Immanuel Kant: ética, imperativo categórico e ascensão da razão

Immanuel Kant foi um renomado filosofo alemão que dissertou a respeito das implicações Éticas das nossas ações. Ele é responsável pela ideia de imperativo categórico.

Kant é considerado um dos filósofos mais importantes da história, porém muitos estudantes encontram dificuldades em compreender suas teorias. Nesta aula, vamos explicar o pensamento de Immanuel Kant sobre ética, razão e o que é um imperativo categórico.

Quem foi Immanuel Kant?

Nascido na pequena cidade de Königsberg na Prússia, Immanuel Kant foi um filósofo muito influente dentro da história do pensamento ocidental. Era um sujeito bastante excêntrico, que chegou até a virar alvo de chacota. Dada a sua absurda pontualidade e o rigor de sua disciplina, chegou-se ao ponto de Heine afirmar que as donas de casa na cidade de Königsberg ajustavam seus relógios quando Kant passava.

Sua obra Crítica da razão pura foi considerada um divisor de águas para Filosofia. Nela, Kant formula uma complexa teoria acerca do conhecimento, que ficou conhecida como Criticismo.

Após a publicação da Crítica em 1781, Immanuel Kant decidiu se dedicar a um outro problema da Filosofia, ainda que relacionada com seus escritos anteriores. Assim nasceu a obra publicada em 1785 denominada Fundamentação da Metafísica dos Costumes, que teve como sua ideia central a Ética.

O que é Ética?

Antes de mergulharmos no sistema kantiano, vamos falar sobre o que é isso que chamamos de Ética. Primeiramente, o conceito de Ética dá uma boa variada ao longo das eras. Ou seja, o que se passou por Ética na Antiguidade não é entendido da mesma maneira hoje.

Fazendo uma generalização do conceito da Ética, dá para afirmarmos que ela é uma linha de pensamento que estuda as ações das pessoas a partir de um conjunto de valores. A partir disso, é possível chegarmos a juízos acerca das ações. Ou seja, dependendo de como você agiu, é possível dizer se sua ação foi boa ou não, justa ou injusta, correta ou errada.

Voltando lá nas origens da Filosofia, por volta do século V os gregos já se aventuravam a estudar a Ética. O filósofo Sócrates, por exemplo, já questionava os princípios morais, contrapondo-se aos sofistas ao fundamentar a Moral na própria natureza humana.

Inclusive tem um exemplo utilizado por Platão para demonstrar o que é Ética, o rapper Fabio Brazza tem um som maneiro explicando o dilema do Anel de Giges:

Além disso, essa época tivemos uma série de propostas sobre como devemos viver a vida, algumas bem doidas, outra bastante originais. Teve até uma espécie de “deboísmo” filosófico, o Helenismo.

A importância de Aristóteles

Entretanto, foi com Aristóteles que a Ética ganhou espaço dentro da Filosofia. Ele ficou encantado com o potencial humano e se dedicou a estudar a melhor maneira de alcançarmos esse estado.

Aristóteles elaborou a Ética a Nicômaco, uma obra dedicada a seu filho, afim de deixar algo de bom e duradouro para o futuro. Nessa obra, composta de dez livros, Aristóteles faz uma espécie de pedagogia paterna da felicidade.

Em outras palavras, ele assume um papel de tutor e tenta, por meio do estudo da Filosofia, ensinar o caminho para felicidade, ao passo que desenvolve nesse processo um sistema Ético inédito até então.

A Ética na Idade Média

Avançando mais alguns séculos, na Idade Média a Ética deixou de ser entendida como resultado de convenções sociais. Como a igreja e o discurso religioso cresceram de maneira descomunal, a Filosofia foi intensamente influenciada.

E, como resultado, a Ética também se alterou, a racionalidade saiu de cena para introdução de uma moral religiosa, assim sendo, na Idade Média a Ética se embasava nos preceitos religiosos.

Todavia, isso durou até meados do século XIV, pois com a Filosofia Renascentista o discurso religioso perdeu espaço para as revolucionárias ideias cientificas que chegariam ao seu ápice no século XVII, fazendo com que a fundamentação religiosa da Ética caísse em descrédito.

Ascensão da razão e Metafísica dos Costumes de Kant

No século XVIII, as ideias renascentistas deram lugar ao movimento chamado de Iluminismo. O movimento iluminista sobretudo considerava a razão a mais importante ferramenta para alcançarmos o conhecimento.

Foi nessa época que Immanuel Kant desenvolveu suas teorias filosóficas a respeito do conhecimento, das leis morais, da Ética e da Estética. O filósofo prussiano manifestava sua indignação, porque em mais de dois milênios ninguém havia conseguido provar – a partir de um argumento racional valido – a existência do mundo externo a nós.

A partir da formulação de sua teoria do conhecimento, Immanuel Kant criou o pano de fundo para discussões acerca do comportamento humano. Na vontade de criar uma nova perspectiva a respeito da Ética, ele então destacou o papel da razão, uma vez que é ela que distingue os seres humanos dos outros seres da natureza.

Assim surgiu A Metafisica dos Costumes, obra que evidencia a visão de Kant em relação ao estudo da Ética.

metafisica dos costumes de immanuel kant
Contra capa da obra “Metafísica dos Costumes” * No original “Die Metaphysik der Sitten” é uma obra composta pelo prefácio e por três seções.

O conceito de boa vontade de Kant

Immanuel Kant mudou a forma que se entendia a moral ao apresentar o conceito de Boa vontade. Esse conceito fez a transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico. Pois Kant considerava que nossa boa conduta se dá a partir de um comportamento esperado. Todavia, essa conduta não é algo obrigatório.

Embora essa conduta seja esperada de nós, ela não é impreterivelmente obrigatória. Logo, existe a possibilidade de transgressão dessa conduta. Assim sendo, a conduta depende da vontade.

Ora, se a vontade for má, a conduta será má também. Logo a vontade precisa ser boa para que a conduta seja boa. Entendeu o que Immanuel Kant quis dizer com “Boa vontade”?

Bom, então se são as leis morais que nos guiam, Kant pensou que ao falarmos que uma coisa é boa ou má ela não pode ser boa ou má em si. Mas, sim, pode ser boa ou má a partir do sentido que a gente dá para elas, visto que, nós fazemos as coisas de acordo com nossa própria vontade.

Assim sendo, a única coisa que pode ser boa ou má é na verdade a nossa vontade.

Relação entre a boa vontade e a razão

Segundo Kant somos os únicos seres capazes de fazer juízos sobre as coisas, pois, somos dotados de razão. Ela, por sua vez, é a única coisa que tem poder para influenciar à vontade.

Portanto, a razão é a única capaz de conceber uma vontade boa em si e não boa a partir das suas finalidades. Em outras palavras, com o uso da razão podemos tornar a vontade boa, pois ela seria algo puramente racional e, portanto, não estaria submissa a banalidades – do instinto – como a satisfação pessoal.

A partir disso Kant teve uma “ideia genial”: ele afirmou que existe uma diferença entre cumprir as leis morais por dever e cumprir as leis morais conforme o dever.

Em outras palavras, ao agirmos conforme o dever estamos agindo por algum interesse que está sujeito aos instintos, em contrapartida, quando agimos por dever estamos agindo conforme a vontade, que está sujeita à razão.

Imperativo Categórico

Resta agora saber como é possível agir racionalmente de maneira que nossa ação seja feita por dever, configurando assim algo bom em si e não boa somente para si. Para essa árdua tarefa, Immanuel Kant criou o seu famigerado Imperativo Categórico, uma espécie de medidor da conduta moral.

Para o filósofo prussiano, Imperativo Categórico é o dever de toda pessoa agir conforme princípios dos quais considera que seriam benéficos, caso fossem seguidos por todos os seres humanos.

rosto de immanuel kant
Ilustração do rosto de Immanuel Kant *

O Imperativo Categórico consiste no método de inquirir se sua ação pode ser universalmente empregada. É possível dividi-lo em três formas básicas expressas por Kant em sua obra através das máximas:

Lei Universal do Imperativo Categórico

“Handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, dass sie ein allgemeines Gesetz werde”

Que, em uma tradução livre, é algo como: “Age como se a máxima da tua ação fosse transformada, através da tua Vontade, em uma lei universal da natureza”.

Fim em si mesmo

“Handle nach der Maxime, die sich selbst zugleich zum allgemeinen Gesetze machen kann”

Que, em uma tradução livre, é algo como: “Aja de tal forma que uses a Razão sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio”.

Legislador universal no Imperativo Categórico

“Handle so, daß die Maxime deines Willens jederzeit zugleich als Prinzip einer allgemeinen Gesetzgebung gelten könne.”

Que, em uma tradução livre, é algo como: “Aja de tal forma que a máxima de sua Vontade possa ser um princípio da legislação universal”.

Exemplo do Imperativo Categórico de Immanuel Kant

Para entender melhor, veja o exemplo: imagine que você está no meio de uma pandemia, um vírus sinistro vem transformando seus compatriotas em zumbis. O governante do seu país acabara de demitir o responsável pelo gerenciamento dessa crise de proporções bíblicas.

Quando indagado pelo povo, o governante promete resolver a situação. Todavia ele sabe que não cumprirá essa promessa. O governante pode até achar que sua conduta foi aceitável, pois o livrou de uma situação complicada, e impediu que ficasse em maus lençóis.

Apesar disso, ele – ser humano dotado de razão – não irá considerar aceitável que outros ajam da forma que ele agiu, realizando falsas promessas para se livrar de situações difíceis. Pois, se elevada a um patamar de ação universal, essa ação é danosa a qualquer um que não o seu praticante.

A partir disso, concluímos que – de acordo com o imperativo categórico – a ação em questão não é uma ação moralmente boa. Entendeu?

Por fim, Immanuel Kant foi um renomado filósofo cujas ideias influenciariam o pensamento alemão por muitos anos após sua morte. Sua visão acerca da Ética nos mostrou como a Razão é peça fundamental na distinção do comportamento humano ao reger nossas condutas.

Assim, a partir de suas teorias foi possível entender como a lei moral, se imbuída de boa Vontade, se transforma em algo positivo para toda a humanidade.

Videoaula sobre a filosofia de Kant

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Questões sobre Immanuel Kant

Agora é contigo! Resolva as questões sobre Kant abaixo e verifique se você realmente entendeu esse conteúdo.

1) (Enem 2017)

Uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

De acordo com a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento” representada no texto

(A) assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão participativa.

(B) garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade da vida futura na terra.

(C) opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer como norma universal.

(D) materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana podem justificar os meios.

(E) permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas envolvidas.

2) (Enem PPL 2016)

Os ricos adquiriram uma obrigação relativamente à coisa pública, uma vez que devem sua existência ao ato de submissão à sua proteção e zelo, o que necessitam para viver; o Estado então fundamenta o seu direito de contribuição do que é deles nessa obrigação, visando a manutenção de seus concidadãos. Isso pode ser realizado pela imposição de um imposto sobre a propriedade ou a atividade comercial dos cidadãos, ou pelo estabelecimento de fundos e de uso dos juros obtidos a partir deles, não para suprir as necessidades do Estado (uma vez que este é rico), mas para suprir as necessidades do povo.

KANT, I. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2003.

Segundo esse texto de Kant, o Estado

(A) deve sustentar todas as pessoas que vivem sob seu poder, a fim de que a distribuição seja paritária.

(B) está autorizado a cobrar impostos dos cidadãos ricos para suprir as necessidades dos cidadãos pobres.

(C) dispõe de poucos recursos e, por esse motivo, é obrigado a cobrar impostos idênticos dos seus membros.

(D) delega aos cidadãos o dever de suprir as necessidades do Estado, por causa do seu elevado custo de manutenção.

(E) tem a incumbência de proteger os ricos das imposições pecuniárias dos pobres, pois os ricos pagam mais tributos.

3) (Unesp 2015)

A fonte do conceito de autonomia da arte é o pensamento estético de Kant. Praticamente tudo o que fazemos na vida é o oposto da apreciação estética, pois praticamente tudo o que fazemos serve para alguma coisa, ainda que apenas para satisfazer um desejo. Enquanto objeto de apreciação estética, uma coisa não obedece a essa razão instrumental: enquanto tal, ela não serve para nada, ela vale por si.

As hierarquias que entram em jogo nas coisas que obedecem à razão instrumental, isto é, nas coisas de que nos servimos, não entram em jogo nas obras de arte tomadas enquanto tais. Sendo assim, a luta contra a autonomia da arte tem por fim submeter também a arte à razão instrumental, isto é, tem por fim recusar também à arte a dimensão em virtude da qual, sem servir para nada, ela vale por si. Trata-se, em suma, da luta pelo empobrecimento do mundo.

(Antônio Cícero. “A autonomia da arte”. Folha de São Paulo, 13.12.2008. Adaptado.)

De acordo com a análise do autor,

(A) a racionalidade instrumental, sob o ponto de vista da filosofia de Kant, fornece os fundamentos para a apreciação estética.

(B) um mundo empobrecido seria aquele em que ocorre o esvaziamento do campo estético de suas qualidades intrínsecas.

(C) a transformação da arte em espetáculo da indústria cultural é um critério adequado para a avaliação de sua condição autônoma.

(D) o critério mais adequado para a apreciação estética consiste em sua validação pelo gosto médio do público consumidor.

(E) a autonomia dos diversos tipos de obra de arte está prioritariamente subordinada à sua valorização como produto no mercado.

4) (Enem 2012)

Um Estado é uma multidão de seres humanos submetida a leis de direito. Todo Estado encerra três poderes dentro de si, isto é, a vontade unida em geral consiste de três pessoas: o poder soberano (soberania) na pessoa do legislador; o poder executivo na pessoa do governante (em consonância com a lei) e o poder judiciário (para outorgar a cada um o que é seu de acordo com a lei) na pessoa do juiz.

ANT, I. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2003.

De acordo com o texto, em um Estado de direito

(A) a vontade do governante deve ser obedecida, pois é ele que tem o verdadeiro poder.

(B) a lei do legislador deve ser obedecida, pois ela é a representação da vontade geral.

(C) o Poder Judiciário, na pessoa do juiz, é soberano, pois é ele que outorga a cada um o que é seu.

(D) o Poder Executivo deve submeter-se ao Judiciário, pois depende dele para validar suas determinações.

(E) o Poder Legislativo deve submeter-se ao Executivo, na pessoa do governante, pois ele que é soberano.

5) (Uel 2011)

Leia o texto a seguir.

Na Primeira Secção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant analisa dois conceitos fundamentais de sua teoria moral: o conceito de vontade boa e o de imperativo categórico. Esses dois conceitos traduzem as duas condições básicas do dever: o seu aspecto objetivo, a lei moral, e o seu aspecto subjetivo, o acatamento da lei pela subjetividade livre, como condição necessária e suficiente da ação.

(DUTRA, D. V. Kant e Habermas: a reformulação discursiva da moral kantiana. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 29.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria moral kantiana, é correto afirmar:

(A) A vontade boa, enquanto condição do dever, consiste em respeitar a lei moral, tendo como motivo da ação a simples conformidade à lei.

(B) O imperativo categórico incorre na contingência de um querer arbitrário cuja intencionalidade determina subjetivamente o valor moral da ação.

(C) Para que possa ser qualificada do ponto de vista moral, uma ação deve ter como condição necessária e suficiente uma vontade condicionada por interesses e inclinações sensíveis.

(D) A razão é capaz de guiar a vontade como meio para a satisfação de todas as necessidades e assim realizar seu verdadeiro destino prático: a felicidade.

(E) A razão, quando se torna livre das condições subjetivas que a coagem, é, em si, necessariamente conforme a vontade e somente por ela suficientemente determinada.

6) (Ufu 2013)

Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é, portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 85.

De acordo com a doutrina ética de Kant:

(A) O Imperativo Categórico não se relaciona com a matéria da ação e com o que deve resultar dela, mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva.

(B) O Imperativo Categórico é um cânone que nos leva a agir por inclinação, vale dizer, tendo por objetivo a satisfação de paixões subjetivas.

(C) Inclinação é a independência da faculdade de apetição das sensações, que representa aspectos objetivos baseados em um julgamento universal.

(D) A boa vontade deve ser utilizada para satisfazer os desejos pessoais do homem. Trata-se de fundamento determinante do agir, para a satisfação das inclinações.

Gabarito
  1. C, 2.B, 3.B, 4.B, 5.A, 6.A.

Sobre o(a) autor(a):

Os textos e exemplos acima foram preparados pelo professor Ernani Silva para o Blog do Enem. Ernani é formado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista. Ministra aulas de Filosofia em escolas da Grande Florianópolis. Facebook: https://www.facebook.com/ErnaniJrSilva

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