Níveis de linguagem: questões do Enem resolvidas

Confira a resolução de questões do Enem sobre níveis da linguagem! São 3 questões de diferentes níveis e uma videoaula para você acabar com suas dúvidas!

Todos os dias nós nos comunicamos de diferentes formas. Muito comumente, utilizamos a linguagem verbal através de conversas ou mesmo através da escrita. Entretanto, você já reparou que, dependo de com quem você está conversando ou em que local está acontecendo determinada conversa, você se utiliza de diferentes níveis de linguagem?

Por exemplo: se você está batendo um papo com seus colegas da escola no recreio, é provável que essa conversa esteja acontecendo de um jeito descontraído e que, às vezes, vocês até utilizem palavras e expressões que só fazem sentido pra vocês.

Agora, se você vai escrever uma redação para uma prova como o Enem, é bem provável que você não utilize esse mesmo nível de linguagem. Afinal, esse tipo de comunicação exige uma maior formalidade.

Essa alternância de níveis de linguagem que utilizamos em nosso cotidiano é um ponto importante a ser explorado nas questões de Linguagens do Enem. Saber reconhecer os níveis de linguagem e seus usos sociais é uma das habilidades dentro da Competência 8 da Matriz de Referência do Enem. Veja:

“H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.

H26 – Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.

H27 – Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.”

BRASIL, Ministério da Educação. Matriz de Referência ENEM. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

Sendo assim, é essencial que você se familiarize com essas variações da Língua Portuguesa. Por isso, nesta aula da série “Interpretação de texto para o Enem”, você vai aprender a reconhecer com a professora Mercedes os diferentes níveis de linguagens. Depois, ela vai resolver três questões do Enem que abordaram esse assunto nos últimos anos. Bora revisar?

Níveis de linguagem

Como dito acima, nesta aula, iremos trabalhar com questões que vão testar a capacidade de o candidato perceber os níveis de linguagem nos textos. O Enem em todas as suas edições traz questões que desafiam o estudante a perceber as condições de produção de determinado texto. Sendo assim, observe no quadro abaixo um pequeno resumo sobre os diferentes níveis de linguagem:

Resumo de níveis de linguagem

Questões sobre níveis de linguagem

Antes de partir para a resolução das questões, confira a videoaula no nosso canal para relembrar deste conteúdo:

Questão de nível fácil

(Enem – 2012)

eu gostava muito de passeá… saí com as minhas colegas… brincá na porta di casa di vôlei… andá de patins… bicicleta… quando eu levava um tombo ou outro… eu era a::… a palhaça da turma… ((risos))… eu acho que foi uma das fases mais… assim… gostosas da minha vida foi… essa fase de quinze… dos meus treze aos dezessete anos…

A.P.S., sexo feminino, 38 anos, nível de ensino fundamental. Projeto Fala Goiana, UFG, 2010 (inédito).

Um aspecto da composição estrutural que caracteriza o relato pessoal de A.P.S. como modalidade falada da língua é

a) predomínio de linguagem informal entrecortada por pausas.

b) vocabulário regional desconhecido em outras variedades do português.

c) realização do plural conforme as regras da tradição gramatical.

d) ausência de elementos promotores de coesão entre os eventos narrados.

e)presença de frases incompreensíveis a um leitor iniciante.

Comentários

Como você pode observar, o comando da questão deixa claro que o texto é da modalidade falada da língua. Assim, cabe ao candidato localizar a característica típica dessa modalidade. Vejamos:

a) “entrecortada por pausas”: “de cara” você percebe o exagero de reticências e pausas. Além do uso de reticências indicar pausa em raciocínio – típico da linguagem informal –, há o fato do exagero desse recurso. Esse uso exagerado traz mais informalidade ainda, criando um efeito de fala entrecortada. Sem dúvida essa alternativa é a correta. Mas, você vai ler as outras e confrontar para ter certeza, não é mesmo? Então, vamos lá!

b) “vocabulário regional desconhecido”: não há nenhuma palavra desconhecida e nem regionalismos. Errada.

c) “plural conforme as regras”: esse texto não segue as regras da norma culta. Isso é evidente. Errada.

d) “ausência de coesão”: cuidado! O fato de ser um texto de fala bem popular, quase infantil, não quer dizer que não tenha coesão. Aliás, é um texto bastante coeso! As reticências proporcionam essa coesão importante. Não caia em preconceito linguístico: um texto em norma popular pode ser coesivo! Errada.

e) “frases incompreensíveis”: todas as frases, apesar de escritas de forma quase infantil, são compreensíveis a qualquer leitor. Errada.

Questão de nível médio

(Enem – 2014)

eu acho um fato interessante… né… foi como meu pai e minha mãe vieram se conhecer… né… que… minha mãe morava no Piauí com toda família… né… meu… meu avô… materno no caso… era maquinista… ele sofreu um acidente… infelizmente morreu… minha mãe tinha cinco anos… né… e o irmão mais velho dela… meu padrinho… tinha dezessete e ele foi obrigado a trabalhar… foi trabalhar no banco… e… ele foi… o banco… no caso… estava… com um número de funcionários cheio e ele teve que ir para outro local e pediu transferência prum local mais perto de Parnaíba que era a cidade onde eles moravam e por engano o… o… escrivão entendeu Paraíba… né… e meu… e minha família veio parar em Mossoró que era exatamente o local mais perto onde tinha vaga pra funcionário do Banco do Brasil e:: ela foi parar na rua do meu pai… né… e começaram a se conhecer… namoraram onze anos… né… pararam algum tempo… brigaram… é lógico… porque todo relacionamento tem uma briga… né… e eu achei esse fato muito interessante porque foi uma coincidência incrível… né… como vieram a se conhecer… namoraram e hoje… e até hoje estão juntos… dezessete anos de casados…

CUNHA, M. A. F. (Org.) . Corpus discurso & gramática: a língua falada e escrita na cidade do Natal. Natal: EdUFRN, 1998

Na transcrição de fala, há um breve relato de experiência pessoal, no qual se observa a frequente repetição de “né”.

Essa repetição é um(a)

a) índice de baixa escolaridade do falante.

b) estratégia típica de manutenção da interação oral.

c) marca de conexão lógica entre conteúdos na fala.

d) manifestação característica da fala regional nordestina.

e) recurso enfatizador da informação mais relevante da narrativa.

Comentários

Perceba que o enunciado da questão, neste caso, é mais específico. Contudo, o texto é mais longo. Mas, de novo, é importante ressaltar que muitas vezes não é necessário ler o texto todo. Em vez disso, podemos ler atentamente o comando da questão que diz que o texto é uma “transcrição da fala”.

Ora, se é uma cópia do que se fala, o texto está cheio de marcas de oralidade. E a questão pergunta exatamente sobre a palavra “né”. Antes de ler as alternativas, imagine como e quando você utiliza essa expressão. Assim vai ficar mais fácil localizar o item certo. Agora vamos responder:

a) “baixa escolaridade”: cuidado! Esse comentário traz uma ideia de preconceito linguístico porque nem só pessoas de baixa escolaridade usam “né” na linguagem oral. Lembre-se de que o texto é a fiel transcrição de uma fala. Errada.

b) “estratégia de manutenção da oralidade”: quando você se imagina falando o “né”, pode perceber que é usado como estratégia de pausa e manutenção da atenção do interlocutor, ou seja, uma forma de manter o ouvinte atento no que você está dizendo e promover adesão dele à sua fala. Portanto, é um recurso muito eficaz na fala do cotidiano para manter o diálogo. Alternativa correta!

c) “conexão lógica”: usamos recurso de conexão lógica na escrita formal. Por exemplo, na sua redação do Enem. Quando usamos “porém”, “portanto” ou “então”, estamos estabelecendo conexão lógica no texto. Não é o caso do “né”, que pertence à oralidade. Errada.

d) “fala regional nordestina”: a expressão “né” não é falada apenas por nordestinos. Errada.

e) “recurso enfatizador mais relevante”: como foi dito no item B, essa expressão não serve para enfatizar e nem é o recurso mais importante. Errada.

Questão de nível difícil

(Enem – 2012)

Cabeludinho

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo-mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.

BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.

No texto, o autor desenvolve uma reflexão sobre diferentes possibilidades de uso da língua e sobre os sentidos que esses usos podem produzir, a exemplo das expressões “voltou de ateu”, “disilimina esse” e “eu não sei a ler”. Com essa reflexão, o autor destaca

a) os desvios linguísticos cometidos pelos personagens do texto.

b) a importância de certos fenômenos gramaticais para o conhecimento da língua portuguesa.

c) a distinção clara entre a norma culta e as outras variedades linguísticas.

d) o relato fiel de episódios vividos por Cabeludinho durante as suas férias.

e) a valorização da dimensão lúdica e poética presente nos usos coloquiais da linguagem.

Comentários

No caso dessa questão, o enunciado não está muito claro sobre o que quer em relação às expressões destacadas. Nessas situações, o candidato deve se concentrar em: 1) ver o que é comum às expressões; 2) ler as informações extratextuais para identificar a tipologia textual.

Ao fazer isso, percebemos que as expressões são informais – quase infantis – e o texto é um trecho de memórias da infância. Assim, podemos analisar as alternativas com essa perspectiva. Além disso, mesmo o texto sendo longo, seria importante ler pelo menos os trechos nos quais se encontram cada uma das três expressões.

As expressões no contexto são:

a) “desvios linguísticos”: não são desvios, uma vez que estão adequados ao tipo de texto. Errada.

b) “importância de certos fenômenos gramaticais”: as expressões em questão não trazem essa preocupação com fenômenos gramaticais, pois são expressões singelas, infantis e simples. Errada.

c) “distinção entre norma culta e outras variantes”: a intenção do autor ao usar essas expressões não foi enfatizar essa distinção, mas tentar recriar uma cena ou imagem de uma fase da vida. Errada.

d) “relato fiel”: essas expressões não fazem um relato “fiel”. São relatos subjetivos de uma realidade vivida pelo narrador. Errada.

e) “dimensão lúdica e poética nos usos coloquiais da linguagem”: exatamente isso! O autor tenta, por meio da linguagem, trazer a atmosfera infantil, brincalhona e emotiva de outros tempos. A linguagem coloquial está fortemente associada à linguagem infantil, caseira e poética.

Essa questão mostrou a importância de vermos a linguagem em suas várias manifestações e como ela pode – e deve – refletir as várias realidades linguísticas de uma pessoa. Sem preconceitos!

Sobre o(a) autor(a):

A professora Mercedes Bonorino é Graduada em Letras Clássicas e Vernáculas e Linguística pela USP e mestre em Linguística pela UFSC. Leciona Língua Portuguesa na rede de ensino privada de São Paulo e Florianópolis desde 1998.