Ciclo do ouro: o que foi, características e consequências

O ciclo do ouro ocorreu no século XVIII, período em que a atividade econômica mais lucrativa do Brasil era a mineração realizada em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

O ciclo do ouro foi o período em que a atividade econômica mais lucrativa do Brasil colonial era a mineração. Iniciou com a descoberta do ouro, no início do século XVIII, e terminou no fim do século, com o esgotamento das minas. Portanto, durou pouco menos de 100 anos.

O que foi o ciclo do ouro

A principal região mineradora ficava no atual estado de Minas Gerais, mas os estados de Goiás e Mato Grosso também possuíam campos auríferos importantes.

O ciclo do ouro gerou uma intensa migração interna para essas regiões. Além disso, estrangeiros, principalmente portugueses, vieram para a colônia para tentar enriquecer

O contexto de Portugal no início do ciclo do ouro

No final do século XVII, a situação financeira de Portugal não era das melhores. O fim da União Ibérica em 1640 não ocorreu sem longos e custosos confrontos contra a Espanha.

Também foi durante a União Ibérica que os portugueses perderam posses de terras na África, onde comercializavam produtos e traficavam pessoas.

Ciclo do ouro
“Extração do ouro”. Pintura de Johann Muritz Rugendas (1835) retratando a mineração em Minas Gerais.

Além disso, a invasão holandesa no Brasil gerou altos custos para Portugal. Os holandeses só deixaram o território do Nordeste após vários conflitos e sob a condição do receberem indenização de Portugal.

Embora tenham recuperado as capitanias açucareiras, os portugueses passaram a enfrentar a concorrência do açúcar produzido nas colônias holandesas, inglesas e francesas no Caribe.

Os holandeses já eram há bastante tempo os principais distribuidores do produto na Europa. Como passaram a ter sua própria produção, começaram a priorizá-la em detrimento do açúcar brasileiro.

Portanto, endividada e perdendo espaço no mercado de açúcar, a Coroa portuguesa começou a buscar outras fontes de riqueza. Surgiu a riqueza mineral, explorada com mão de obra escrava.

A Escravidão no Ciclo do Ouro

Confira agora com o professor Dudu Volpato, do Curso Enem Gratuito, como a Escravidão foi a base da mão de obra no Ciclo da Mineração.

Descoberta de jazidas e início do ciclo do ouro

Desde as primeiras viagens para a América que os portugueses sonhavam com a descoberta de minas de ouro. Esse desejo só se concretizaria com descobertas feitas por bandeirantes a partir de 1693.

Como estavam acostumados a fazer expedições pelo interior da colônia para escravizar indígenas, foram os bandeirantes que primeiro encontraram ouro na região que passaria a ser chamada de Minas Gerais.

A expedição liderada por Antônio Rodrigues Arzão encontrou ouro em Caeté, enquanto Bartolomeu Bueno de Siqueira encontrou em Pitangui. Mais tarde também seriam encontradas jazidas nos atuais estados de Goiás, Mato Grosso e Bahia.

Mas as jazidas que se tornariam as mais importantes para o ciclo do ouro foram encontradas pelas bandeiras lideradas por Borba Gato. Em 1695, a expedição encontrou ouro no sertão do rio das Velhas. Ali seria formado um centro urbano chamado Vila Rica, onde hoje fica a cidade mineira de Ouro Preto.

Borba Gato
Estátua construída em homenagem a Borba Gato em São Paulo.

Corrida do ouro

Assim que a notícia da descoberta de ouro começou a se espalhar pela colônia, pessoas de todos os lugares começaram a abandonar a vida que levavam até então para tentar a sorte nas minas. Foi a maior migração de homens brancos e livres dentro da colônia.

Apesar disso, não eram só os brancos que migravam para lá. Para Minas Gerais iam negros, indígenas, mestiços, homens, mulheres, religiosos, ricos, pobres, portugueses e brasileiros. Todos queriam ter a chance de enriquecer.

Para você ter uma ideia, cerca de 4 mil portugueses chegavam no Brasil todos os anos para ir em direção às minas. A migração era tamanha que as autoridades portuguesas ficaram preocupadas.

Por isso foi criada uma lei em 1720 que proibia que portugueses embarcassem para a colônia. A exceção era para quem viesse ocupar um cargo público. Dessa forma, a migração foi freada, mesmo que houvesse aqueles que burlavam a lei.

Além disso, muitos donos de engenho viram no ouro uma oportunidade melhor do que no açúcar – que andava com o preço bastante valorizado. Assim, reuniam os seus escravos e partiam para Minas Gerais.

Vila Rica - Ciclo do ouro
Aquarela feita pelo alemão Thomas Ender representando Vila Rica em 1817. Fonte: https://bit.ly/30gzlEr 

Mas não era só fazendeiros que decidiam partir: muitos escravos fugiam para as minas. Por isso houve muitos casos de engenhos que foram desativados por falta de mão de obra. Como consequência, várias regiões do litoral brasileiro sofreram com o despovoamento.

Entretanto, as jornadas nem sempre eram bem-sucedidas. O caminho para quem saía do Nordeste ou de São Paulo era longo e ficava em meio à mata fechada. Muitos morriam de fome ou em confrontos com indígenas que protegiam suas terras.

Guerra dos Emboabas

Quem não ficou feliz com toda essa migração foram os bandeirantes. Como haviam chegado ali antes de todos, consideravam que eram os donos das terras. Por isso reivindicavam o monopólio da mineração na região. No entanto, o pedido não foi concedido pela Coroa.

Os imigrantes vindos de Portugal e de outras partes da colônia eram chamados pelos bandeirantes de emboabas. A palavra deriva de buaba, que em tupi significa ‘ave de patas emplumadas’. Os estrangeiros receberam essa alcunha porque usavam botas de canos longos e, por isso, foram associados às aves.

Paulistas e emboabas nunca tiveram uma convivência pacífica. Os atritos foram aumentando até que, em 1707, estourou um conflito armado que ficou conhecido como Guerra dos Emboabas. O conflito resultou em muitas mortes e terminou em 1709 com a derrota dos paulistas. Além de perderem a batalha, foram expulsos da região do rio das Velhas e do rio das Mortes, onde o conflito havia ocorrido.

Veja a Guerra dos Emboabas nas Revoltas Coloniais

Até aquele momento, a região das minas ainda pertencia à capitania de São Vicente ou do Rio de Janeiro. No fim da Guerra dos Emboabas, o território estava tão povoado que foram criadas as capitanias de Minas do Ouro e São Paulo, separando a região das capitanias anteriores.

Alguns anos mais tarde, a Coroa percebeu que não tinha feito um bom negócio ao afastar os bandeirantes paulistas. Isso porque eles é que tinham experiência em explorar o território e em encontrar novas jazidas. Portanto, foram formalmente perdoados em 1717.

Dessa forma, tiveram que dividir a exploração do ouro com os emboabas. Assim que o ouro de um local se esgotava, partiam em busca de um novo. Foi dessa forma que descobriram o ouro da região de Goiás e do Mato Grosso.

Funcionamento e regulamentação da mineração

Depois de tanto tempo querendo enriquecer com o ouro da América, era de se esperar que Portugal estabelecesse duras regras sobre a mineração. Foram criados vários órgãos e impostos para assegurar que a metrópole ficasse com as riquezas exploradas nas minas. Em seguida, veja como era organizado o processo de mineração.

Intendência das Minas

Logo em 1702, foi criada a Intendência das Minas. Sua função era regular a concessão de terras destinadas à mineração, as relações entre mineradores e a cobrança dos impostos (quinto real e capitação). A Coroa portuguesa tinha tanta preocupação com o ouro que as Intendências eram subordinadas diretamente à metrópole, e não às autoridades coloniais.

Datas e lavras

Se alguém encontrasse novas jazidas de ouro, teria que ir imediatamente até uma Intendência e comunicar a descoberta aos funcionários. Em seguida, os intendentes deveriam reconhecer o local e fazer a sua divisão.

Cada uma dessas áreas de mineração era chamada de lavra e era dividia em lotes.  Esses lotes eram chamados de datas e poderiam ter no máximo 66 metros quadrados. Enquanto o descobridor da jazida ficava com duas datas, a Coroa e o chefe da Intendência tinham direito a uma data cada um.

As datas que sobravam eram vendidas em leilões. Mas não era qualquer um que poderia comprá-las. Para participar do leilão era necessário possuir pelo menos 12 escravos. Nesses casos, o ouro era explorado em grande escala e com aparelhamento para sua lavagem.

Faiscadores

Também existiam locais fora das datas que eram franqueadas a todos. Geralmente eram áreas exploradas que já haviam sido abandonadas. O ouro encontrado nesses locais era explorado pelos chamados faiscadores. Eram homens pobres que trabalhavam por conta própria e utilizavam ferramentas mais simples para lavar o ouro, como a bateia.

Muitos faiscadores eram escravos que possuíam uma cota de ouro para encontrar. Caso conseguissem uma quantidade maior do que a cota, poderiam guardar até acumular o suficiente para comprar a sua liberdade.

Casas de fundição

Criadas mais tarde, em 1719, as Casas de Fundição eram responsáveis por recolher e fundir o ouro em barras, que eram gravadas com o timbre da Coroa em alto relevo e numeração para controle fiscal. Nesse processo já era retirado o quinto, parte do ouro que era destinado à Coroa.

Barra de ouro
Barra de ouro com o selo real.

Na capitania de Minas Gerais era permitido comercializar ouro em pó, pois muitos mineradores não tinham o suficiente para transformar em barra. No entanto, fora da capitania só era permitido comercializar ouro em barra. Dessa forma, todo o ouro que saía de Minas Gerais deveria, em tese, passar por uma Casa de Fundição.

O quinto e a capitação

Entre todos os tributos criados pela Coroa portuguesa, se destacavam o quinto real e a capitação. O quinto determinava que 20% de todo o ouro minerado na colônia pertencia ao rei. Já a capitação era um imposto que os donos de escravos tinham que pagar sobre cada um dos cativos. Aqueles que não possuíam escravos deveriam pagar o tributo sobre si mesmos.

Os altos impostos e a administração portuguesa causaram uma série de revoltas na região. Um exemplo delas foi a Revolta de Vila Rica em 1720, que terminou com a morte de um de seus líderes, Filipe dos Santos. Além disso, várias pessoas burlavam o sistema de fiscalização e mentiam sobre a quantidade de ouro encontrada.

Parte do ouro era contrabandeada de diversas formas. Ouro em pó era transportado dentro de estátuas de santos, por exemplo. Daí que surgiram os famosos santos do pau oco. Algumas pessoas chegavam a engolir ouro para levá-lo para fora de Minas Gerais.

Santo do pau oco
Estatueta de santa com o fundo falso. Um exemplar dos famosos “santos do pau oco”.

Contratadores

Uma forma encontrada pelo governo de estimular os negócios ao mesmo tempo em que assegurava a arrecadação de tributos foi a criação da figura dos contratadores. Geralmente, os contratadores eram grandes comerciantes que realizavam algo similar ao que hoje chamamos de comércio atacadista.

Eles participavam de leilões em que ocorria a transferência do direito de cobrar impostos sobre determinado produto, comércio ou alfândega de um porto. Assim, os contratadores pagavam um valor fixo anual para a Coroa. Se eles arrecadassem mais do tinham pagado, poderiam ficar com o lucro. Caso arrecadassem menos, teriam que arcar com o prejuízo.

Rota do ouro

Os caminhos pelos quais o ouro era transportado até os portos é um fator muito importante no estudo do ciclo do ouro. Na época em que as primeiras jazidas foram descobertas, só existiam dois caminhos que ligavam Minas Gerais ao litoral.

O primeiro saía de São Paulo e era conhecido como Caminho Velho das Gerais. O segundo saía de Parati, e se encontrava com o primeiro na Serra da Mantiqueira. Portanto, quem quisesse sair do Rio de Janeiro em direção às minas, antes precisava ir de barco até Parati.

Esses caminhos eram bastante difíceis e os viajantes levavam, em média, 2 meses para percorrê-lo. Por causa disso, mais tarde foi construída uma terceira rota que ligava a cidade do Rio de Janeiro diretamente a Minas Gerais. Ela ficou conhecida como Caminho Novo das Gerais.

Mapa rotas do ciclo do ouro

Como essas eram as principais rotas de escoamento da mineração, a Coroa contava com o fato de que qualquer contrabando teria que passar por elas. Assim, criaram os chamados registros, que funcionavam como postos de fiscalização. Nesses locais, agentes verificavam se o ouro dos viajantes havia sido tributado.

Mas, a população encontrava maneiras de burlar a fiscalização dos registros. O romance “O retrato do rei”, da escritora Ana Miranda, aborda algumas dessas práticas:

“Os viajantes costumavam levar pó de ouro dentro de minúsculos compartimentos. Todavia, as barras fundidas clandestinamente passavam por atalhos no mato e por canoas de moradores ribeirinhos. Os descaminhadores mandavam um homem de confiança sair da trilha a duzentas braças [cerca de 500 metros] antes do registro com grande quantidade de ouro retirada dos alforjes, para retornar duzentas braças depois; o sujeito cruzava a mata a pé, ladeando a trilha, e então ganhava uma maquia [gorjeta] do chefe da tropa”.

MIRANDA, Ana. O retrato do rei. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 85.

Consequências do ciclo do ouro

O desenvolvimento da atividade mineradora alterou vários aspectos econômicos, políticos e sociais da colônia. A atividade açucareira não foi substituída pela mineração, mas durante o século XVIII, o ouro é que se tornou a principal fonte de riqueza de Portugal.

Interiorização do Brasil

Com a grande migração para a região das minas, a ocupação do interior tomou fôlego. Houve o impulso na criação de gado no Nordeste, que era utilizado como transporte e alimentação. Além disso, impulsionou a mesma atividade no Sul do Brasil e motivou o surgimento do tropeirismo. Dessa forma, houve a articulação entre várias partes da colônia, que aumentaram cada vez mais a sua comunicação.

Urbanização e concentração de riquezas

O ciclo do ouro também promoveu o nascimento de várias vilas e cidades movidas pela extração de ouro e diamantes. Com isso, surgiram novas atividades econômicas e camadas médias urbanas. Assim, a sociedade mineradora possuía suas particularidades e alguma mobilidade social.

No entanto, quem mais se beneficiou com o ciclo do ouro foram as elites urbanas. A riqueza da mineração não foi distribuída igualmente entre a população. Ao contrário: houve intensa concentração de riquezas. Para você ter dimensão, de acordo com o historiador Angelo Alves Carrara, em 1710 apenas 5 pessoas ficaram com 47,65% de todo o ouro garimpado na região do rio das Mortes.

Mudança do centro econômico da colônia

No plano político, podemos entender a importância adquirida pela mineração pela mudança de sede da colônia. Em 1762, o Marquês de Pombal, que era o primeiro ministro português, transferiu a sede de Salvador para o Rio de Janeiro.

Isso porque a cidade estava interligada à atividade mineradora e o polo econômico colonial havia passado do Nordeste para o Sudeste. Ao mesmo tempo, as minas demandavam um número muito alto de escravos. Logo a capitania de Minas Gerais se tornou o destino da maior parte dos escravos que chegavam na colônia. Assim, o Rio de Janeiro também se tornou um importante ponto do tráfico negreiro.

Apesar disso, o minério acabou muito antes do que o esperado. Isso ocorreu porque o ouro era de aluvião, um tipo que é de fácil extração por ficar nos leitos dos rios, mas que se esgota rapidamente. Se na metade do século XVIII o ciclo do ouro viu o seu auge, no início do XIX já estava em decadência.

Videoaula sobre o ciclo do ouro

Para entender melhor o ciclo do ouro no Brasil, assista à videoaula a seguir, com o professor Felipe!

Exercícios sobre ciclo do ouro

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Sobre o(a) autor(a):

Ana Cristina Peron é formada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestranda em História na mesma universidade. Também é redatora do Curso Enem Gratuito e do Blog do Enem.

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