limites do nosso conhecimento, bem como, a criação de um conceito que se tornou fundamental à Filosofia: a Vontade.
O mundo como Representação
Ao invés de dois mundos como afirmara Kant, Schopenhauer propôs um mundo unificado que é sentido de duas maneiras distintas. Dessa forma, as coisas se manifestariam ou através da Vontade, ou através da Representação, fazendo jus ao nome da obra em que esses conceitos são apresentados e desenvolvidos.
Para entender melhor essa ideia, basta pensar no corpo humano. Imagine que você quer colocar o pé gelado em alguém que esteja quentinho e aconchegante. O fato de você querer fazer isso é o que chamamos de Vontade, enquanto a execução desse fatídico movimento é a potência.
Assim sendo, um ato da Vontade e a ação resultante desse ato não estão em mundos distintos. Ao contrário, são a mesma coisa, só que sentidos de duas formas diferentes, de maneira interna através da Vontade e de maneira externa através do movimento do corpo.
Mesmo quando sentimos algo fora de nós, assim dizendo, como uma Representação objetiva e não como nossa própria Vontade, o mundo ainda continua funcionando, segundo Schopenhauer, de maneira tal que existam concomitantemente as realidades internas e externas das coisas.
A Vontade no pensamento de Schopenhauer
Perceba que a palavra Vontade – Wille, em alemão – apareceu bastante. Isso porque Schopenhauer escolheu propositadamente esse termo em seus textos. O alemão cunhou o conceito para representar uma força caótica, cuja manifestação se dá no mundo fenomênico.
Essa energia chamada Vontade é algo atemporal e indivisível. Portanto, a Vontade do cosmos e a minha Vontade são uma coisa só. Além disso, é válido ressaltar que o sistema filosófico criado por Schopenhauer tem como pressuposto que tanto o tempo quanto o espaço são entidades a priori e existem dentro de nós, o que corrobora com a ideia de uma única Vontade.
Pois bem, a discussão entre Arthur Schopenhauer e seus contemporâneos se deu justamente em relação a essa Vontade. Isso porque Schopenhauer não acreditava que essa Vontade era necessariamente boa ou má: ela era simplesmente irracional. Todavia, essa alegação ia na contramão do que filósofos como Georg Hegel pregavam, gerando um conflito filosófico.
Já que os contemporâneos de Schopenhauer tinham uma visão otimista da Vontade, e como Schopenhauer era a oposição da boa Vontade (hegeliana), ele ficou tachado como um filósofo pessimista. Porém, vale relembrar que para ele a Vontade não é nem boa e nem má.
Somando isso às investigações acerca da vida que o filósofo fez quando, por exemplo, ponderava a respeito de por que as pessoas têm essa Vontade de permanecerem vivas, sua fama foi piorando ainda mais.
Não quero dizer que seja errado refletir sobre nossa morte, muito pelo contrário, é uma condição essencial para a boa prática da Filosofia. E, embora seja funesto esse tipo de ponderação, é de grande importância para nossa existência compreender o motivo pelo qual somos compelidos a continuar vivendo.
A felicidade para Schopenhauer
Na visão de Schopenhauer, ainda que saibamos que a morte é um destino certo, nós somos parte de uma Vontade irracional. Por isso, nada mais evidente do que buscarmos a sobrevivência sem uma causa inteligível.
É por conta dessa Vontade caótica que nós nos contorcemos buscando a felicidade e, no final, o máximo que nós conseguimos é obter alguma satisfação. Isso na melhor das circunstâncias, pois o normal mesmo é alcançarmos o sofrimento, a angústia, a dor e o pesar.
Lendo Schopenhauer, fica nítido que para o filósofo a felicidade é inútil. Entretanto, como a maioria das afirmações filosóficas que ganham fama, ela é mal interpretada.
Compreenda então que a Felicidade é a interrupção temporária da dor, criando uma ilusão de segurança e entusiasmo. Todavia, esse prazer é algo momentâneo, pois não existe felicidade duradoura. Assim sendo, toda a Felicidade é o ponto de partida da dor e do sofrimento e, portanto, viver é sofrer.
Essa visão é muitas vezes comparada com algumas ideias do estoicismo, entretanto as semelhanças e as diferenças tornam essa comparação bastante complicada.
A superação estética
Bom, mas nem tudo está fadado à tristeza e à danação. Na perspectiva de Schopenhauer, há uma saída bastante óbvia dessa condição infeliz, caracterizada como a “não existência”. O que pode ser encarado de maneira menos radical como uma privação da satisfação, ou melhor dizendo, uma lapidação da maneira que vivemos.
A coisa toda é baseada em uma experiência de vida estética, onde o indivíduo deve contemplar o mundo e buscar alívio para suas mazelas na música e nas artes. Somente assim será possível perceber que existe uma ilusão à nossa volta.
Portanto, através da estética é possível entender que a separação entre a Vontade do cosmos e a nossa vontade não passa de ludibrio, pois, nossas vontades individuais e a Vontade cósmica são uma única coisa.
Embora Arthur Schopenhauer seja um filósofo bem conhecido no mundo, suas ideias foram vastamente ignoradas pelos seus contemporâneos. Muito disso se deve ao brilhantismo e à aceitação de Hegel, que acabara por ofuscar seu compatriota.
Ademais, seu estilo de vida peculiar, somado aos temas impopulares, a misantropia e ao ar pessimista de seu discurso fizeram dele a ovelha negra da Filosofia.
Entretanto, pouco tempo depois de sua morte o conceito de Vontade foi resgatado e tornou-se bastante estudado por grandes filósofos que o sucederam, como Friedrich Nietzsche.
Por fim, Arthur Schopenhauer foi um filósofo brilhante de temperamento controverso – afinal, qual não o é? – que serviu de base para psicanalise de Jung e Freud, e deu origem ao o pragmatismo de Bérgson e as noções de Vontade de poder elaboradas por Nietzsche.
Videoaula
Entenda o pensamento de Schopenhauer com o vídeo a seguir:
Questões sobre a filosofia de Arthur Schopenhauer
1 (Enem 2016) Sentimos que toda satisfação de nossos desejos advinda do mundo assemelha-se à esmola que mantém hoje o mendigo vivo, porém prolonga amanhã a sua fome. A resignação, ao contrário, assemelha-se à fortuna herdada: livra o herdeiro para sempre de todas as preocupações.
SCHOPENHAUER, A. Aforismo para a sabedoria da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição filosófica ocidental, segundo a qual a felicidade se mostra indissociavelmente ligada à
(A) A consagração de relacionamentos afetivos.
(B) A administração da independência interior.
(C) A fugacidade do conhecimento empírico.
(D) A liberdade de expressão religiosa.
(E) A busca de prazeres efêmeros
2 (Unesp 2017) Nossa felicidade depende daquilo que somos, de nossa individualidade; enquanto, na maior parte das vezes, levamos em conta apenas a nossa sorte, apenas aquilo que temos ou representamos. Pois, o que alguém é para si mesmo, o que o acompanha na solidão e ninguém lhe pode dar ou retirar, é manifestamente mais essencial para ele do que tudo quanto puder possuir ou ser aos olhos dos outros. Um homem espiritualmente rico, na mais absoluta solidão, consegue se divertir primorosamente com seus próprios pensamentos e fantasias, enquanto um obtuso, por mais que mude continuamente de sociedades, espetáculos, passeios e festas, não consegue afugentar o tédio que o martiriza.
(Schopenhauer. Aforismos sobre a sabedoria de vida, 2015. Adaptado.)
Com base no texto, é correto afirmar que a ética de Schopenhauer
(A) corrobora os padrões hegemônicos de comportamento da sociedade de consumo atual.
(B) valoriza o aprimoramento formativo do espírito como campo mais relevante da vida humana.
(C) valoriza preferencialmente a simplicidade e a humildade, em vez do cultivo de qualidades intelectuais.
(D) prioriza a condição social e a riqueza material como as determinações mais relevantes da vida humana.
(E) realiza um elogio à fé religiosa e à espiritualidade em detrimento da atração pelos bens materiais.
3 (Ufsj 2013) “A Filosofia a golpes de martelo” é o subtítulo que Nietzsche dá à sua obra Crepúsculo dos ídolos. Tais golpes são dirigidos, em particular, ao(s)
(A) conceitos filosóficos e valores morais, pois eles são os instrumentos eficientes para a compreensão e o norteamento da humanidade.
(B) existencialismo, ao anticristo, ao realismo ante a sexualidade, ao materialismo, à abordagem psicológica de artistas e pensadores, bem como ao antigermanismo.
(C) compositores do século XIX, como, por exemplo, Wolfgang Amadeus Mozart, compositor de uma ópera de nome “Crepúsculo dos deuses”, parodiada no título.
(D) conceitos de razão e moralidade preponderantes nas doutrinas filosóficas dos vários pensadores que o antecederam e seus compatriotas e/ou contemporâneos Kant, Hegel e Schopenhauer.
(E) ao socialismo da URSS, que reutiliza o martelo como símbolo central da classe operária.
GABARITO
- B
- B
- D