Baixa Idade Média: características, transformações e crise

Baixa Idade Média é o período que vai do século X ao XV na história europeia. Foi marcada por transformações nas cidades e no comércio e terminou após a crise do século XIV.

Mídias como livros, filmes, séries e histórias em quadrinhos construíram um conjunto de ideias que associamos à Idade Média. Não que não houvesse muitos camponeses, fome, castelos, cavaleiros, princesas, reis e guerras. Mas a questão é que, na verdade, a forma como essas representações foram construídas não condizem com o que os historiadores apresentam.

Dentre todas essas noções, a ideia de uma Idade Média reduzida ao feudalismo, ao escambo e a estagnação é algo que precisa ser revista. Principalmente após o século X, o cenário europeu começa a se alterar, com novos produtos, cores, disputas, cidades e grupos lutando por seus interesses específicos.

O que foi a Idade Média

Idade Média é um termo criado pelos modernos para definir um período anterior ao que viviam. Período esse em que a Igreja Católica e nobres europeus tinham sólidos poderes e influência incontestável, apesar das constantes disputas entre esses grupos.

Contudo, devemos observar as nuances desta era milenar. Digo “milenar” porque é convencionado, ainda que em uma perspectiva eurocêntrica, que seu início ocorreu em 467, com a queda do Império Romano do Ocidente, e seu fim em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos e queda do Império Bizantino.

A historiografia divide a idade média em dois grandes períodos:

  • Alta Idade Média: do século V ao século X. Foi marcada pelas relações feudais baseadas nos laços de suserania e vassalagem, pouco comércio, grandes extensões de terras disputadas por senhores feudais e o código Justiniano no Império Bizantino.
  • Baixa Idade Média (ou baixa do feudo): do século X ao século XV. Foi marcada pelo renascimento urbano e comercial, o retorno das moedas, a difusão das heresias, as Cruzadas, o cisma do Oriente e a invenção da tipografia.

Em ambas as partes, a sociedade continuava dividida nos seguintes estamentos:

  • Clero, composto pelo papa, cardeais, bispos, padres e outras ordens.
  • Nobreza, composta por senhores feudais, reis, príncipes, duques, condes e outros nascidos em berço nobre.
  • Povo, no qual estavam inseridos camponeses, artesãos, comerciantes e qualquer outra pessoa que não nascesse na nobreza.

Nesta aula vamos nos concentrar na Baixa Idade Média.

A ascensão da burguesia

Algumas transformações ocorrem no cenário da Europa a partir do século X. Uma delas é a saída massiva de indivíduos que antes viviam nos campos feudais para buscar as oportunidades oferecidas nas cidades (fenômeno chamado de êxodo rural).

Esse êxodo ocorre por alguns fatores, como: aumento da produção nos campos, desenvolvimento do comércio, falta de terras para os nobres, superação do medo de muitos camponeses de viver fora do feudo e a busca por uma vida melhor nas cidades.

É nesse período que surgem os burgos, grandes cidades muradas voltadas para o comércio. Dos burgos advém o termo “burguês”, que é sinônimo para comerciante. Os comerciantes, por mais ricos que pudessem ser, ainda faziam parte do povo, ou seja, não pertenciam ao estamento dos nobres e nem do clero. Sua renda vinha principalmente do comércio das mais diferentes mercadorias. Quanto mais rara e de mais distante viesse, mais cara poderia ser vendida.

Sendo assim, dentro de alguns anos a burguesia passaria a crescer e fazer grandes alianças com a nobreza para ampliar seus mercados e, por consequência, seus lucros. No entanto, ainda era limitada pela fragmentação territorial e pelos valores católicos, que, contraditoriamente à prática, recriminavam a ganância dos burgueses.

Burgo - Alta Idade médiaAfresco de Ambrogio Lorenzetti, retratando um burgo. Fonte: https://bit.ly/3fijmi6

Guildas ou corporações de ofício

Com o crescimento da população nas cidades, todos os tipos de pessoas tentavam buscar oportunidades: camponeses com sua força de trabalho, artistas e artesãos. Esses últimos se destacavam por deter conhecimento, passado de geração em geração sobre como transformar matérias primas em utensílios a serem comercializados. Alguns desses ofícios eram, por exemplo, de ferreiros, pedreiros, ourives e alfaiates.

Corporação de ofício - Alta Idade médiaDe re metálica, ilustração para pensar o trabalho em uma guilda de ferreiros. Fonte: https://bit.ly/3fgaQQz 

Com o aumento populacional, os artesãos começaram a unirem-se em guildas, ou corporações de ofício. Essas organizações eram associações de artesãos de uma mesma especialidade. Os integrantes das corporações de comercializavam seus produtos em conjunto e estipulavam seus preços. Além disso, era um excelente ambiente para se aprender novas técnicas e conseguir clientes.

Para saber mais sobre as corporações de ofício e outras transformações que fazem parte do renascimento comercial e urbano, confira nossa videoaula:

Cisma do Oriente

O Grande Cisma do Oriente ocorreu em 1054 e marca a ruptura da unidade do cristianismo no século X. Desde a expansão do antigo Império Romano para o Oriente, a autoridade política e religiosa esteve em disputa que ocorria tanto sob questões de autoridade teológica como política.

Um bom exemplo da disputa foi quando o papa Leão III fez a coroação de Carlos Magno como Imperador do Sacro Império Romano Germânico no Natal do ano 800. O evento evidenciou a profundidade do distanciamento e  das disputas entre Oriente e Ocidente. Enquanto no Ocidente o papa buscava fortalecer sua influência, ele tinha de disputá-la contra o patriarca e o imperador de Constantinopla.

O ápice dessa polarização ocorreu em 1054, quando o cristianismo se dividiu em Igreja Católica Apostólica Romana, localizada no Ocidente e com sede em Roma, e Igreja Ortodoxa, representada pelo patriarca e com sede em Constantinopla.

Todavia, os ortodoxos aderiram à iconoclastia, ou seja, não toleravam a presença e utilização de símbolos em seus templos e cultos. Afirmavam que os fiéis poderiam passar a adorar muito mais as representações do que Deus em si. Enquanto isso, no Ocidente as imagens eram muito importantes para a catequização de uma população majoritariamente analfabeta.

Além disso, os ortodoxos são monofisistas (acreditam em uma única natureza de Deus) e negam a Santíssima Trindade. Essas divergências somadas às disputas por influência de cada autoridade levaram ao Cisma. Até hoje a divisão permanece, assim como a divisão da autoridade do papa e do patriarca.

Igreja Católica e as Cruzadas

Desde o início, a expansão dos domínios árabes e muçulmanos foi muito progressiva. O islamismo, que surgiu no século VI, conquistou todo o norte da África e a Península Ibérica ainda durante o período compreendido pela alta Idade Média.

Tal eficiência na conquista de novos domínios era uma ameaça às instituições europeias e, principalmente, à Igreja Católica. Por isso, a imagem do muçulmano sempre foi vinculada à ideia de barbárie e heresia durante muito tempo no mundo ocidental.

Diante deste cenário e do ponto de vista da Igreja e da nobreza europeia, era necessário contra-atacar. Entretanto, combater o avanço árabe/muçulmano e “libertar as cidades santas” não foi o único interesse que moveu os cruzados e aqueles que os acompanhavam.

As Cruzadas foram expedições militares lideradas pelos nobres (em boa parte, por senhores feudais) e pelos representantes da Igreja. Mas, deter o controle da terra santa, como é o caso célebre de Jerusalém, ia além dos princípios religiosos.

A cidade era um local de intensa peregrinação, atraindo muitos fiéis de diversas regiões. Para os burgueses, dominar Jerusalém representava a possibilidade de criarem novas rotas e pontos de comércio, já que estariam praticamente escoltados pelos cavaleiros europeus.

Ao todo, foram realizadas oito Cruzadas, sendo que a quarta (1202-1204) nem tinha como objetivo recuperar Jerusalém, mas sim saquear Constantinopla. Essa Cruzada chegou a ser financiada pela burguesia veneziana e permitiu a reabertura do mar Mediterrâneo para o comércio europeu, escancarando os reais interesses por detrás destas expedições.

Apesar de tudo, muitos nobres que esperavam obter o controle de vastas terras pouco ganharam, quando não perderam recursos ao investir tanto nestas incursões. A própria Jerusalém continuou sob domínio muçulmano após a última cruzada.

Resumo sobre Cruzadas

Saiba mais sobre as Cruzadas com a videoaula do prof. Felipe no nosso canal:

Crise do Século XIV

Se por um lado, no começo da Baixa Idade Média houve um aumento populacional, ao chegar o século XIV há uma massiva perda de vidas humanas na Europa por conta de uma convergência de acontecimentos.

O triunfo da morte - Alta Idade MédiaQuadro de Pieter Bruegel, O triunfo da morte, retratando um cenário de fome, desespero e guerra. Fonte: https://bit.ly/3w8d9vp

Peste negra

A peste bubônica, ou só “a peste”, como ficou conhecida, foi uma doença mortal porque além de se desconhecer sua causa na época, ela também se difundiu muito rapidamente.

A peste ocorre quando a bactéria Yersinia pestis adentra nas vias sanguíneas do corpo pela picada de uma pulga, que na Idade Média foi disseminada pela população de ratos pretos vindos em embarcações do Oriente. Os roedores encontraram um ambiente propício para se reproduzir nas ruas europeias, cheias de lixo, restos de alimentos, animais e até fezes humanas.

A partir dos primeiros sintomas, era questão de dias para que o infectado morresse. Uma das marcas da doença era a formação de diversos tumores pelo corpo inteiro. As autoridades desconheciam a natureza da enfermidade. Assim, a Igreja passou a propagar a ideia de que se tratava de um castigo com origem divina, como servira para muitas outras explicações no período.

Além disso, fortes chuvas provocaram grandes perdas em plantações, debilitando as colheitas e provocando o que ficou conhecido como “a grande fome”.

Guerra dos Cem Anos

Como se já não fosse infortúnio suficiente para a população pobre, o continente estava sendo varrido por guerras, sendo a principal delas a Guerra dos Cem Anos. Essa se caracterizou por uma série de conflitos entre as coroas francesa e inglesa por diversos motivos. Um deles foi uma divergência em relação à sucessão do trono francês. Mas o principal motivo foi a disputa do controle de regiões estratégicas.

Duas informações importantes sobre esse conflito: é nele que aparece Joana D’arc, líder francesa que teria conduzido tropas em memoráveis vitórias, mas que foi aprisionada e queimada viva na fogueira pelos ingleses. A segunda é que a duração da guerra foi de 116 anos, e não de 100, como indica seu nome.

Somando-se a este conflito, temos a Jacquerie, uma revolta camponesa motivada pelo sofrimento com a fome e a guerra. Os camponeses passaram a confrontar os nobres que, além de explorar o seu trabalho, os tratavam de maneiras desumanas. O nome “jacquerie” advém do termo Jacques Bonhomme, referência pejorativa aos camponeses que significava algo como “João ninguém”.

Transição para a modernidade

Outros eventos marcam a passagem da modernidade para além da tomada de Constantinopla pelos otomanos. Um deles é a criação da tipografia, ou prensa, por Johannes Gutemberg, que permitiu a aceleração na produção e difusão de obras literárias. A Bíblia foi o primeiro livro impresso por Gutemberg, ainda provando a força da Igreja Católica.

Contudo, foi também pelo maior acesso à Bíblia que alguns anos depois essa mesma Igreja vai começar a se enfraquecer com o surgimento de novas interpretações a partir da leitura do seu livro sagrado.

A burguesia, em especial a italiana, fortalecida com as novas rotas comerciais abertas durante as Cruzadas, vão ficar mais poderosas e irão começar a se aliar com os reis, estes que por sua vez irão subjugar os outros nobres ao seu comando.

Na Península Ibérica, a luta dos reinos de Castela, Leão, Navarra, Aragão e o Condado Portucalense contra os árabes (chamados de mouros) chegava aos seus últimos anos. Por fim, Portugal e Espanha iniciaram no século XV uma série de explorações marítimas que viriam a mudar completamente a vida e a história do ocidente.

Videoaula

Antes de fazer os exercícios, que tal ampliar seus conhecimentos com essa videoaula com o professor Felipe, no nosso canal do Youtube?:

 

Exercícios sobre a Baixa Idade Média

1- UDESC (2017)

Em A civilização feudal, o historiador Jérôme Baschet escreveu que a “Idade Média convida, com particular acuidade, a uma reflexão sobre a construção social do passado”.

BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Editora Globo, 2006, p. 26.

Tendo como referência a citação acima e o período da história, conhecido como Idade Média, assinale a alternativa incorreta.

a) O Iluminismo consolidou ideias como fragmentação política, fixação espacial, desordem, regressão e estagnação nas suas representações sobre o mundo medieval.

b) Os debates contemporâneos sustentam que fazem parte da dinâmica feudal o poder monárquico, a função militar e a presença de autoridade episcopal.

c) O fenômeno urbano na chamada Idade Média Central está associado ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais.

d) O Feudalismo foi uma categoria meramente econômica que designou o modo de funcionamento de toda a sociedade medieval na Europa.

e) A visão sobre o mundo medieval foi pautada por perspectivas do período no qual o historiador escreve, como exemplo, a idealização romântica produzida no século XIX.

2- (ENEM-2014)

Sou uma pobre e velha mulher,

Muito ignorante, que nem sabe ler.

Mostraram-me na igreja da minha terra

Um paraíso com harpas pintado

E o inferno onde fervem almas danadas,

Um enche-me de júbilo, o outro me aterra”.

VILLON, F. In: GOMBRICH, E. História da arte. Lisboa: LTC, 1999.

Os versos do poeta francês François Villon fazem referência às imagens presentes nos templos católicos medievais. Nesse contexto, as imagens eram usadas com o objetivo de

a) refinar o gosto dos cristãos.

b) incorporar ideais heréticos.

c) educar os fiéis através do olhar.

d) o divulgar a genialidade dos artistas católicos.

e) valorizar esteticamente os templos religiosos.

3- (ENEM-2017)

Mas era sobretudo a lã que os compradores, vindos da Flandres ou da Itália, procuravam por toda a parte. Para satisfazê-los, as raças foram melhoradas através do aumento progressivo das suas dimensões. Esse crescimento prosseguiu durante todo o século XIII, e as abadias da Ordem de Cister, onde eram utilizados os métodos mais racionais de criação de gado, desempenharam certamente um papel determinante nesse aperfeiçoamento.

DUBY, G. Economia rural e vida no campo no Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1987. Adaptado.

O texto aponta para a relação entre aperfeiçoamento da atividade pastoril e avanço técnico na Europa ocidental feudal, que resultou do(a)

a) crescimento do trabalho escravo.

b) desenvolvimento da vida urbana.

c) padronização dos impostos locais.

d) uniformização do processo produtivo.

e) desconcentração da estrutura fundiária.

Gabarito:

  1. D
  2. C
  3. B

Sobre o(a) autor(a):

Os textos acima foram preparados pelo professor Angelo Antônio de Aguiar. Angelo é graduado em história pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestrando em ensino de história na mesma instituição e dá aulas de história na Grande Florianópolis desde 2016.

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