Realismo Fantástico no Brasil: o que é, autores e características

A Mula Sem-Cabeça, o Boi-Bumbá e o Saci-Pererê e O sítio do pica-pau amarelo fazem parte do realismo fantástico. É uma escola literária que insere o sobrenatural no cotidiano, como parte da normalidade. Seus principais expoentes são da América Latina.

Medo, figuras irreais, nenhum compromisso com a lógica. O realismo fantástico flerta com o sonho, o folclore, a realidade e fantasia. Bora, que essa revisão está mágica.

O que é o gênero fantástico

Desde os tempos mais remotos, as pessoas experienciam fenômenos que, por muitas das vezes, são inexplicáveis de acordo com as leis naturais. Fatos ou mitos, essas experiências causaram e ainda causam muitas curiosidades nas mais diversas sociedades e culturas.

Histórias, contos, os famosos “causos” e lendas perturbam o imaginário das pessoas, que, de maneira incansável, querem explicações para tudo aquilo que não conseguem compreender. Assim, essas narrativas que surgem na mente dos seres humanos são conservadas com o passar do tempo e acabam se tornando eternas.

Posso arriscar que você já ouviu ou leu alguns dos mitos europeus. Também posso citar o já tão conhecido Olimpo, com seus deuses e titãs donos de poderes que extrapolam as leis naturais do nosso mundo. E se formos ao extremo Oriente, mais precisamente para a China, teremos seus enormes dragões e suas simbologias.

Introdução ao Realismo Fantástico

Confira agora com a professora de Literatura Camila Zuchetto Bambilla, do canal do Curso Enem Gratuito, quais são os autores, os personagens e os livros mais legais do Realismo Fantástico no Brasil:

Mudando nosso foco aqui para as Américas, podemos começar pelo México e a sua cultura com forte ligação à morte. Enquanto isso, no Brasil os mitos folclóricos, como o Boi Bumbá, a Caipora, o Curupira, a Iara, a Mula Sem-Cabeça e o Saci-Pererê foram mantidos até os dias de hoje, e são conhecidos por boa parte da população brasileira.

Mas o que todas estas histórias têm em comum? São recheadas de acontecimentos inexplicáveis ou sobrenaturais. Sendo assim, esta revisão serve para abordarmos as principais características do realismo fantástico, beleza? Vem sem medo!

Sei que nosso foco é Brasil e vestibular, mas leitura nunca é demais. Apesar de ser um gênero pouco conhecido, sugiro nomes como Julio Cortázar, Gabriel García Márquez e Jorge Luís Borges – sim, Borges aquele que plagiou Machado de Assis.

Gênero fantástico e realismo fantástico

Tem diferença, professor? Tem, mas é tênue. Não vamos no ater a esta discussão agora. No entanto, é importante entender como surgiu o gênero fantástico para sacar como a vertente do realismo fantástico surgiu no século XX.

O gênero fantástico teve suas origens em romances que tratavam muito sobre sentimentos como o medo, o desespero, a angústia e até mesmo um bom susto.

Contudo, com o passar dos séculos, esse gênero foi se transformando até chegar ao século XX como uma narrativa mais sutil. Hoje, podemos notar que o gênero fantástico deixou de lado a sucessão de acontecimentos surpreendentes, terríveis e chocantes para trabalhar com situações temáticas mais complexas.

No decorrente a isso, a narrativa fantástica passou a falar sobre temas mais inquietantes para a sociedade atual: os avanços científicos e tecnológicos, as angústias, a opressão, a burocracia, a desigualdade social.

Na América Latina, em terras tupiniquins, uma vertente denominada realismo mágico ou realismo fantástico apareceu em meados do século XX como uma forma do modelo fantástico latino-americano que traz diferenças em relação à vertente fantástica europeia.

Machado de Assis e o Realismo no Brasil

O gênero do Realismo desembarca no Brasil pelas mãos de Machado de Assis. Ele foi o autor genial de livros e personagens que se tornaram verdadeiros clássicos. Confira no resumo com a professora Camila:

Autores do realismo fantástico brasileiro

Primeiramente, posso adiantar que, no Brasil, tivemos pouco escritores com essa pegada realista fantástica. Por ser “carregada de emoções”, alguns críticos arriscam dizer que é isso que a torna tão nossa, tão latino-americana.

O surgimento do gênero “realismo fantástico” no Brasil rolou por volta dos anos 1940. Entretanto, Machado de Assis  – sempre ele, né? – já havia experimentado elementos sobrenaturais em uma de suas mais famosas obras do século XIX: Memórias Póstumas de Brás Cubas.

O pioneiro nesse estilo foi o mineiro Murilo Rubião, que trouxe o realismo fantástico para o país de forma marcante e com muita clareza nos seus contos.

Mas, como não poderia deixar de ser, ele traz em seus escritos inspirações de Machado de Assis. Murilo Rubião também foi um grande estudioso e conhecedor da mitologia grega e até a própria Bíblia.

Outro nome que também se aventurou nesse estilo foi o goiano José J. Veiga. O autor trazia sempre narrativas com histórias repletas de lirismo e trabalho poético ímpares, embora não tivesse largado a crítica política e social nas suas tramas. Em suas obras, é possível perceber influências de Franz Kafka e Luigi Pirandello.

Além disso, em nível de informação, cito Aluísio Azevedo, Mário de Andrade – com Macunaíma –, Monteiro Lobato – com seus personagens folclóricos (veja no vídeo a seguir) –, Raul Bopp – com Cobra Norato – e João Guimarães Rosa – com A terceira margem do rio. Todos eles  trabalharam em algumas narrativas com o realismo fantástico.

Monteiro Lobato e o Sítio do Pica-pau Amarelo

Contexto de produção das obras brasileiras

Só que, infelizmente, caro estudante, mesmo com todo o empenho dos escritores brasileiros do gênero, o estilo não teve a mesma força e reconhecimento na literatura nacional que o realismo fantástico atingiu em toda a América Latina. O realismo fantástico aparece durante um momento político bem atribulado em toda a América Latina: as ditaduras militares.

Dessa forma, podemos afirmar que essa foi uma das maneiras que os autores encontraram de ser contra a tudo o que vinha sendo vivenciado nesses países, com palavras que queriam manifestar exatamente o contrário do que os ditadores bradavam e defendiam.

A divisão entre as tecnologias modernas que estavam aparecendo e a cultura de mitos e superstições já bem enraizadas por aqui também foi terreno favorável para o desenvolvimento do realismo fantástico como arma de combate.

Murilo Rubião

O uso do realismo fantástico no Brasil apareceu de um jeito mais elaborado no conto. A estreia foi de Murilo Rubião, com a publicação, em 1947, do livro O Ex-Mágico.

Murilo Rubião - Realismo fantásticoFotografia do autor Murilo Rubião.

A maneira como trabalha o realismo fantástico em seus contos traz uma perplexidade nos leitores. Entretanto, o mais impressionante é o jeito que como os fenômenos sobrenaturais são recebidos no “andar da carruagem” da leitura como se fossem tangíveis, como se fossem vivos. Isso porque passa a impressão de que o personagem e o leitor têm a mesma curiosidade frente a acontecimentos insólitos.

O realismo fantástico tem um objetivo nos contos: a situação extraordinária não se limita somente a uma experiência de leitura prazerosa a fim de “distração do leitor”, mas tem uma função principal que é a crítica

Os contos rubianos possuem ainda uma outra característica relevante: todos apresentam passagens bíblicas retiradas do Velho Testamento como epígrafes.

Os contos de Murilo Rubião

Alguns estudiosos da literatura notaram que há uma relação forte entre epígrafes e contos, como se antevissem o que será mostrado logo após e, depois de lidas com maior atenção, podem tornar mais visível a ideia central do conto.

Muito fácil perceber que o sobrenatural está bem presente também nas estruturas das obras de Murilo Rubião, tida pelos críticos e estudiosos literários como grande e pequena ao mesmo tempo.

Isso porque, tendo em vista somente os livros, sua obra tem a soma de oito livros, com 89 contos. Seria um número considerável, não acha? Mas, dos contos somados, apenas 32 são originais. Os outros são republicações que o autor criou, chegando a publicar obras somente com republicações.

Certa vez, quando questionado sobre o assunto, o autor disse:

“Reelaboro a minha linguagem até a exaustão, numa busca desesperada pela clareza, para tornar o conto o mais real possível. Com a linguagem mais depurada, a intriga flui naturalmente”.

O escritor, a cada publicação inédita, mudava os contos, às vezes modificando-os de maneira muito brusca.

Realismo fantástico, maravilhoso e mágico

Por mais que possam aparecer como sinônimos, as nomenclaturas do realismo fantástico, realismo maravilhoso e realismo mágico não são a mesma coisa e existem muitos estudos e divergências por aí.

Dessa maneira, o que podemos compreender por realismo maravilhoso está ligado às obras literárias latino-americanas, que trazem o termo “maravilhoso” das cartas escritas pelos colonizadores no período das Grandes Navegações.

Já as denominações realismo fantástico e realismo mágico, por assim dizer, não remetem a um contexto ou movimento particular. Autores como E. T. A. Hoffmann e Edgar Allan Poe, por exemplo, são de contextos muito diferentes, mas são categorizados dessa forma.

Olha, eu poderia ficar o dia todo falando e lendo sobre esse assunto que me encanta muito, mas o Enem não se estuda sozinho, né?

Exercícios sobre o realismo fantástico

1- (PUC-RS/2020)  

Leia o trecho do conto “Bárbara”, de Murilo Rubião.

Bárbara gostava somente de pedir. Pedia e engordava. Por mais absurdo que pareça, encontrava-me sempre disposto a lhe satisfazer os caprichos. Em troca de tão constante dedicação, dela recebi frouxa ternura e pedidos que se renovavam continuamente. (…) Pediu o oceano. Não fiz nenhuma objeção e embarquei no mesmo dia, iniciando longa viagem ao litoral. Mas, frente ao mar, atemorizei-me com o seu tamanho. Tive receio de que a minha esposa viesse a engordar em proporção ao pedido, e lhe trouxe somente uma pequena garrafa contendo água do oceano. No regresso, quis desculpar meu procedimento, porém ela não me prestou atenção. Sofregamente, tomou-me o vidro das mãos e ficou a olhar, maravilhada, o líquido que ele continha. Não mais o largou. Dormia com a garrafinha entre os braços e, quando acordada, colocava-o contra a luz, provava um pouco da água. Entrementes, engordava.

Com base no trecho e em seu contexto, assinale a alternativa INCORRETA:

a) A reciprocidade no afeto parece ser uma marca do casal retratado no trecho.

b) O marido demonstra não se surpreender com os pedidos de sua esposa, e este comportamento provoca um estranhamento no leitor.

c) A natureza insólita e ambígua da relação do casal é um elemento que reflete a adesão de Murilo Rubião a uma estética relacionada à literatura fantástica.

d) O trecho apresenta algumas construções inusitadas, que quebram a lógica de causa e efeito, como, por exemplo: “pedia e engordava”.

e) Murilo Rubião tem uma produção literária centrada mais em contos do que em romances.

2- (UFRGS/2014) 

Considere os contos de Murilo Rubião.

Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes afirmações sobre os contos.

(   )  Todos apresentam uma epígrafe bíblica que está relacionada com as temáticas dos contos.

(   )  Todos podem ser considerados como fantásticos e não têm relação com a realidade brasileira.

(   )  Cariba, o protagonista do conto A cidade, é preso por ser a única pessoa que faz perguntas na cidade.

(   )  O título do conto O lodo pode ser interpretado metaforicamente, já que é a forma como o psicanalista descreve o inconsciente de Galateu.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é

a) F – V – V – F.

b) V – F – V – V.

c) F – F – F – V.

d) F – V – F – V.

e) V – V – V – F.

2- (ITA/2006)

A ficção contemporânea brasileira é marcada por uma diversidade muito grande de temas e de estilos. Nesse universo ficcional, um dos escritores de maior singularidade é Murilo Rubião, autor de livros, como O pirotécnico Zacarias, O convidado e A casa do girassol vermelho, publicados nos anos 1970. Das opções abaixo, assinale a que melhor define a obra desse autor.

a) O fato de ele ter escrito uma obra muito concisa, pois publicou poucos títulos, bem como sua predileção pelo conto, única forma literária a que se dedicou.

b) O fato de o autor ter escrito obras incluídas no gênero fantástico, cuja principal marca é a presença de ações sobrenaturais ou surreais, e que possuem significados metafóricos.

c) A presença de um forte psicologismo, ou seja, um aprofundamento nas motivações inconscientes e oníricas das ações das personagens.

d) A presença do sobrenatural, em contos próximos do clima de terror, e a presença do monstruoso, como no conto que narra as transformações de um coelho em vários outros animais.

e) O uso de elemento fantástico como forma de crítica social, como no conto que mostra o emagrecimento monstruoso de um homem, ocasionado pela sua obsessão pela vida do vizinho.

Gabarito

  1. A
  2. B
  3. B

Sobre o(a) autor(a):

Anderson Rodrigo da Silva é professor formado em Letras Português pela UNIVALI de Itajaí. Leciona na rede particular de ensino da Grande Florianópolis.

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