Na Grécia antiga um filósofo questionou os fundamentos do regime e foi condenado à morte. Acabou tomando o veneno cicuta. Fique por dentro das discussões políticas e conteúdos do Enem nesse post sobre a vida e a obra de Sócrates.
A história de Sócrates, personagem icônica dos diálogos platônicos, é heroica e fatalmente trágica. Nesta aula, veremos a trajetória do filósofo e quais foram as ideias e ações que resultaram no famoso julgamento de Sócrates.
Sócrates era um filósofo que viveu na cidade de Atenas por volta do século V a. C. Embora não tenha escrito nada, há diversas histórias sobre suas aventuras na ágora atenienses.
Para entender sua morte, isto é, a razão por trás de seu sacrifício, temos que analisar o que Sócrates defendia e com quem ele brigava. Comecemos, então, pela ideia acerca da concepção da filosofia e seus amantes.
Amar a sabedoria
Na visão socrática é dever do filósofo opor-se ao misticismo, pois ele obscurece o conhecimento. O misticismo lança suas sombras sobre o mundo e impede as pessoas de desvendarem os mistérios do cosmo.
Em outras palavras, filósofo é aquele que se opõe ao mito, buscando de maneira aguerrida a verdade para libertar o mundo das correntes da tirania e do misticismo.
Sócrates levava bem a sério essa “parada” de se opor ao mito. Ele passava seus dias torrando a paciência da galera que achava saber das coisas, mas que na visão socrática era apenas iludida.
Ora, diferente de quem posta “hashtag” nas redes sociais como forma de manifestação política, Sócrates era um cara da ação.
A Filosofia de Sócrates
Confira com o professor de filosofia Marciel Evangelista Cataneo, do canal do Curso Enem Gratuito, quais são os fundamentos do pensamento de Sócrates.
Sócrates era um pensamento em ação. Ele ia para a rua, ocupava os espaços públicos e debatia com seus opositores. Combatia os discursos falaciosos ao enfrentar os supostos messias, pessoas que diziam deter o conhecimento, mas tudo que possuíam era um discurso frágil de apelo popular.
Conhecimento x opinião
É justamente na ideia de deter o conhecimento que Sócrates fazia sua maçante filosofia. Segundo o filósofo, é descabido pensar que algo possa ser conhecido de maneira absoluta. Logo, tudo aquilo que constituísse uma definição absoluta das coisas era uma doxa, ou seja, uma reles opinião acerca de algo.
Vamos deliberar aqui, então, que quando você não tem certeza absoluta de algo, chamaremos isso de doxa. Isto é, uma visão de mundo sua que mais parece uma crença do que uma teoria, pois não possui uma comprovação ou uma investigação séria acerca do assunto.
Por exemplo: achar que a Terra é plana, que vacinas fazem mal, que aquecimento global é mentira por que hoje está frio ou até que mesmo acreditar que são os ricos que geram a riqueza. Tudo ilustra o quão absurdo um discurso construído a partir de uma doxa pode ser.
Antagonizando tudo isso existe o verdadeiro conhecimento chamado de episteme. Vale ressaltar que o termo aqui difere em significado daquele empregado por Aristóteles. Então, fique atento, a episteme socrática é uma definição absoluta de algo.
Sendo assim, para Sócrates, chegar a definição absoluta das coisas é uma “parada” importante, pois livra os discursos das ambiguidades deixando mais fácil o entendimento do que está sendo discutido.
Do contrário ficaríamos naquela situação “tosca” em que uma das pessoas acha que está discutindo o assunto em questão, mas está falando uma “parada” completamente aleatória. Aposto que já fizeram isso com você!
O Julgamento de Sócrates
Veja agora com o professor Ernani Júnior da Silva, do Curso Enem Gratuito, como foi o julgamento e a condenação à morte do filósofo Sócrates:
A condenação da democracia
Nessa jornada em busca da episteme, Sócrates acabou irritando bastante gente, principalmente por conta das “tretas” que acabaram por envolver a organização política da pólis.
Se liga no contexto da coisa: Sócrates vivia em Atenas, local onde se teve origem o regime político denominado democracia.
Nesse regime, após a chamada era de ouro ateniense – na qual destaco Péricles, figura importante e maior ícone da época –, começou a decadência da democracia e de suas instituições. É justamente nesse declínio que viveu Sócrates, na crise da democracia grega.
Sócrates e os Sofistas – Veja um duelo entre duas linhas de pensamento
Bom, como era de costume nas manhãs atenienses, o sol brilhava no céu, o vento soprava e Sócrates discutia com os sofistas. Sócrates costumeiramente discutia com os sofistas por conta das divergências de ambos. Confira no resumo do professor de filosofia Alan Ghedini:
As metáforas de Sócrates:
Em um desses debates, entre ele e o sofista Glauco, Sócrates usa uma metáfora sobre um navio, indagando sobre quem seria a pessoa ideal para guiar a embarcação. Seria um sujeito admirado pela tribulação, queridinho dos tripulantes, ou alguém versado nas artes marítimas, sujeito estudado e conhecedor de embarcações?
A metáfora deixa evidente a visão antidemocrática de Sócrates, uma vez que os cidadãos atenienses acabam sempre optando por algum sujeito carismático para guiar sua nação em vez de escolher alguém realmente preparado e versado nos estudos políticos.
O voto na visão de Sócrates
A fim de resolver esse problema, Sócrates começou a defender publicamente que o voto é algo que deve ser ensinado. Ou seja, não podemos dar a qualquer pessoa o direito de escolha pois não é qualquer pessoa que está apta a escolher.
Esta visão, embora considerada elitista em algumas panelinhas de filósofos posteriores, foi adotada em certa medida por importantes filósofos da época, como Platão e Aristóteles. Mas vale ressaltar que as histórias que sabemos a respeito de Sócrates foram, em grande parte, narradas pelo próprio Platão.
A proposta socrática, que implicava em um acompanhamento educacional na qual o votante seria versado nas artes da Filosofia para aprender a votar. Com base nessa premissa, é fácil concluir que ela se aproxima bastante daquela proposta por Platão sobre o rei filósofo, narrada na obra “A República”.
Ao defender que o direito ao voto precisaria ser conquistado após muito se estudar filosofia, Sócrates estava desafiando abertamente o poder vigente em Atenas. Concomitante a isso, como bom filósofo que era, Sócrates fazia, como mencionado, oposição ao mito.
O final da vida de Sócrates
Ao opor-se ao mito, o filósofo ateniense consequentemente acabava se opondo ao panteão grego, isto é, ele negava os deuses e deusas que o estado tinha como verdadeiros.
Imagina só, um sujeito que estava ficando bastante popular ao fazer oposição aos sofistas – que, diga-se de passagem, eram professores dos ricos – em debates públicos. Sujeito esse que era contrário às explicações fantasiosas que a religião e o Estado forneciam ao povo. Inclusive, opunha-se ao regime democrático de Atenas.
E para deixar a lenda mais legal ainda, além disso tudo, Sócrates dizia que a única coisa que ele sabia era que não sabia de nada! Gente, como não amar essa fofura de filósofo?
Como era de se esperar, toda essa irreverência e rebeldia de Sócrates teve um preço. O filósofo incomodou bastante gente poderosa, uma vez que o povo passou a se questionar acerca do mundo e de como as coisas são da maneira que são.
Aí já sabe: um povo crítico e esclarecido é algo que o governo definitivamente não quer! Para os poderosos é preferível que o povo se porte feito gado enquanto são conduzidos para o abatedouro e não como filósofos questionadores do status quo.
Por conta de toda essa parada, Sócrates de Atenas, considerado a pessoa mais sábia da Grécia, foi acusado de corromper a juventude com sua filosofia, bem como, de negar os deuses e até criar novos. Tais acusações foram levadas ao tribunal, no qual se deu o julgamento de Sócrates.
A argumentação no julgamento
No tribunal, constituído por 501 cidadãos, os acusadores Ânito, Meleto e Lícon, difamavam Sócrates em frente os cidadãos. Ânito, que era um político influente da democracia ateniense – e também rico, curtidor de peles e influente orador –, dizia que seu filho se tornou discípulo de Sócrates, que ria dos deuses e se voltava contra o Estado.
Na obra “Apologia a Sócrates”, é relatado que Sócrates refutou as acusações que pendiam sobre ele. Disse que sua ocupação era justamente mostrar aos cidadãos que a verdadeira virtude não vinha da riqueza, tampouco dos bens materiais.
Nas palavras de Platão, Sócrates teria dito em julgamento:
“Não tenho outra ocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas almas, e a vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida pública quer na vida privada. Se, dizendo isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior; mas, se alguém afirmar que digo outra coisa, mente”.
Daí julgamento vai, julgamento vem, e Sócrates vai “trolando” geral, lacrando os acusadores que, por vezes, acabavam por não saber ao certo do que estavam acusando Sócrates. Quando foi dado um veredito, em uma votação de margem apertada, o destino de Sócrates não poderia ser outro que não de culpado.
A Condenação de Sócrates
O julgamento de Sócrates terminou com o acusador Meleto pediu a pena de morte. Entretanto, como a margem tinha sido apertada e Sócrates tinha muita moral em Atenas – afinal de contas, o cara lutara bravamente na guerra por sua cidade e por seu povo – a pena poderia ser convertida em outra coisa, geralmente algo financeiro. Era só pagar uns trocados que ele poderia sair dali.
Todavia, aceitar uma pena qualquer que fosse, era, para Sócrates, aceitar ser culpado. Então, o filósofo acabou por argumentar com seus algozes e escolheu a morte. Juntando seus camaradas, decidiu por beber cicuta (veneno) e selar seu destino. Assim se foi Sócrates.
Por fim, sua morte deixaria em evidência como ele estava correto em sua crítica a democracia, pois, por uma votação, Sócrates foi injustiçado. E a injustiça do julgamento de Sócrates foi cometida por cidadãos de bem que foram levados ao caminho errado pelos discursos dos poderosos que visavam interesses próprios, diferente de Sócrates, que permaneceu correto até o fim, um pináculo da virtude.
Exercícios sobre o julgamento de Sócrates:
1- (Fac. Cultura Inglesa SP)
Sócrates foi julgado e condenado à morte pelo tribunal da cidade de Atenas por volta do ano de 399 a.C. O filósofo fez a sua defesa no tribunal ateniense, procurando refutar seus acusadores:
Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um, dizendo-lhe, como é meu costume: – Ótimo homem, tu que és cidadão de Atenas, da cidade maior e mais famosa pelo saber e pelo poder, não te envergonhas de fazer caso das riquezas, para guardares quanto mais puderes e da glória e das honrarias, e de não fazer caso da sabedoria, da verdade e da alma?
(Platão. Apologia de Sócrates, 1969. Adaptado.)
O sentido que Sócrates dava à razão pode ser relacionado, no aspecto político, com a implantação, em Atenas, da
a) Oligarquia.
b) Teocracia.
c) Tirania.
d) Democracia.
e) Talassocracia.
2- (UEG GO)
A Grécia foi o berço da filosofia, destacando-se pela presença dos filósofos que pensaram o mundo em que viveram utilizando a ferramenta da razão. O período da história grega e o filósofo que afirmou que “só sei que nada sei” foram respectivamente o
a) período pós-clássico e Sócrates.
b) período helenístico e Platão.
c) período clássico e Sócrates.
d) período clássico e Platão.
3- (UEG GO)
No século V a.C., Atenas vivia o auge de sua democracia. Nesse mesmo período, os teatros estavam lotados, afinal, as tragédias chamavam cada vez mais a atenção. Outro aspecto importante da civilização grega da época eram os discursos proferidos na ágora. Para obter a aprovação da maioria, esses pronunciamentos deveriam conter argumentos sólidos e persuasivos. Nesse caso, alguns cidadãos procuravam aperfeiçoar sua habilidade de discursar. Isso favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos que dominavam a arte da oratória. Esses filósofos vinham de diferentes cidades e ensinavam sua arte em troca de pagamento. Eles foram duramente criticados por Sócrates e são conhecidos como
a) maniqueistas.
b) hedonistas.
c) epicuristas.
d) sofistas.
4- (UDESC SC)
Os gregos da antiguidade clássica desenvolveram métodos de explicação do mundo, observando o que acontecia à sua volta, para depois buscar explicações racionais e lógicas para o que haviam percebido. Esse método recebeu o nome de filosofia.
Sobre esse assunto, assinale a alternativa incorreta.
a) Na fase socrática, os filósofos passaram a se preocupar também com os problemas relacionados com o indivíduo e com a organização da humanidade.
b) O surgimento da filosofia fez nascer uma das grandes criações do pensamento humano, base das ciências modernas.
c) A preocupação dos primeiros filósofos era principalmente com a origem do mundo e da natureza.
d) A obra mais famosa de Sócrates, A República, defende uma forma de governo para a sociedade; para o filósofo, governar deveria visar ao bem comum e não aos interesses particulares.
e) No final do século V a.C., com o desenvolvimento da democracia ateniense, a filosofia grega inicia uma segunda fase, conhecida como socrática, cujo principal filósofo foi Sócrates.
Gabarito
- D
- C
- D
- D