A crônica de Rubem Braga

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Quem foi Rubem Braga

Rubem Braga, nascido em Cachoeiro de Itapemirim, em 12 de janeiro de 1913, foi sem dúvida dos melhores cronistas brasileiros. Iniciou-se no jornalismo profissional muito cedo, aos 15 anos, no Correio do Sul, de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, fazendo reportagens e assinando crônicas diárias no jornal Diário da Tarde.

Formou-se bacharel pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte em 1932, mas não exerceu a profissão, dedicando-se ao jornalismo. Transferindo-se para Recife, dirigiu a página de crônicas policiais no Diário de Pernambuco. Nesta cidade, fundou o periódico Folha do Povo. Em 1936 lançou seu primeiro livro de crônicas, O Conde e o Passarinho, e fundou em São Paulo a revista Problemas.

Como correspondente, passou a acompanhar grandes eventos como a Segunda Guerra Mundial, na campanha de 1944-1945, pelo Diário Carioca; a cobertura da primeira eleição de Perón, 1946, na Argentina; a segunda eleição de Eisenhower, nos Estados Unidos. Visitou inúmeros países das Américas, Europa, África e Índia; e até desempenhou função diplomática em Rabat (Marrocos).

Após seu regresso, exerceu o jornalismo em várias cidades do país, fixando domicílio no Rio de Janeiro, onde escreveu crônicas e críticas literárias para o Jornal Hoje, da Rede Globo. Foi um dos sócios da Editora do Autor e da Editora Sabiá no período de 1967 a 1971. Trabalhou no jornalismo da TV-Globo e escreveu crônicas para revistas.

Foi um dos cronistas mais importantes do nosso país. Publicou duas dezenas de livros com suas crônicas, dentre eles, O verão e as mulheres (que é, na verdade, a 4ª edição de A Cidade e a Roça), escreveu o romance Casa do Braga, e fez a adaptação de algumas obras importantes e traduziu Terra dos Homens, Antoine de Saint-Exupéry. Rubem Braga faleceu no Rio de Janeiro, no dia 19 de dezembro de 1990.

A crônica de Rubem Braga

Rubem Braga fez da crônica o seu foco literário. Seu estilo se caracteriza pelo estilo, influenciado pelo jornalístico: construção ágil, direta, sem adjetivações, pelo despojamento verbal e pelo hábito de escrever eliminando excessos.

Outro recurso é reproduzir a estrutura das conversas informais. Começa falando de um tema e conduz o leitor a outro tema bem mais complexo.

Em sua obra, Rubem Braga autor procura identificar algo singular no termo “coisa de carioca”, ou seja, um hábito ou comportamento comum, como ir “tomar um cafezinho”. Além de seguir um tempo cronológico determinado, também há o uso da oralidade na escrita e o coloquialismo na fala das personagens.

Em Rubem Braga, constantemente o narrador conversa com seus leitores como uma estratégia marcante – muito praticada, inclusive, por Fernando Sabino. Outro traço em comum é a relação que os dois autores guardam com a infância e a inocência, sempre exaltados e idealizados, como você pode ver na crônica a seguir:

Ai de ti, Copacabana

Publicado em 1960, o livro reúne crônicas escritas de abril de 1955 a março de 1960, selecionadas e organizadas pelo próprio autor. As crônicas abordam assuntos do cotidiano, as memórias da infância (ponto fundamental da obra de Braga) e dos amores da mocidade.

São textos em que valorizam a natureza, a simplicidade da vida, os pobre, humildes e sofredores. Retratando o tédio urbano e a atmosfera melancólica das grandes cidades, Braga capta os pequenos momentos que compõem a condição humana, trazendo e interpretando para o leitor os diversos sentimentos dispersos nesses instantes. Veja uma das crônicas do livro:

O homem e a cidade

“Agora, que não preciso mais ir à cidade todo dia, descubro um prazer novo em andar por essas velhas ruas do centro onde tanto vaguei outrora.
E pego um estranho dia de verão: há um alto nevoeiro aéreo sob o céu azul, mas o vento espanta alegremente as nuvens esgotadas de chover; o ar é fino, a luz é clara, a manhã é assanhada, com uma alegria de convalescente que pela primeira vez, depois de longa doença, sai a passear entre as árvores, o mar e as montanhas azuis.

Parece que estamos em maio ou setembro, num desses dias cambiantes e leves em que as folhas têm um brilho mais feliz. E sinto prazer em andar pela calçada larga da Rua do Passeio, em espiar as grandes vitrinas coloridas de presentes de Natal. (Não quero comprar nada, não preciso ganhar mais nada, não é verdade que recebi na minha porta a graça juvenil de uma rosa amarela?)

A calçada está cheia de gente, e é doce a gente se deixar ir andando à toa. Na Rua Senador Dantas vejo livros, camisas, aparelhos elétricos, discos, fuzis submarinos, gravatas; e os cartazes dizem que tudo é muito barato e fácil de comprar, os cartazes me fazem ofertas especiais para levar agora e só começar a pagar em fevereiro… Muito obrigado, muito obrigado, mas não preciso de nada. Entretanto, gosto de ver essa fartura de coisas: fico parado numa porta de mercearia contemplando reluzentes goiabadas e frascos de vinho, bebidas e gulodices de toda a espécie que vieram de terras longes se oferecerem a mim.

Mas de repente houve alguma coisa — a visão de um muro, o som de uma vitrola distante, algum rosto no meio da multidão? — alguma coisa que me devolveu ao meu ser antigo. Sou um rapaz magro nesta mesma rua, sou o verdadeiro estudante de 1929 e talvez cruze uma esquina, sem conhecê-la ainda, aquela que há de ser a minha amada, e tire do bolso a minha carteirinha da Faculdade para ter direito ao abatimento do cinema. Mas logo, por um instante, sou o homem dramático e silencioso de 1938, e caminho carregado de angústia por essa calçada que, entretanto, é a mesma de hoje — há o vento palpitando nos vestidos coloridos de mulheres finas que sorriem com dentes muito brancos entre os lábios úmidos. E vou andando, tomo um café, sinto uma grande ternura pela cidade grande onde outrora te amei tanto, tanto, oh! para sempre perdida Lenora.

Lenora… E me dá uma humildade entre o povo, completo o dinheiro da entrada de um menino que quer ir ao cinema, espero um bonde, ajudo uma senhora gorda a subir com seu embrulho, ela agradece e sorri, é cinqüentona e pobre, mas seu sorriso é bom, ela e eu somos cidadãos da mesma cidade e antes de saltar ela me desejará boas entradas. Vem o condutor, tem cara de alemão e é gordo, mas ágil e paciente, todos pagam sua passagem na boa ordem civil e cordial. Um homem conduz uma gaiola dentro do bonde, todos querem ver o passarinho — é um pintassilgo, diz ele.

Quieto, vou repetindo sem voz, para mim mesmo, teu nome, Lenora — perdida, para sempre perdida, mas tão viva, tão linda, batendo os saltos na calçada, andando de cabelos ao vento dentro de minha cidade e de minha saudade, Lenora.”

(texto extraído do livro “Ai de ti Copacabana”)

Análise da crônica

Como você pode ver, a crônica traz um breve flagrante do cotidiano da cidade e do tédio urbano, que servem de mote para a recordação melancólica e nostálgica do narrador. O nome da mulher amada e perdida ecoa em suas memórias, presas para sempre nos lugares onde as pessoas estiveram um dia. A cidade e suas ruas são as marcas pelas quais o narrador vai identificando e interpretando a si mesmo.

Para apreciação de mais um pouco da obra de Rubem Braga, segue uma crônica do autor, “O Cafezinho”, do livro O conde e o passarinho & Morro do isolamento:

Cafezinho

“Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.

Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:

– Ele foi tomar café.

A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um “cafezinho”. Para quem espera nervosamente, esse “cafezinho” é qualquer coisa infinita e torturante. Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:

– Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.

Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:

– Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.

Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:

– Ele está? – alguém dará o nosso recado sem endereço. Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:

– Ele disse que ia tomar um cafezinho…

Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:

– Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí…

Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.

Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.

Rio, 1939.”

(O conde e o passarinho & Morro do isolamento. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 156-157.)

Resumo sobre a crônica como gênero narrativo

Para terminar, veja um resumo sobre a crônica enquanto gênero narrativo, com a professora Camila, de Literatura!

Questões sobre Rubem Braga

Agora, resolva as questões sobre Rubem Braga selecionadas pelo professor e verifique se você entendeu as características da crônica do autor.

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Sobre o(a) autor(a):

Renato Luís de Castro é graduado em Letras/Francês pela Unesp-Araraquara, e mestrado em Estudos Literários também na Unesp, atualmente concluindo Licenciatura pela UFSC.

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