A Inconfidência Mineira tinha como objetivo a emancipação política da capitania de Minas Gerais. Muitos dos seus representantes faziam parte da elite mineira.
O que foi a Inconfidência Mineira
A Conjuração ou Inconfidência Mineira foi um movimento ocorrido em 1788. Seu objetivo era a emancipação política da capitania de Minas Gerais. Seus participantes desejavam romper os laços com Portugal e instalar uma república. No entanto, o movimento falhou porque foi delatado por um de seus participantes.
Contexto histórico
No fim do século XVIII, mudanças políticas importantes aconteceram por todo o mundo. Elas foram consequência da crise do absolutismo e do sistema colonialista. O modelo de governo monarquista autoritário não era mais tolerado pela população europeia nem pela população das colônias americanas.
Assim, movimentos emancipatórios foram se espalhando pelo continente. Os Estados Unidos se tornaram o primeiro país independente da América em 1776. Já em 1790, ocorreu a Revolução do Haiti, causando grande repercussão. O evento inspirou novos povos a libertarem-se do domínio das metrópoles.
Além disso, o Iluminismo estava propondo uma nova forma de pensar baseada na razão. Com isso, o movimento colocava em xeque a forma de poder exercida por monarquias absolutistas. O movimento deu impulso à Revolução Francesa em 1789. Mas, um ano antes, um projeto de poder de natureza republicana já era pensado no Brasil: a Inconfidência Mineira.
Antecedentes da Inconfidência Mineira
Se você já estudou a formação da sociedade mineradora, deve lembrar que Minas Gerais possuía uma elite de comerciantes, além de camadas médias formadas por profissionais liberais, clero e artistas. A ascensão econômica da região permitiu que os jovens da elite econômica fossem estudar na Europa, principalmente em Coimbra.
Lá eles entraram em contato com obras e discussões pautadas por pensadores iluministas. Ao voltarem para o Brasil, trouxeram com eles a insatisfação com monarcas absolutistas e ideais republicanos. Embora livros como “O contrato social”, de Jean-Jacques Rousseau, fossem proibidos, circulavam de forma clandestina pela colônia.
Ao longo do século XVIII, os adeptos dessas ideias se espalharam pela colônia e participaram de movimentos contra o domínio português. Um dos mais proeminentes foi a Inconfidência Mineira.
Causas
Quando ocorreu a Inconfidência Mineira, em fins do século XVIII, a mineração estava em declínio. O ouro se tornava cada vez mais raro, mas Portugal não diminuiu os impostos por isso. Outros impostos pesavam no bolso dos mineradores, como, por exemplo, o quinto real. Assim, um quinto da produção aurífera era destinada à metrópole.
Desde 1750, havia uma meta anual de 100 arrobas (aproximadamente 1470 kg) de ouro a serem pagos para a Coroa portuguesa. Como a cota não estava sendo cumprida, em 1765 o ministro Marquês de Pombal instituiu a derrama.
A derrama consistia na cobrança de todos os impostos atrasados de uma vez só. E não era apenas os mineradores que deveriam pagar: toda a população seria obrigada a contribuir para quitar as dívidas.
Obviamente, os mineradores eram contra tal cobrança, pois a derrama demostrava como a Coroa explorava a colônia por meio de medidas autoritárias e abusivas. O descontentamento era tão evidente que, nas duas tentativas de Portugal executar a derrama (1769 e 1772), os governantes locais descumpriram as ordens por medo de revoltas.
Esse cenário mudou em 1788, quando Visconde de Barbacena, então governador das Minas Gerais, anunciou suas intenções de impor a derrama. Ele estava inclinado a tomar essa decisão porque, naquele ano, a capitania já devia 538 arrobas de ouro para a Coroa.
Além disso, na região havia contratadores (pessoas encarregadas da coleta de impostos) que deviam a Portugal a soma de 2,5 bilhões de contos de réis. Se todos os impostos tivessem que ser pagos, muitos membros veriam suas fortunas sumir.
Assim, a ameaça de cobrança da derrama foi a principal causa da Conjuração ou Inconfidência Mineira. Foi o ponto máximo de descontentamento de uma elite que via que poderia ter mais autonomia se conseguisse desfazer os laços coloniais com Portugal.
Quem foram os participantes da Inconfidência Mineira
Os articuladores da Inconfidência foram, em sua maioria, homens ricos da elite mineradora, muitos deles contratadores que estavam endividados com a Coroa. Além disso, havia um grupo eclético, como advogados, médicos, militares, padres, poetas e naturalistas.
Entre a principais lideranças da revolta estavam os poetas Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Os três foram grandes representantes do Arcadismo no Brasil. Também merecem destaque o padre José da Silva Rolim, e o tenente-coronel Francisco de Paulo de Andrade, comandante do regimento de Dragões.
De acordo com as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Sterling, os membros da Inconfidência Mineira praticavam atividades e tinham interesses muito diferentes daqueles pretendidos pela Coroa:
“A maioria dos conjurados mineiros encontrava-se enredada de algum modo com o contrabando do ouro e dos diamantes, burlava o fisco e zombava da autoridade dos funcionários do governador”. ¹
Dessa maneira, esses homens começaram a conspirar contra a dominação de Portugal. Eles confiavam que teriam o apoio da população caso a derrama fosse executada, pois o povo também teria que arcar com os custos das dívidas cobradas pela Coroa.
Objetivos da Inconfidência Mineira
O principal objetivo dos conjurados era conseguir a independência de Portugal. Dessa forma, não teriam que arcar com os altos impostos e teriam autonomia econômica e política. Também poderiam diversificar as atividades econômicas sem sofrer nenhuma proibição.
No entanto, não havia um projeto de emancipação política para toda a colônia. Diferentemente do que é o Brasil hoje, no século XVIII não havia uma unidade nacional. Existiam diferentes núcleos populacionais que viviam dinâmicas próprias e não se viam como parte de um único todo.
Assim, a Inconfidência Mineira desejava a independência da capitania de Minas Gerais. A forma de governo defendida era a república, e a capital seria na cidade de São João Del Rei. O lema do movimento era Libertas quae sera tamen (“Liberdade ainda que tardia”), frase que aparece na bandeira da inconfidência.
Além disso, havia planos de construir em Vila Rica uma universidade, uma casa da moeda e fábricas manufatureiras. A instalação de manufaturas era proibida nessa época, com a exceção da fabricação de tecidos grosseiros de algodão, usados por escravos e pessoas pobres.
Nenhum desses planos foi escrito, pois assim não corriam o risco de criarem provas contra a conspiração. Caso algum conjurado fosse capturado, deveria negar a existência de qualquer movimento contrário à Coroa.
Como terminou a Inconfidência Mineira
Para obter a emancipação política, o plano dos conjurados era tomar o poder quando o visconde de Barbacena decretasse a derrama. Eles aproveitariam o descontentamento da população para prender e executar o governador.
Em seguida, seria instalada uma Junta Provisória presidida por Tomás Antônio Gonzaga, que seria o responsável por proclamar a independência.
No entanto, os planos foram por água abaixo. Isso ocorreu porque o visconde de Barbacena resolveu adiar a derrama, que estava prevista para fevereiro de 1789. Assim, os conjurados ficaram perdidos, sem saber que ação tomar.
Então, no início de março, o governador convocou apenas alguns devedores a pagarem as suas dívidas. Foi nesse momento que houve a traição que colocaria fim à Inconfidência Mineira.
Um dos participantes da conspiração, Joaquim Silvério dos Reis, entregou os planos e os nomes de seus companheiros em troca do perdão de suas dívidas. Em seguida, outros conjurados confirmaram as informações.
O destino dos conjurados
A resposta do governador foi ordenar a prisão de todos os envolvidos e comunicar o fato ao vice-rei, que ficava no Rio de Janeiro. Os homens foram acusados de crime de lesa-majestade (crime cometido contra a autoridade suprema de um Estado), cuja pena era a morte. Nem nomes de prestígio na região, como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, escaparam da acusação.
Eles foram presos, interrogados, e muitos foram enviados ao Rio de Janeiro. Lá permaneceram por 2 anos, tempo de duração do processo. O poeta Cláudio Manuel da Costa acabou morrendo na prisão. Embora as autoridades alegassem que ele havia cometido suicídio, a maior suspeita é de que tenha sido assassinado.
O fim do processo ocorreu em 1791, e 7 réus foram sentenciados ao exílio na África e outros 11 foram condenados à forca. Entretanto, se pedissem perdão formalmente à rainha Maria I, teriam o perdão real e a pena de todos seria transformada em exílio. 10 dos condenados pediram perdão e escaparam da forca.
Um único conjurado se recusou a pedir perdão e acabou sendo executado: Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes.
Tiradentes
Apesar de não estar entre as principais lideranças da Inconfidência Mineira, Tiradentes (1746-1792) foi um dos defensores mais entusiasmados e maiores propagandistas do movimento. Ele falava abertamente sobre seu descontentamento com o domínio de Portugal e buscava novos aliados para a causa.
Veja no trecho abaixo como Tiradentes foi peça importante na divulgação das ideias de independência:
“Muito do sucesso desse ativismo se devia à sua condição de extraordinária mobilidade: ele transitava pelos caminhos entre as Minas e o Rio de Janeiro e entre as variadas camadas em que se dividia a estrutura da sociedade mineira setecentista. Afinal, Tiradentes exerceu a atividade de tropeiro e, tempos depois, assumiu a posição de comandante do destacamento do Caminho Novo, que respondia pelo patrulhamento da serra da Mantiqueira, àquelas alturas infestada de quilombolas e quadrilhas de salteadores”.²
Além do fato de ser tropeiro, Tiradentes também se deslocava muito em função de outra atividade que exercia: a de dentista. Ele dominava a habilidade de pôr e tirar dentes, e receitava medicamentos com base em plantas medicinais.
Somando-se a tudo isso, Tiradentes ainda trabalhou como minerador, comerciante e foi alferes da cavalaria de Dragões Reais de Minas.
A defesa ferrenha de seus ideais durou até a sua morte. Como se negou a pedir perdão por seus feitos, Tiradentes foi falsamente identificado como principal líder do movimento e por isso foi condenado à morte.
Ele foi enforcado no Rio de Janeiro em 21 de abril de 1792. Seu corpo foi esquartejado, e as partes foram espalhadas pelo caminho da capital até as minas, com exceção da cabeça, que foi posta num mastro em Vila Rica.
Tiradentes como mártir da independência
Depois de sua morte, Tiradentes foi considerado herói por alguns, e falastrão por outros. A sociedade começou a associar a imagem de Tiradentes à de Jesus Cristo, mesmo que fosse admitido que ele havia tido papel secundário na Inconfidência Mineira. Ao mesmo tempo, a sociedade começou a comparar Joaquim Silvério dos Reis à Judas, um traidor.
No fim, Tiradentes acabou sendo visto como o herói da Inconfidência Mineira. Vários artistas retrataram-no de forma heroicizada. Um deles foi Pedro Américo (1843-1905), que pintou uma tela batizada de “Tiradentes esquartejado”. A comparação do mineiro com Cristo é evidente nessa obra.
Mas foi com a proclamação da república, em 1889, que Tiradentes foi elevado à posição de mártir da independência e a data de sua morte foi transformada em feriado nacional. O motivo para isso é que, com a derrubada da monarquia portuguesa, o novo governo almejava criar símbolos que desvinculassem a história do Brasil da de Portugal.
Como Tiradentes já havia travado uma batalha contra a Coroa ainda no século XVIII, sua transformação em herói foi conveniente para os republicanos.
Para não esquecer a história de Tiradentes, confira a paródia criada pelo professor Felipe:
Inconfidência ou conjuração?
Ao estudar as revoltas que aconteceram no Brasil colônia, você já deve ter lido tanto “Inconfidência Mineira” quanto “Conjuração Mineira”. Nenhuma das formas está errada, mas cada uma possui uma conotação bem diferente.
A palavra “inconfidência” significa falta de confiança, infidelidade. Esse era um termo utilizado pelos governantes e pela Coroa, pois consideravam que o movimento era uma traição para com Portugal. Já a palavra “conjuração” tem sentido de aliança de indivíduos em prol de um objetivo comum. Era assim que os participantes do movimento nomearam suas ações.
Com o tempo, o uso de “Inconfidência Mineira” prevaleceu sobre “Conjuração Mineira”. E esse foi o motivo da escolha dos termos para esse texto, por serem os mais difundidos.
No entanto, é preciso ressaltar que as palavras também têm viés histórico, e que, neste caso, a narrativa predominante acaba por utilizar as mesmas expressões daqueles que reprimiram movimentos emancipatórios.
Videoaula
Para finalizar, saiba mais sobre a Inconfidência Mineira com esta videoaula do professor Felipe:
Exercícios
1- (Mackenzie SP/2017)
A Inconfidência Mineira representou potencialmente uma das maiores ameaças de subversão da ordem colonial. O fato de ter ocorrido na área das Minas, área na qual a permanente vigilância e repressão sobre a população eram as tarefas maiores das autoridades públicas, indica um alto grau de consciência da capacidade de libertação da dominação metropolitana.
(Resende, Maria Eugênia Lage de. A Inconfidência Mineira. São Paulo: Global,1988)
De acordo com o texto acima assinale a assertiva correta.
a) A opulência da produção mineradora alcançou o seu apogeu na segunda metade do século XVIII, aumentando a ganância da metrópole portuguesa, que acreditava que os mineiros estivessem sonegando impostos e passou a usar de violência na cobrança dos mesmos.
b) O descontentamento dos colonos aumentava de acordo com o preço das mercadorias importadas, já que eram proibidas as manufaturas na Colônia. Além disso, os jornais que circulavam na região, alertavam a população sobre a corrupção nos altos cargos administrativos coloniais.
c) Sofrendo violenta opressão, a classe dominante mineira conscientizou-se das contradições entre os seus interesses e os da metrópole. Influenciada pelo pensamento iluminista e na iminência da cobrança da derrama em Vila Rica, em 1789, preparou uma insurreição.
d) Contando com adesão e apoio efetivo de diversas parcelas da população mineira, os insurgentes reivindicavam um governo republicano inspirado na ideias presentes na Constituição dos EUA, mas foram traídos por um dos participantes em troca do perdão de suas dívidas pessoais.
e) Mesmo sem ter ocorrido de fato, a Inconfidência Mineira, o apoio recebido da população revoltada e influenciada pelos ideais iluministas, demonstrou a maturidade do processo pela independência do país. Tal engajamento vai estar presente durante todas as lutas em prol da nossa emancipação.
2- (PUCCamp SP/2017)
Os enciclopedistas constituíram uma pequena elite de letrados e de técnicos, ligados à vida material como elementos de ponta do progresso econômico e também estreitamente vinculados ao aparato estatal, o qual se esforçaram por tornar melhor e mais racional. (…) Por toda a parte na Europa das Luzes, encontramos esta pretensão e esta vontade [dos filósofos] de pôr-se à testa e na direção da sociedade.
(VENTURI, Franco. Utopia e reforma no Iluminismo. Bauru: Edusc, 2003, p. 44, 239-240)
Um grande número de jovens da elite colonial brasileira frequentou a Faculdade de Direito de Coimbra, em Portugal. Essa elite, influenciada pelos ideais da pequena elite a que o texto de Franco Venturini se refere, contribuiu para a
a) Revolta de Beckman em 1684.
b) Guerra dos Mascates em 1710.
c) Revolta de Felipe dos Santos em 1720.
d) Insurreição Guaranítica em 1750.
e) Inconfidência Mineira em 1789.
3- (IFBA/2018)
Nos anos finais do século XVIII, uma série de medidas tomadas por Portugal tensionou as relações políticas entre alguns setores da população da colônia, proporcionando condições para algumas manifestações de insatisfação, tal qual a Inconfidência Mineira. A respeito desse movimento, assinale a afirmativa correta.
a) Movimento de ruptura com a metrópole que intencionava romper com a escravidão e proclamar a independência de todo o território brasileiro de Portugal.
b) Movimento de ruptura com a metrópole deflagrado, especialmente, por uma elite ilustrada que rejeitava o aumento dos impostos e a espoliação do fisco colonial.
c) Movimento de ruptura com a metrópole que pretendia romper os laços comerciais com Portugal, exigindo o livre comércio e a abertura dos portos às nações amigas.
d) Um levante bem-sucedido por meio do qual as classes mais baixas implantaram a república durante alguns anos, até quando foram vencidos pelos portugueses.
e) Um levante mal sucedido que ocasionou no enforcamento de vários inconfidentes, entre eles Tiradentes, que foi exemplificado por ser a principal liderança do movimento.
GABARITO:
1) Gab: C
2) Gab: E
3) Gab: B
Referências
¹ SCHWARCZ, Lilia; STERLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
² SCHWARCZ, Lilia; STERLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.