Entre as várias transformações que a tecnologia provocou na sociedade atual está o surgimento do trabalho por plataformas. Entregadores de aplicativos, pessoas que trabalham em “fazendas de cliques” ou como treinadores de inteligências artificiais participam de um regime de trabalho que promete autonomia, mas que é altamente precário.
No módulo 6 do curso Conectados e Ligados do Instituto Vero você vai entender o que é o trabalho por plataformas, o fenômeno da uberização e a economia de compartilhamento. O conteúdo deste módulo foi feito pelo Instituto Vero em parceria com a equipe do DigiLabour, um laboratório de pesquisa da UNISINOS que produz investigações em torno das conexões entre mundo do trabalho e tecnologias digitais.
Para aproveitar todo o conteúdo deste módulo, assista aos vídeos, baixe o e-book e responda às perguntas do quiz no final da página!
Vídeos: trabalho por plataformas
Quando ficamos com fome e fazemos um pedido de comida num aplicativo, só precisamos escolher o produto e esperar o entregador chegar até a nossa porta. Mas, por trás disso, existe um complexo processo de gestão do trabalho mediado por tecnologias digitais.
No primeiro vídeo do módulo você vai entender o que é a plataformização do trabalho e como esse fenômeno vai muito além da entrega de comida. Também vai descobrir como humanos trabalham fazendo micro tarefas para treinar inteligências artificiais e o que são “fazendas de cliques”. O roteiro é de Rafael Grohmann, coordenador do DigiLabour, e a apresentação é de Isabela Inês, pesquisadora júnior do Instituto Vero.
Agora que você já está por dentro do que é trabalho por plataformas, você vai conhecer alguns meios pensados pelos trabalhadores a fim de melhorar suas condições de trabalho. Uma das alternativas é o desenvolvimento do cooperativismo de plataforma. O roteiro e apresentação também são de Rafael Grohmann e Isabela Inês.
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Para saber ainda mais sobre trabalho por plataformas, faça o download do e-book do Módulo 6! Se você não quiser ou não puder baixar o e-book, leia o texto a seguir e confira as recomendações de conteúdos complementares!
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Texto
A economia global vem se transformando ao longo dos anos. Segundo um relatório da ONU, em 2009, 16% das maiores empresas eram do setor de tecnologia e serviços de consumo. Esse valor subiu para 56%, em 2018, junto com o setor de finanças, o que mostra que a economia atual está sendo guiada, tanto pelas tecnologias quanto pelas finanças. Com isso, podemos ver modificações significativas no nosso modo de viver, que agora é totalmente integrado com inovações a cada instante.
No ramo do trabalho, as empresas assumiram um papel muito mais de intermediar os trabalhadores para a demanda, de modo a entrelaçar o trabalho com as inovações tecnológicas. Esse fenômeno é chamado de uberização e, apesar de ter o nome da plataforma Uber de transporte por aplicativo, não está restrito a ele. Na realidade, o termo vai, inclusive, além do mundo do trabalho, mas, nele especificamente, diz respeito ao que chamamos de economia do compartilhamento – onde se “vende” um serviço de forma independente para um terceiro, sem qualquer intermediação de empresas, e pela internet. São diversos trabalhadores que são gerenciados e controlados por alguns meios técnicos, que colocam o consumidor e o fornecedor em contato direto.
Esses meios técnicos são as chamadas plataformas digitais. Em outras palavras, são infraestruturas digitais abastecidas com dados e automatizadas por algoritmos, podendo ter vários perfis e desenhos. Elas podem oferecer diversos tipos de serviço e estão cada vez mais presentes em nossa sociedade. Junto a ele, cresce a plataformização do trabalho, fenômeno em que o trabalho que está totalmente dependente das plataformas digitais. Este, contudo, não é um fenômeno recente, e já vem sendo resultado de processos históricos da nossa sociedade, como a apropriação do trabalho informal e a intensificação da flexibilização do trabalho.
Gerenciamento algorítmico do trabalho
Diante do cenário atual da alta do desemprego em nossa sociedade, apesar de serem trabalhos com uma remuneração muito abaixo do desejado, as pessoas optam por essa possibilidade para ganhar o mínimo para sua subsistência. Reestrutura-se, portanto, o capital, de modo que as plataformas utilizam-se dos nossos dados para conseguir gerar capital. Por exemplo, para a Uber, é necessário que eles saibam exatamente onde você está e para onde está indo para que possam indicar qual motorista está mais perto e, assim, eles consigam pegar seu capital.
Não só os clientes, mas também os trabalhadores se encontram intensamente monitorados através do chamado gerenciamento algorítmico do trabalho. Os trabalhadores estão sempre sendo intensamente monitorados e avaliados de acordo com o seu desempenho. É, por exemplo, aquela caixinha que abre para nós após comprarmos algo no iFood que pergunta como foi a entrega. Entretanto, toda essa avaliação carece de transparência, o que prejudica o trabalhador, que não tem noção das regras a que está submetido.
Apesar do discurso de inovação e tecnologia, há uma alta desvantagem para aqueles que optam por trabalhar em plataformas. Por isso, aqueles que optam por participar são, normalmente, os que já vem de um processo de segregação da sociedade, ou seja, são as pessoas negras e jovens. Ademais, há uma diferença geográfica para os trabalhos em plataforma. Por exemplo, segundo o Online Labour Index, da Universidade de Oxford, 61,8% das atividades de freelancer tiveram como empregadoras as empresas dos EUA e tiveram como empregados pessoas de países menos desenvolvidos, como Índia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas e Venezuela, que são uma mão de obra mais barata.
Além disso, os trabalhos em plataformas precisam se ajustar a cada nova lógica empregada. Por exemplo, pense em um criador de conteúdo nas recentes políticas do Instagram, que deixou de priorizar imagens para focar em vídeos. O criador de conteúdo precisa, então, se adaptar, deixando de postar fotos para postar vídeos.
Segundo Janine Berg, uma economista da OIT, também está havendo uma crescente perda da qualidade no trabalho ao redor do mundo. Aaron Benanav, autor do livro Automation and the Future of Work, também afirma que haverá um crescente intensificação de subempregos, com uma plataformização levada ao extremo. Seria, inclusive, impossível retirar o homem da cadeia de trabalho, uma vez que é preciso de humanos para poder trabalhar com as inteligências artificiais que estão regendo nosso dia a dia, sendo um exemplo, a “fazenda de cliques”.
Esse meio de trabalho vem crescendo porque as pessoas necessitam de uma renda de trabalho. Contudo, eles se veem frustrados diante de uma baixa remuneração e de trabalhos degradantes, como analisar imagens de conteúdo violento nas redes sociais. Por isso, é preciso um fomento de políticas públicas rumo a um trabalho decente em plataformas.
Cooperativismo de plataforma
Como visto na aula anterior, a plataformização do trabalho tem várias desvantagens para o trabalhador. Para contornar isso, muitos trabalhadores se unem para achar brechas e fissuras nos algoritmos e plataformas para construir táticas cotidianas no trabalho. Um exemplo disso são os motoristas de aplicativos que deixam seus carros indisponíveis momentaneamente para gerar o aumento da tarifa dinâmica.
Ademais, os trabalhadores vem continuamente criando organizações para tentar fortalecer a comunicação, debater e trocar experiências e mobilizar para fazer manifestações ou greves. Não só isso, mas também vêm se apropriando das lógicas das plataformas em prol deles mesmos, como é o caso do aplicativo WeClock, onde eles conseguem quantificar seu dia de trabalho, verificando se as plataformas estão pagando conforme o contratado. O aplicativo pode ser, inclusive, usado como defesa em processo judicial.
Eles criam possibilidades de construção de novas plataformas que sejam de sua propriedade, seja em cooperativista de plataforma ou outros arranjos de trabalho e desenho institucional. Chamamos essa união de trabalhadores com a organização cooperativista de cooperativismo de plataforma. Seria, por exemplo, uma associação de trabalhadores que criam seu próprio Uber, de modo a atender suas expectativas como trabalhadores. E isso não é só no ramo dos motoristas, já há plataformas voltadas para trabalhadores do ramo de fotografia, música, arte, trabalho doméstico, entre outros.
Eles tentam, através disso, melhorar suas condições de trabalho e promover políticas para problemas específicos, como integrar com sistema de saúde, entre outros. Apesar de não conseguirem competir com as grandes plataformas, é uma forma de tentar enfrentar esses grandes conglomerados e se tornarem referenciais para políticas públicas que construam iniciativas voltadas a um trabalho decente e que garantam o bem-estar. Normalmente, essas iniciativas atendem problemas mais locais, por isso, não solucionarão todos os problemas dos trabalhadores de plataforma de uma só vez.
Inclusive, às vezes, é muito mais interessante criar uma tecnologia relativamente simples e voltada para uma determinada comunidade e contexto específico. Sai dessa lógica incansável do capitalismo de criar empresas megalomaníacas que, muitas vezes, nada resolve.
Princípios do cooperativismo
Entrando mais nos aspectos do cooperativismo. Para uma plataforma se inspirar em aspectos e princípios do cooperativismo, não quer dizer que ela é cooperativista. Até porque há uma série de coletivos e outras formas de autogestão que podem criar também arranjos alternativos de conglomerados tecnológicos. É uma forma de ampliar a visão sobre cooperativismo de plataforma. Ou seja, abre-se um novo leque em que podemos encaixar alternativas que precisam ser observadas, já que são verdadeiros laboratórios da própria classe trabalhadora.
Os princípios gerais dessas iniciativas são:
- Autogestão, com governança democrática e que colocam os trabalhadores no centro das decisões.
- Trabalho decente, ou seja, com condições adequadas que proporcionem saúde e rede de segurança, garantindo equidade no trabalho.
- Cuidado coletivo, sendo a saúde física e mental dos trabalhadores uma responsabilidade coletiva.
Há também a possibilidade de articulação e cooperação entre iniciativas, trazendo novas soluções mais completas para mais pessoas. Sempre, essas iniciativas, se preocupam com a garantia do trabalho decente, impulsionando em prol de um bem comum.
Por fim, também é preciso compreender os aspectos tecnológicos que envolvem as cooperativas de plataforma. Eles tentam se utilizar o mínimo possível dos recursos das grandes empresas de tecnologia. Na realidade, eles criam tecnologias livres e abertas, que priorizam a privacidade e o trabalhador. Eles reveem o design da plataforma desde sua construção, através de princípios de design justice que priorizam os princípios e valores do cooperativismo de plataforma. A própria infraestrutura de dados não reproduz práticas extrativistas e colonialistas em relação aos dados, muito pelo contrário, priorizam uma governança comunitária.
Assim, é possível entender o papel do cooperativismo de plataforma para a criação de iniciativas que tentam romper com essas desigualdades presentes nas grandes plataformas.
Quer se aprofundar?
Se você curtiu o conteúdo deste módulo, aqui estão algumas sugestões para entender melhor o trabalho por plataformas e outros conceitos tratados no Módulo 3 do Curso Conectados e Ligados. Dá uma olhada:
- GIG – A Uberização do Trabalho (Trailer)
- NOVO CURSO! Ricardo Antunes: “O privilégio da servidão” | Aula 1
- Ricardo Antunes | O NOVO PROLETARIADO DA ERA DIGITAL | Curso: “O privilégio da servidão” | Aula 2
- Entenda a UBERIZAÇÃO do trabalho — mini-doc #1
- Covid-19 | “Uberização” do Trabalho
- Lançamento do Observatório do Cooperativismo de Plataforma
- Podcast Justificando #65 – Cooperativismo de Plataforma e o Futuro da Economia
- Señoritas Courier (Observatório do Cooperativismo de Plataforma)
- Trabalho Decente em Plataformas Cooperativas Parte 1 (Observatório do Cooperativismo de Plataforma)
- Painel Democracia Digital e Cooperativismo de Plataforma
E aí, curtiu? Então clique aqui para fazer o download do e-book e guardar esse material nos seus arquivos! Depois, não se esqueça de responder o quiz sobre o Módulo 6 do Conectados e Ligados.
Responda ao quiz
Por fim, responda às questões abaixo e verifique se você entendeu tudo sobre o trabalho por plataformas!
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Módulos anteriores do curso Conectados e Ligados
- O que é a internet
- Privacidade e proteção de dados pessoais
- Como se proteger na Internet
- Como não cair em desinformação na internet
- O que é cibercultura e net-ativismo