Flexibilização do trabalho e a uberização

A flexibilização do trabalho promete liberdade e autonomia de horários e jornadas para os trabalhadores. Por outro lado, restringe seus ganhos e direitos. Entenda!

Hoje vamos falar sobre esse conceito contemporâneo para entender melhor a flexibilização do trabalho e dos direitos trabalhistas a partir de seus principais reflexos em curso no Brasil. Vamos lá?

Desde a Revolução Industrial do século XVIII, vivenciamos um acelerado avanço tecnológico que impacta diretamente em muitas transformações na sociedade. Uma dessas transformações é bem conhecida e vivenciada por todos nós: a tecnologia. É a partir dela que podemos estar nesse exato momento conectados à leitura desta aula.

A tecnologia e as relações de trabalho

Entretanto, a tecnologia não é uma simples facilitação das nossas atividades. Os avanços tecnológicos têm tido um grande papel em moldar e criar novas formas de vida em sociedade, principalmente através de seus diferentes níveis de alcance (desde uma escala local a uma escala global).

Essa rede formada de grandes possibilidades, a qual nos permite interagir com diversas pessoas em qualquer canto do globo, tem gerado alterações nos modelos de produção e consumo no mundo todo ao longo do tempo.

Resumo sobre Flexibilização e Uberização

Veja agora com o professor Raphael Carrieri, do canal do Curso Enem Gratuito, as características básicas da Uberização. Confira os exemplos do Uber, do IFood, e do Rappi:

O mundo sem fronteiras

O fenômeno da Uberização através das plataformas que agregam clientes e prestadores de serviço se deve especialmente a esse “rompimento” virtual das fronteiras entre países. Assim, surgiram novas relações sociais, econômicas, políticas e culturais, as quais se tornam cada dia mais intensas e interligadas.

Sabemos que existe uma internacionalização em território nacional, podendo ser observada por parte de empresas transnacionais, por exemplo, que buscam obter vantagens ao se estabelecerem em determinados países.

Basta lembrar que muitos de nossos bens e produtos fazem parte de uma cadeia produtiva que possui etapas dispersas em diferentes países. Essa lógica de produção está associada a interesses da ordem capitalista, os quais prezam por vantagens atreladas à alta produtividade e maximização de lucros.

Dessa forma, a configuração dos territórios, a partir dos interesses dos grandes donos do capital, refletem na divisão territorial do trabalho e, consequentemente, na sua dinâmica econômica e social. Ou seja, na geração de determinados empregos, no desenvolvimento de determinadas infraestruturas, na formulação de determinadas políticas públicas entre outros.

Os territórios e os modelos econômicos

Veja que, desse modo, os territórios são dinâmicos e vistos não somente como objetos de interesse, mas também palco de ações em que a vida acontece. Sendo assim, é importante notar, a partir das colocações até aqui, que uma sociedade está inserida num modelo econômico e também político, pois o Estado opera em consonância com as demandas provindas da sociedade bem como dos setores privados.

Essa relação entre o público e o privado em muitos casos favorece ou viabiliza a ação de determinados grupos no território – a depender de seu plano de governo e gestão – e tudo isso reflete no modo e qualidade de vida das pessoas daquele território.

Mas aí você deve estar se perguntando: e onde entra as plataformas digitais em tudo isso? Como ela participa dessas modificações sociais? O que isso tudo tem a ver com a flexibilização do trabalho?

A flexibilização do trabalho no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil tem passado por uma crise econômica agravada pela pandemia e que tem reflexos sobretudo no âmbito do trabalho. Segundo o levantamento do IBGE, no segundo trimestre de 2021 o país contabilizou mais de 14 milhões de pessoas desempregadas.

Isso mostra uma dificuldade na geração de empregos formais, contribuindo para o aumento da informalidade no e da flexibilização do trabalho no país. De acordo com a pesquisa, o trabalho informal atingiu uma taxa de 40,6%.

Essa informalidade ganha espaço principalmente num cenário de recessão, mas pode ganhar força com a priorização de quais interesses das camadas da sociedade serão atendidos.

A necessidade de se buscar reverter o quadro de recessão passa por reformular ou decidir por alternativas que solucionem essa demanda numa escala coletiva, de modo a contemplar os mais afetados pela crise em si. Contudo, não é o que ocorre atualmente no Brasil.

Novas modalidades de trabalho

Muitas das reformas ligadas aos direitos trabalhistas estão sendo revistas e já foram aprovadas. Um exemplo é a nova legislação trabalhista (Lei nº. 13.467 de 13 de junho de 2017) que “afrouxa” a legislação comprometendo direitos e garantias dos trabalhadores, gerando inseguranças e permitindo novas modalidades de trabalho.

Essas modalidades novas estão relacionadas ao mercado informal, pois flexibilizam o trabalho de modo a garantir um emprego. Todavia, com condições diferenciadas, muitas delas contribuem para a diminuição dos vínculos empregatícios (contratos intermitentes e teletrabalhos, por exemplo).

Assim, podemos verificar um certo retrocesso na alteração das relações trabalhistas. Isso porque a falta de garantias e direitos leva a um aumento da instabilidade, menores salários e até mesmo à maior exposição a fatores de risco para a saúde dos trabalhadores, comprometendo a qualidade de vida da população.

Vale lembrar a importância da Constituição Federal Brasileira em assegurar à população direitos básicos. Em seu artigo 1º, a Constituição faz referência à dignidade humana e a valoração do trabalho, além do seu artigo 170º abordar princípios ligados à redução de desigualdades sociais e a busca do pleno emprego.

Uberização

Diante disso, os trabalhadores informais de plataformas digitais – como a Uber – vivenciam o dia a dia da insegurança e da falta de garantias, as quais produzem o que os estudiosos denominam de precarização do trabalho.

A precarização do trabalho se sustenta dentro da lógica da produtividade e lucro, discutidos aqui inicialmente. Num cenário de crise em que todos são afetados, uns em maiores e outros em menores proporções, a precarização se torna ainda mais recorrente devido à vulnerabilidade em foco dos que mais necessitam de trabalho para sobreviver. O aumento dos motoristas da empresa-aplicativo Uber são reflexos dessa vulnerabilidade.

Dessa forma, a união da precarização do trabalho a um meio tecnológico de gestão como a plataforma Uber – a qual não possui vínculo algum com os prestadores de serviços – nos traz ao conceito de discussão dessas novas modalidades de trabalho que surgem e se estabelecem com muita facilidade em todo canto do país: a uberização.

A uberização é uma nova organização de trabalho desregulamentada em que os subordinados enfrentam jornadas e horários não definidos, exposição a diferentes riscos, usos de seus bens particulares para poder trabalhar (como veículos automotores), falta de seguros, isto é, toda ausência de suporte que os vínculos empregatícios costumam assegurar.

Charge - Flexibilização do trabalhoCharge retratando as novas modalidades de trabalho sem vínculos empregatícios.

Esse novo modelo de negócio digital não se restringe à Uber e nem a serviços de transporte de pessoas. É uma realidade em diversos segmentos empresariais e há uma tendência no mundo, conforme a era dos aplicativos nos torna dependentes em todos os níveis de nossa vida (no trabalho, na universidade, numa transação bancária, numa compra etc.).

Consequências da uberização

Pensando nessa nova realidade e na tendência desse aumento de novos modelos de produção e consumo para as próximas décadas, as mudanças no âmbito da lei são esperadas.

Entretanto, devemos nos atentar em como tais mudanças afetam a sociedade como um todo, como elas se adaptam e a quem elas se voltam. Isso porque a precarização se soma a outros problemas de caráter estrutural, maximizando, muitas vezes, as desigualdades sociais já presentes na sociedade.

Dessa forma, podemos dizer que a uberização não é somente um indicativo sobre as condições de trabalho precárias, mas também um da crescente concentração de apenas um tipo de oferta de emprego.

Essa falta de diversidade de vagas e oportunidades nos mostra uma desvalorização da mão de obra qualificada, bem como a própria falta de incentivo a se buscar por mais qualificação. Isso nos faz pensar em como isso vai ter um impacto nas demais profissões, além de afunilar ainda mais as dificuldades já existentes entre grupos sociais mais vulneráveis a ascender profissionalmente e economicamente.

Perceba que toda essa dinâmica de novas relações trabalhistas e sociais que vão sendo construídas reconfiguram o território de modo com que as pessoas se adaptem a essa nova realidade.

Hoje podemos verificar no Brasil um olhar prioritário às demandas privadas e não às de interesses comuns, e isso tem prejudicado, em meio à crise, os que mais necessitam de uma segurança financeira, emocional e alimentar. Portanto, falar sobre o trabalho e suas relações é um assunto complexo e carece de uma análise pautada sobretudo em seus reflexos na qualidade de vida das pessoas.

Charge desemprego - Flexibilização do trabalhoCharge retratando a situação do desemprego.

Videoaula sobre flexibilização do trabalho

Para complementar seus conhecimentos sobre flexibilização do trabalho, assista ao vídeo do nosso canal com a professora Heloisa:

Exercícios sobre flexibilização do trabalho

1- (ENEM/2014)

Mapa com destaque para a Ásia

TEXTO II

A Índia deu um passo alto no setor de teleatendimento para países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos e as nações europeias. Atualmente mais de 245 mil indianos realizam ligações para todas as partes do mundo a fim de oferecer cartões de crédito ou telefones celulares ou cobrar contas em atraso.

Disponível em: www.conectacallcenter.com.br. Acesso em: 12 nov. 2013 (adaptado).

Ao relacionar os textos, a explicação para o processo de territorialização descrito está no(a)

a) aceitação das diferenças culturais.

b) adequação da posição geográfica.

c) incremento do ensino superior.

d) qualidade da rede logística.

e) custo da mão de obra local.

2- (Enem 2014)

O jovem espanhol Daniel se sente perdido. Seu diploma de desenhista industrial e seu alto conhecimento de inglês devem ajudá-lo a tomar um rumo. Mas a taxa de desemprego, que supera 52% entre os que têm menos de 25 anos, o desnorteia. Ele está convencido de que seu futuro profissional não está na Espanha, como o de, pelo menos, 120 mil conterrâneos que emigraram nos últimos dois anos.

O irmão dele, que é engenheiro-agrônomo, conseguiu emprego no Chile. Atualmente, Daniel participa de uma “oficina de procura de emprego” em países como Brasil, Alemanha e China. A oficina é oferecida por uma universidade espanhola.

GUILAYN, P. Na Espanha, universidade ensina a emigrar. O Globo, 17 fev. 2013 (adaptado).

A situação ilustra uma crise econômica que implica:

a) valorização do trabalho fabril.

b) expansão dos recursos tecnológicos.

c) exportação de mão de obra qualificada.

d) diversificação dos mercados produtivos.

e) intensificação dos intercâmbios estudantis.

3- (Enem 2015)

No final do século XX e em razão dos avanços da ciência, produziu-se um sistema presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença planetária. Um mercado que utiliza esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2008 (adaptado).

Uma consequência para o setor produtivo e outra para o mundo do trabalho advindas das transformações citadas no texto estão presentes, respectivamente, em:

a) Eliminação das vantagens locacionais e ampliação da legislação laboral.

b) Limitação dos fluxos logísticos e fortalecimento de associações sindicais.

c) Diminuição dos investimentos industriais e desvalorização dos postos qualificados.

d) Concentração das áreas manufatureiras e redução da jornada semanal.

e) Automatização dos processos fabris e aumento dos níveis de desemprego.

Gabarito:

  1. E
  2. C
  3. E

Sobre o(a) autor(a):

Este texto foi escrito por Rebeka Lehner para o Curso Enem Gratuito. Rebeka possui graduação em Engenharia de Aquicultura pela Universidade Federal de Santa Catarina, MBA em Gestão Ágil de Projetos (SENAI-SC) e atualmente é estudante de Geografia (bacharelado) na Universidade do Estado de Santa Catarina.

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